Desafios do Investimento Social Privado

Por: GIFE| Notícias| 14/04/2008

Ricardo Voltolini *

Entre os dias 02 e 04 de abril, o Grupo de Institutos, Empresas e Fundações (GIFE) reuniu, em Salvador (BA), alguns dos mais importantes pensadores mundiais em investimento social privado. Especialistas dos EUA, Rússia, China, Índia, Inglaterra e México estiveram no Brasil para falar sobre os cenários, riscos e oportunidades da filantropia em seus países. De tudo o que se ouviu, ao longo dos seminários, uma conclusão logo saltou aos olhos para salvaguarda da auto-estima nacional: nesse terreno o Brasil está à frente de muitas nações, especialmente no que se refere ao investimento feito por empresas em comunidades, seja por meio de institutos e fundações, seja no âmbito dos seus departamentos de responsabilidade social.

Embora as cifras movimentadas não cheguem a impressionar americanos e ingleses, chamaram a atenção dos experts internacionais a qualidade das abordagens, dos modelos e dinâmicas utilizados pelas corporações brasileiras para realizar o que em todo o mundo atende pelo nome de filantropia corporativa ou empresarial. Aqui, o termo filantropia ideologizou-se e ganhou conotação pejorativa. Tido como sinônimo de caridade e assistencialismo, foi substituído pelo de investimento social privado com a ascensão das práticas de responsabilidade social empresarial, a partir da segunda metade dos anos 1990. E passou, por essa razão, a se orientar por noções antes pouco comuns à atividade caritativa, como planejamento, diagnóstico de necessidades, monitoramento de processos e avaliação de impactos para a transformação da qualidade de vida das pessoas beneficiadas.

A vantagem na comparação com outros países, não significa, no entanto, que o investimento social privado brasileiro tenha chegado a um alto nível de excelência. Indica apenas que, por causa de um conjunto especifico de fatores — cenário desafiador de desigualdades sociais, crescimento econômico, inserção no mercado globalizado, cultura solidária, sentimento de ineficiência do Estado e expansão do conceito de responsabilidade social corporativa — as nossas empresas andaram mais rápido na construção de alternativas de participação no desenvolvimento socioeconômico das comunidades onde atuam.

Mas se o investimento social privado brasileiro quiser ser mais eficaz, eficiente e efetivo, terá que superar quatro grandes desafios. O primeiro diz respeito à fragmentação das ações. Como são realizadas por diferentes empresas e obedecem a lógicas, conveniências e convicções muito particulares — que vão desde o interesse mais imediato ligado ao negócio ao ideal de vida do fundador — os projetos se sobrepõem, em termos de escolha de tema, públicos e regiões, e acabam, por isso, perdendo em sinergia, com claro prejuízo para o impacto nas populações que se deseja beneficiar. Investir em educação é importante. Ninguém discorda disso. Mas se todas as empresas de São Paulo investirem na melhoria da infra-estrutura escolar, da educação básica oferecida a crianças entre 8 e 14 anos, a educação infantil e o ensino médio, por exemplo, dois gargalos importantes de entrada e saída do sistema de ensino, ficarão sem ver a cor de recursos privados.

Um segundo desafio, já mencionado nesta coluna, tem a ver com o fato de que as fundações empresariais precisam assumir sua vocação de centros de desenvolvimento de tecnologias sociais capazes de influenciar políticas públicas. Por razões óbvias, e a despeito de sua boa vontade, elas jamais conseguirão fazer atendimentos que não sejam de pequena escala. Em compensação, sempre serão mais ágeis do que os governos para a pesquisa aplicada e a elaboração de modelos de intervenção em áreas de interesse social. Logo, podem e devem funcionar como laboratórios de metodologias, dedicando-se a avaliar suas experiências, organizá-las e sistematizá-las na forma de tecnologias prontas para replicação pública.

No entanto, se desejarem trabalhar em conjunto com governos, deverão eliminar o vício de uma certa arrogância autoral, aprendendo a construir junto e a participar de dinâmicas mais horizontais de cooperação. Um terceiro desafio para as empresas será incorporar novas formas de atuação que excedam o tradicional “”Financio, logo existo.”” Até pouco tempo atrás, a prática mais comum era a doação de dinheiro para organizações de terceiro setor e comunidades.

Hoje, as corporações já têm suas linhas e projetos próprios. Dinheiro não é o único ativo da empresa. Ela também pode fazer diferença no desenvolvimento de suas comunidades se colocar a serviço das pessoas outros ativos importantes como capacidade de gestão, poder político, escolhas negociais, a força de sua cadeia produtiva, práticas comerciais, produtos e serviços.

O quarto desafio está relacionado a uma necessária aproximação estratégica que as empresas devem fazer com as suas fundações, institutos e departamentos sociais. À exceção daquelas –poucas é verdade — que já avançaram na incorporação da sustentabilidade nos negócios, as demais corporações vivem ainda apartadas das instâncias que elas próprias criaram para realizar investimento social. Tratam-na como elementos estranhos em seu ninho. E a elas recorrem, quando muito, para recolher números positivos para seus balanços sociais. Institutos e fundações são, na verdade, centros de conhecimento e banco de pessoal capacitado em relacionamento com comunidades. Em tempos de sustentabilidade, podem ser parceiros muito estratégicos para o esforço de inserir os pilares sociais e ambientais na gestão dos negócios.

* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável.

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