Desafios e oportunidades para a promoção da leitura e da escrita de qualidade no Brasil Parte II

Por: GIFE| Notícias| 02/06/2014

Confira outros trechos da entrevista com Christine Fontelles, diretora de Educação e Cultura do Instituto EcoFuturo.

redeGIFE – Muitos dos dados apontados no relatório mostram que o brasileiro lê pouco. Que fatores você citaria como determinantes para esse cenário de baixo interesse pela leitura?

Christine Fontelles – Não me apego muito à quantidade de livros lidos, uma vez que a importância está em leituras com qualidade e diversidade. Ler mais do mesmo embota o pensamento e o que queremos são pessoas criativas, autorais, inovadoras. Mas penso que podemos falar em hábito, acesso e práticas leitoras.

Há importantes referências mostrando que o hábito da leitura depende, certamente, de uma diversidade de fatores, sendo um deles a disponibilidade física de livros para consumo. Ou seja, bibliotecas. Além da disponibilidade e da atratividade desses espaços, é igualmente fundamental pensar que eles devem estar abertos à comunidade durante toda a semana – incluindo finais de semana e feriados -, inclusive no período noturno, com um planejamento ajustado à disseminação da leitura literária, que atenda e vá além de demandas curriculares. Precisamos, ainda, da presença de profissionais preparados – e com garantias de permanente requalificação – tanto para a organização dos espaços, quanto para assessorar o leitor iniciante em suas buscas e com dicas de leitura.

redeGIFE – O documento afirma que vivemos um momento de transição. O que precisamos fazer para acelerar esse processo e deixarmos de aparecer nas piores posições nos rankings de leitura e produção literária?

Christine Fontelles A fim de refletir e identificar prioridades estratégicas e convergências de atuação, tivemos a iniciativa de reunir organizações e pesquisadores no encontro de Brasília, ano passado, para o quê foi produzido o Compêndio Leituras em Números, concentrando pesquisas nacionais e internacionais sobre hábito de leitura e biblioteca dos brasileiros, que está disponível para download.

Contamos com o apoio e presença do Ricardo Paes de Barros [subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República] e equipe, que auxiliaram na mediação e registro das dimensões debatidas. Agora estamos trabalhando na elaboração de um texto sobre esta convergência.

O desafio que nosso país tem vai além da esfera quantitativa e demanda também um planejamento ajustado à sua superação e à compreensão de que devemos atuar de forma cooperada e integrada, setores governamental, privado e a sociedade civil, para criar e assegurar a sustentabilidade de uma política pública que, de fato, contribua para a promoção do avanço dos indicadores de leitura e que tenha elevado poder de transformação.

Há alguns aspectos que são evidentes, e historicamente apontados por organizações e pesquisadores, tais como: incluir o contato com narrativas históricas e literárias na formação inicial dos professores, viabilizar bibliotecas vivas abertas à comunidade – em escolas, públicas e comunitárias -, com acervo de qualidade, diversificado, renovado e com profissionais formados para oferecer o atendimento necessário, planejando e implementando ações cotidianas de leitura literária, campanhas de informação e sensibilização da sociedade, destinada às famílias, sobre a importância em oferecer leitura desde a primeira infância, não delegando apenas à escola a missão de formar leitores.

No campo da produção literária foi discutido durante a oficina em Brasília, que nominamos de “Leitura e Escrita de qualidade para todos”, a importância em consolidar políticas de formação de autor, com apoios semelhantes ao programa Ciências sem fronteiras. Um autor não é geração espontânea, é resultado de muito estudo e aplicação. No Brasil, historicamente, autores devem se desdobrar entre uma atividade profissional que assegure renda e a missão de escrever nos horários que restam e, raríssimos, ‘vivem de escrever’.

redeGIFE – Qual sua avaliação sobre o Plano Nacional do Livro e Leitura (PnLL)? Você acredita que ele representa um sistema capaz de provocar transformações efetivas na qualidade da leitura e escrita de nossa população? Onde podemos avançar e onde já avançamos?

Christine Fontelles O PNLL é o marco lógico, é a política pública desenvolvida mediante consultas à sociedade civil organizada. Tem a legitimidade de ação governamental validada em conferências ocorridas em todo o país. A questão é viabilizar sua implementação. Como desenhar uma colaboração inter e intrasetorial? Como planejar o envolvimento da iniciativa privada com vistas a assegurar complementaridade máxima ao investimento público? Como evitar sobreposição de metas e serviços? Quais os papéis reservados às bibliotecas públicas, às comunitárias e às localizadas em escolas? Como esses tipos distintos de bibliotecas devem conectar-se para, assim, produzir o maior impacto potencial sobre a leitura nas comunidades? As perguntas são muitas. As respostas precisam ser construídas com agilidade e viabilizadas por meio de cooperação. O objetivo da oficina, de outubro passado, foi contribuir para a identificação de pontos de convergência para incidência, tendo o PNLL como referência.

redeGIFE – Qual sua avaliação geral sobre o encontro de outubro de 2013? Que oportunidades você destacaria que surgiram a partir do evento?

Christine Fontelles Estiveram presentes ao longo de um dia de muito trabalho 36 pessoas, representando governo e organizações não governamentais, além de autores e pesquisadores. Essa audiência reflete o interesse pelo tema e por identificar ações cooperativas.

As reflexões geraram um documento extenso, contendo as prioridades identificadas pelo grupo para as seis dimensões abordadas: a importância da leitura, produção literária, indústria do livro, bibliotecas, gosto e capacidade de leitura e maior e melhor utilização dos livros disponíveis. Ou seja, trata-se de um material inédito riquíssimo para consulta de todas as organizações, para orientar suas próprias ações relacionadas à promoção da leitura. O grupo segue coeso e, como disse, estamos agora na fase de elaboração de um documento que localiza pontos de convergência para avaliar a possibilidade de uma ação de incidência coletiva. A oportunidade e o desafio estão postos. É preciso pensar grande e agir de forma cooperada. Estou convicta de que abriu-se, com o encontro de outubro, uma grande oportunidade.

redeGIFE – De que forma a iniciativa privada e as organizações da sociedade civil podem atuar encampando iniciativas em prol da leitura e escrita de qualidade? E como conseguir escala nesse sentido?

Christine FontellesÉ preciso manter espaços de diálogo ente governo e organizações empresariais para identificar pontos de convergência, e penso que o Grupo de Trabalho de Leitura do GIFE é um fórum privilegiado, e que podemos avançar a partir das reflexões estruturadas no encontro de Brasília, que tem o PNLL como mapa de partida.

Identificar essas linhas de ação prioritárias, pautadas em dados de pesquisa, atuar de forma convergente e sistemática em todas as dimensões que afetam a ampliação da cobertura e geração de impacto, fortalecendo e consolidando como política pública, como política prioritária para o país, que sobreviva a mandatos e mudanças de partidos. Um programa de Nação. E que a gente não se perca nessas discussões que colocam em oposição a tecnologia do impresso com a tecnologia do digital, o espaço de leitura via internet ou o espaço de leitura na biblioteca.

Não temos tempo e nem condições de abrir mão de nenhuma tecnologia. Todas devem ser usadas em benefício de um objetivo: o pleno alfabetismo da população, a plena proficiência em leitura e escrita. É preciso, mais do que nada, que as políticas públicas e a atuação conjunta da iniciativa privada e sociedade operem para acabar com o enorme fosso que separa quem tem acesso à palavra, ao conhecimento, daqueles que não têm, fenômeno que colabora, e muito, para a manutenção da miséria e da pobreza. Não podemos nos dar por satisfeitos até que este objetivo seja plenamente alcançado.

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