Desatando os nós dos recursos locais

Por: GIFE| Notícias| 28/02/2012

Barbara Ibrahim*

Os governos da região árabe têm respondido às pressões por reformas e participação popular ou com repressão ou por concessão. Até num levante de “sucesso” como o do Egito e da Tunísia, o resultado final das mudanças de regime estão longe de serem definidas. No entanto, um traço do levante geral da região parece ser promissor: o surgimento de cidadãos com iniciativas pacíficas que foram reprimidas por ditaduras durante décadas.

O aspecto mais visível da Primavera Árabe são os protestos políticos de jovens. Com menos importância estão as respostas locais muito criativas a respeito dos problemas gerados pela transição. No Egito, essas tomaram diversas formas, de comitês de vigilância vicinal até o uso das mídias sociais para angariar fundos para causas como a pobreza urbana. Grupos de cidadãos tunisianos e egípcios ajudaram os refugiados e enviaram suprimentos médicos para a Líbia no decorrer dos longos meses de luta contra o regime. Até em lugares com menor agitação política, este ano tem presenciado altos níveis de voluntariado (Emirados Árabes) e de doações (Arábia Saudita).

Qual será o impacto da Primavera Árabe no investimento social da região? Para responder a esta pergunta precisamos dar uma olhada em como foram afetadas as instituições existentes para depois poder identificar sinais de novas formas de filantropia emergindo à medida que seus governos realinham seus contratos sociais.

Redefinindo a filantropia árabe
Nas últimas décadas, as instituições modernas filantrópicas têm se proliferado. De 24 membros fundadores do Fórum de Fundações Árabes, 60% foram instituídas a partir de 2000, apesar do ambiente desfavorável. Por exemplo, a maioria das leis nacionais permite que os governos possam dissolver conselhos e apossarem-se dos bens das organizações sem fins de lucrativos. Esta situação favoreceu altos níveis de doações individuais e de serviços da caridade inspirados pela fé, porém desencorajou os esforços mais sistêmicos direcionados às mudanças sociais.

Algumas das novas fundações superaram as dificuldades incluindo um membro da família governante na diretoria ou registrando-a por meio de um decreto excepcional real, em vez de utilizar os canais governamentais. Era mais seguro selecionar as áreas onde as fundações poderiam trabalhar que não fossem controversas ou que desafiassem o status quo. Estas táticas faziam sentido do ponto de vista prático, porém a linha entre o conveniente e o abuso era tênue.

Um exemplo descarado é o punhado de “fundações” da Líbia que eram essencialmente esforços de propaganda para a família de Gadaffi. Tipicamente, as fundações dos países do Golfo e em outros lugares têm utilizado os relacionamentos com indivíduos poderosos para incrementar as doações privadas ou corporativas de forma a ser coercivo para os contribuintes. Outro problema era a falta de transparência geral, o que dificultava a avaliação geral do impacto dessas organizações.

Outras fundações da região Árabe têm lutado contra essas tendências, escolhendo um caminho mais difícil de independência. Elas estão trabalhando mais em áreas relacionadas a direitos e justiça social. Em geral, elas optam por um perfil público mais discreto. Ao contrário das expectativas iniciais, estas organizações não estão encontrando melhorias no ambiente regulatório depois da Primavera Árabe. As restrições governamentais no trabalho da democracia e dos direitos humanos estão crescendo face ao aumento de pressão interna por reformas.

As fundações independentes acham mais fácil se adaptarem às demandas populares para o aumento da transparência. Menos alinhadas com os velhos regimes, elas têm menos barreiras para superar a desconfiança pública. O ambiente da contestação às políticas públicas sugere, no entanto outro dilema. Alguns dos filantropos individuais financiam ativamente novos partidos ou se candidatam às eleições. Enquanto a mistura de filantropia e política é comum em outras democracias, temos conhecimento do bom exemplo de George Soros. Isto é, feito com uma série de normas definidas. Essas normas estão para ser feitas nas nascentes democracias árabes.

Antes da Primavera Árabe, foram discutidos temas relacionados às elites do poder e à independência das fundações. Foram discussões discretas e raramente em público. Agora, existe um debate mais aberto sobre o compadrio de todas as formas, seja nos negócios, governo ou nas áreas de sem fins de lucro. Como na filantropia de todo o mundo, algumas pessoas abastadas ainda utilizam suas doações para bajular aqueles que estão no poder. Será preciso desenvolver novos códigos de conduta vindos do próprio setor filantrópico.

Este ano, a conferência anual do Fórum de Fundações Árabes colocou em discussão os padrões éticos. A pesquisa regional Takaful sobre filantropia e engajamento cívico, de Amman em Abril de 20011, discutiu os códigos de conduta e dilemas operacionais para a “nova” sociedade civil [leia mais].

Ação cívica emergente
Períodos de intensas mudanças sociais podem estimular recursos inéditos da iniciativa dos cidadãos. Isto tem sido especialmente verdadeiro na Primavera Árabe, onde após décadas de repressão as pessoas sentiram a euforia da ação social coletiva. Como exemplo, desde os meses em que começou na Líbia, mais de 300 organizações de sociedades civis emergiram.

No período entre as eleições da Tunísia, as mulheres ficaram especialmente ativas em campanhas para levar as pessoas a votar e estimular o debate público sobre temas de gênero. Durante os 18 dias de revolta popular no Egito, os protestos se caracterizavam por exemplos dramáticos de jornalismo cívico e ajuda espontânea aos que protestavam: postos de saúde, distribuição de alimentos, cordões de segurança, até postos de recarga de celulares usando os postes de iluminação. Quando caiu o regime, milhares de cidadãos saíram às ruas para limpar, consertar e repintar. Os jovens que limparam minha vizinhança distribuíram panfletos pedindo para reciclar lixo e não dar ou aceitar subornos. A limpeza pública espelhava dessa forma um impulso nacional para limpar as instituições de corrupções e começar do zero.

Depois de expulsar Ditadores de longa data, os cidadãos estão demandando uma governança mais responsiva e transparente. Eles insistem, ao mesmo tempo, em contribuir de forma mais substancial para a reconstrução de suas sociedades. Este novo “compacto” democrático é debatido intensamente em programas de entrevistas e em qualquer lugar onde as pessoas se reúnem. No entanto, encontrar a fórmula correta parece ser elusivo devido a décadas em que a vida pública foi administrada de cima para baixo.

Não estão faltando iniciativas cívicas. Depois da revolução na Tunísia e no Egito, os talentos criativos de cidadãos encheram projetos para oferecer educação cívica, ajudar os jovens ativistas a entrar na política e preparar as mulheres para votar e se candidatar nas eleições. No Egito existem pelo menos quatro plataformas de internet ligando voluntários para desenvolver projetos.
Novas formas de filantropia também são evidentes. Numerosos projetos estão utilizando a mídia social para incrementar a consciência e as doações. À medida que a internet e o uso de celulares tiveram um rápido crescimento, estes canais ajudaram a levantar fundos para os locais mais pobres do Egito, um sinal que pessoas comuns e não apenas as celebridades ou os milionários estão mais ativos na mobilização de recursos.

Da proteção da vizinhança ao desenvolvimento comunitário

As iniciativas espontâneas poderão minguar se não as estimularmos para serem sustentáveis. Esta é uma área onde as organizações internacionais poderiam dar apoio e compartilhar modelos eficientes tais como as fundações comunitárias. Um entusiasmado doador local terá o benefício extra de reduzir a sua dependência em fundos externos, por exemplo.

Apenas uma pequena parte das fundações das comunidades está ativa na região árabe, embora exista uma abundância de comunidades tradicionais de solidariedade. Durante o levante no Egito, literalmente milhares de grupos de vigilantes em vizinhanças urbanas surgiram de um dia para outro quando a proteção policial sumiu. Muitos desses grupos estão procurando maneiras de tornarem-se sustentáveis.

Estes “comitês do povo” são heterogêneos, alguns formados por apenas algumas pessoas da vizinhança, outros com até 40.000 membros. Grupos semelhantes que se formaram na Líbia podem ser convertidos para enfrentar as necessidades após os conflitos. Nós, como o Gerhart Center, planejamos uma série de atividades para disseminar o modelo de fundação comunitária na mobilização de talentos e recursos locais usando as experiências das transições da Europa do Leste, América Latina e outros lugares.

O setor privado
Ainda é muito cedo para saber que tipo de estrutura de governança nacional será estabelecida nos países do Norte da África, que estão passando por uma transição apesar de estar claro de que os interesses religiosos terão um papel maior. Enquanto isso, os setores privados envolvidos estão começando a definir o seu papel nas comunidades de negócios. Seminários sobre medidas anticorrupção, melhorias de padrões de trabalho e gerenciamento sustentável tiveram uma assistência recorde no Egito, nos Emirados Árabes Unidos e na Jordânia. Um número de empresários com ampla visão se juntaram a Pacto Global, Green Business Councils e o Gerhart Center para promover padrões de sustentabilidade, enquanto impulsionam a recuperação econômica. As parcerias com grupos comunitários estão crescendo e são mais sensíveis as necessidades locais.

Com as numerosas iniciativas promissoras em andamento, a região está aprumada para uma transição impulsionada pelo seu povo. Apesar de muitas incógnitas pela frente, os ganhos da Primavera Árabe estão com um momento dificilmente de ser revertido. Parece que o espírito de Tahri continuará a inspirar as ações da cidadania nos espaços públicos árabes e em outras partes do mundo.


*Barbara Lethem Ibrahim é Diretora Fundadora da John D Gerhart Center for Philanthropy and Civic Engagement na America University em Cairo. Email [email protected]

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional