Desenvolvimento inclusivo envolve visão de diversidade no combate à pobreza

Por: GIFE| Notícias| 25/07/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Elaborado pela ONG Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, a pedido do Banco Mundial, foi lançado no último dia 15 de julho o Manual sobre Desenvolvimento Inclusivo para Mídia e Profissionais de Comunicação. Produzido em português e espanhol, nas versões impressa, digital e em braile, o estudo tem como objetivo qualificar profissionais – em especial da área de comunicação – para que avaliem os processos de desenvolvimento socioeconômico sob um enfoque inclusivo.

De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), existem 600 milhões de pessoas com deficiência no planeta, sendo 400 milhões nos países em desenvolvimento. Pelo menos 79 milhões dessas pessoas estão na América Latina e Caribe, segundo dados do Banco Mundial, e aproximadamente 24 milhões no Brasil, conforme identificou o Censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O Manual tem patrocínio do Banco Mundial, da Petrobras e da Save the Children Suécia e será distribuído para profissionais de comunicação e formadores de opinião na América Latina. Os interessados em adquirir a publicação podem fazer a solicitação pelo e-mail [email protected].

Em entrevista ao redeGIFE, Claudia Werneck, presidente da Escola de Gente e consultora internacional em comunicação e inclusão, fala sobre desenvolvimento inclusivo, conceito que tem sido utilizado para expressar e valorizar a relação entre pobreza, diversidade e exclusão social.

redeGIFE – Ainda existe uma falta de interesse ou dificuldade das empresas e ONGs em incluírem pessoas com deficiência em seus projetos sociais?
Claudia Werneck – Sim, ainda persiste a falsa crença de que o ideal para pessoas com deficiência é ter projetos especiais. Falta de interesse ou dificuldade? Ambas. Mas há como caminhar para combater isso. Este caminho tem relação com o quanto os profissionais e lideranças que criam os projetos financiados por empresas, fundações e institutos estão dispostos a adotar, em suas reflexões, dois pressupostos: 1) a certeza de que pessoas com deficiência estão em todos os lugares e em percentual altíssimo nas regiões onde há pobreza – ONU e Banco Mundial estimam que mais da metade das crianças e jovens com deficiência é pobre nos países em desenvolvimento; e 2) a consciência de que a diversidade humana é um valor, e não um problema extra para as políticas públicas. Em resumo, não há como construir projetos e criar tecnologias sociais sem ter clareza do quanto impomos às pessoas pobres um significativo ciclo de invisibilidade, caracterizado por sistemática violação de direitos humanos e fundamentais. Hoje, a pessoa pobre e com deficiência é invisível tanto para seus vizinhos, na maioria das vezes igualmente pobres, quanto por muitos especialistas em políticas públicas que atuam na área de desenvolvimento socioeconômico. Portanto, “”atender à demanda das comunidades pobres”” é pouco para projetos que se dispõem a atuar sob o enfoque de desenvolvimento inclusivo. O desafio é encontrar soluções únicas que ratifiquem a diversidade e combatam as desigualdades sociais. Pobreza e deficiência devem ser enfrentadas conjuntamente, e isso não significa perder o foco do projeto, o que é importantíssimo reforçar.

redeGIFE – Quais especifidades devem ser consideradas para a inclusão destas pessoas nos programas?
Claudia – Para a Escola de Gente, o caminho é sempre garantir o atendimento às necessidades específicas de grupos em situação de vulnerabilidade no âmbito das ações, projetos, programas e políticas gerais. Lembrar das necessidades específicas de pessoas com deficiência apenas quando elas são foco de projetos especiais não é mais compatível com as convenções internacionais que tratam de ética, direitos humanos e fundamentais, com a visão de sustentabilidade do planeta. Os projetos especiais, destinados apenas a pessoas com deficiência, mesmo sendo bem intencionados, têm mais reforçado do que combatido a segregação, além de serem mais caros. A propósito, estamos vivendo um momento histórico muito interessante ao perceber, cada vez mais, que os argumentos econômicos validam o enfoque de direitos humanos. A idéia é provar, por meio de pesquisas na área de macroeconomia, o quanto, a curto e longo prazo, a inclusão de grupos em situação de vulnerabilidade é mais viável economicamente do que qualquer processo de segregação ou de falsa inclusão. Sobre as especificidades que devem ser consideradas para a inclusão de pessoas com deficiência, elas são inúmeras, e o gestor de um programa deve entender que essas pessoas provavelmente farão parte dele, sim. Não é questão de sorte ou azar, nem pode ser surpresa. Projetos em comunidades pobres que não atendem à grande quantidade de pessoas com deficiência estão, mesmo sem perceber, impedindo o seu acesso ao projeto, o que caracteriza discriminação pela legislação brasileira, por mais antipática que seja essa minha frase.

redeGIFE – Algumas empresas e organizações sociais têm adotado programas específicos para a atuação de deficientes, em especial visuais e auditivos. Estes são bons métodos de inclusão?
Claudia – Existem as políticas afirmativas e elas não costumam ter qualquer relação com políticas de inclusão. Qualquer ação na qual a pessoa com deficiência é agrupada pelo fato de ter deficiência ou por tipo de deficiência contraria a chamada ética da diversidade e atrasa legítimos processos de inclusão. Por outro lado, a visibilidade de ações não-inclusivas é enorme, perante o senso comum, os consumidores, o terceiro setor, as empresas e a mídia. O trabalho inclusivo não é aquele que se abre para um determinado repertório de diversidade e mesmo assim ainda tenta “”organizar”” e “”arrumar”” essa diversidade, entendendo-a, no fundo, como um mal a ser combatido, tolerado ou respeitado. O ambiente de trabalho inclusivo é aquele que, a partir da ratificação das diferenças, age para transformações amplas eficazes e sustentáveis, agregando valor a processos corporativos já em curso e influenciando todas as políticas da empresa.

redeGIFE – O que falta para que o Brasil tenha políticas públicas que ao mesmo tempo resgatem o valor da diversidade humana, atendam aos direitos das pessoas com deficiência e combatam a desigualdade econômica e social?
Claudia – 82% das pessoas com deficiência do mundo vivem abaixo da linha da pobreza nos países em desenvolvimento. A maioria é formada por crianças. A criança com deficiência é um dos atores sociais com direitos humanos mais violados do planeta. Mesmo sendo temas controvertidos e que vêm sendo interpretados de formas diferentes, a deficiência tende a ser um componente da pobreza. Para criar políticas públicas que contemplem esse panorama, precisamos buscar, por meio de alianças estratégicas, soluções inovadoras e que não discriminem alguns grupos em detrimento de outros. Essas alianças deverão unir áreas aparentemente antagônicas, como deficiência e desenvolvimento. A principal motivação para este tipo de iniciativa é o entendimento de que os recursos utilizados para promover o desenvolvimento não podem gerar barreiras que persistem através do tempo, levando à exclusão e mantendo nessa exclusão socioeconômica algumas parcelas da população.

redeGIFE – Qual o objetivo da criação de um manual sobre desenvolvimento inclusivo para mídia e profissionais de comunicação?
Claudia – A área de comunicação tem função estratégica no processo de transformar políticas públicas gerais em políticas públicas de desenvolvimento inclusivo. Pode ajudar a fiscalizar e a garantir o direito à participação de pessoas com deficiência e outros grupos em situação de vulnerabilidade ou desvantagem, contribuindo para bloquear processos de discriminação e de exclusão secularmente em curso. O problema é que nossa mídia não se percebe com essa função, nem a deseja – embora haja exceções. Muitos profissionais são ingênuos e falta visão crítica quando o assunto é inclusão. As verdadeiras pautas passam despercebidas de grandes jornalistas, mesmo quando têm acesso a fontes que propõem essas pautas. Ao contrário, parte das matérias que vem ganhando cada vez mais espaço na mídia valorizam casos pontuais de “”sucesso”” de forma descontextualizada, isolando ainda mais as pessoas com deficiência e suas famílias das políticas gerais e isentando a sociedade e o governo de suas responsabilidades em alguns processos. O objetivo desse Manual é apresentar aos profissionais da mídia e de comunicação o conceito de desenvolvimento inclusivo, que está em permanente fase de construção coletiva, convocando-os, inclusive, para participar desse processo de construção. O Manual tem a pretensão também de contribuir para que os profissionais da imprensa e de comunicação em geral, como os publicitários, os cineastas, os que trabalham na área de Relações Públicas nas empresas e os professores na Academia, desenvolvam uma visão mais qualificada e crítica sobre políticas, programas, ações e estratégias voltadas para o desenvolvimento e para a deficiência.

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