A importância das mulheres negras para um futuro mais equânime e justo

Por: GIFE| Notícias| 26/07/2021
Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha reforça os desafios pela garantia de direitos em um cenário marcado pelas violências

Créditos: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

De acordo com dados da PNAD Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil conta com 212 milhões de pessoas negras ou pardas. Mesmo que seja a maioria, é a população negra que mais sofre com a violação de direitos fundamentais que encontra raízes no passado escravagista do país. 

Considerando a gravidade do contexto apresentado em pesquisas e que, sobretudo são as mulheres negras  as maiores vítimas de assédio e violências, iniciativas que visam conscientizar e defender o direito desse grupo são fundamentais. Algumas delas marcam o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado anualmente em 25 de julho.  

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Há quase 30 anos, em 1992, a República Dominicana sediou o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas com o objetivo de apresentar dados de violência contra a população negra, principalmente contra mulheres, que há décadas sofrem com machismo e racismo sistêmicos. A ocasião também celebrou a criação da Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, que propôs a criação da data internacional.  

Considerando seu histórico, no Brasil a efeméride ganhou um significado ainda maior. Em 2014, foi instituído, a partir da Lei nº 12.987, que a data também marcaria o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder do quilombo Quariterê que, no século 18, reuniu comunidades negras e indígenas na resistência contra a escravidão.  

Para Adriana Barbosa, CEO da pretahub, fundadora do Festival Feira Preta e membro do Conselho de Governança do GIFE, a celebração traz destaque para a luta e para os processos emancipatórios de mulheres negras em diversos setores da sociedade. “Não podemos esquecer que a chegada das mulheres africanas marcou a formação social brasileira. A data marca o legado e as contribuições dessas mulheres para as culturas do mundo e pede visibilidade à luta das mulheres negras que vivem na América Latina e Caribe.” 

De acordo com dados do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (OIG), 4.640 mulheres foram vítimas de feminicídio em 24 países – 18 da América Latina e seis do Caribe, em 2019.

“A data foi criada em 1992 com a intenção de nos fazer olhar para esse grupo popular. As mulheres negras atendem pelos piores índices de todos os indicadores sociais: violência, feminicídio, mortalidade, saúde, diferenças salariais – já que uma mulher negra pode ganhar 40% menos do que homens brancos que exercem a mesma função. É como Angela Davis afirma: ‘quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela’, defende Mafoane Odara, psicóloga, consultora e ativista em direitos humanos e diversidade. 

O papel das lideranças e referências

Adriana Barbosa comenta que um dos maiores aprendizados pessoais foi se reconhecer enquanto mulher negra, processo que foi incentivado a partir de referências, começando por mulheres negras de sua família. 

Mafoane cita Tereza de Benguela para reforçar a importância de evidenciar mulheres negras para incentivar o debate sobre equidade de gênero e raça. 

“Tereza de Benguela foi uma liderança, assim como muitas mulheres negras que têm desenvolvido trabalhos fundamentais e transformadores na nossa sociedade. Só que o lugar que nos foi reservado é o de escassez. O exercício dessa data é ter o olhar para nossa potência e para tudo o que desenvolvemos. A única possibilidade de construirmos uma nação melhor é ter mulheres negras nos espaços de decisão e nos lugares mais importantes, porque a criatividade e inovação estão no cerne de tudo o que fazemos”, afirma. 

Além de exemplos de líderes históricos e personalidades, Mafoane, assim como Adriana, conta com exemplos dentro da própria casa. Filha de pais ativistas, a psicóloga carrega no nome africano a vontade que sua família sempre cultivou pela valorização e orgulho de sua ancestralidade. Depois de morar em Angola durante quatro anos ainda criança, a volta ao Brasil foi permeada por desafios, que fizeram com que ela descobrisse sua vocação para atuar socialmente, construir pontes e, assim, defender as pautas nas quais acredita. 

Entre os temas que atua estão o enfrentamento à violência contra meninas e mulheres, a construção de ambientes onde mulheres possam conciliar a maternidade e a vida profissional, a representatividade em espaços de tomada de decisão e também a criação de ambientes de segurança emocional.

Reconhecer e pertencer 

Bianca Santana, jornalista, escritora, doutora em Ciência da Informação e autora dos livros Continuo Preta: A Vida de Sueli Carneiro e Quando me Descobri Negra, cita a tese de doutorado da filósofa, ativista e fundadora do Geledés – Instituto da mulher Negra, na qual explica que não reconhecer pessoas negras como produtoras de conteúdo e alijá-las das condições para produção de conhecimento configura uma face do genocídio negro no Brasil, o chamado epistemicídio. 

“Não há dúvida de que enfrentar o epistemicídio, tirando da invisibilidade e do silenciamento as narrativas negras, é essencial para fortalecer a existência de pessoas negras na sociedade. Quando elas são reconhecidas como produtoras de conhecimento que contribui para a formação de políticas públicas em diferentes áreas, isso mobiliza o nosso imaginário e permite que inventemos soluções mais criativas para o enfrentamento real dos nossos problemas. Não dá para acreditarmos que só o conhecimento formulado por brancos no padrão eurocêntrico será suficiente para enfrentar os problemas do Brasil. Precisamos do vasto conhecimento produzido por pessoas negras para que enfrentemos nossas questões e nos consolidemos como um país justo para todas e todos.” 

 Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha reforça os desafios pela garantia de direitos em um cenário marcado pelas violências

Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

De acordo com a jornalista, é fundamental registrar dados, informações, narrativas e promover a circulação desse conteúdo – uma das principais intenções da biografia de Sueli Carneiro -, de forma que o histórico e repertório de luta de mulheres negras no Brasil inspirem as novas gerações.

“Conhecer as histórias de quem veio antes nos permite nos apropriar dessa construção coletiva como nossa, reconhecendo quem veio, mas também partindo dos lugares onde elas andaram, para não repetirmos os mesmos erros e testarmos novas possibilidades.” 

O sentimento de pertencimento desempenhou um papel fundamental no processo desafiador de reconhecimento da jornalista enquanto mulher negra em um país racista. Bianca explica que, um dos mecanismos do racismo é a narrativa do não pertencimento, como se pessoas negras não pudessem se assumir como parte de um grupo que tem histórias que devessem ser valorizadas. 

“Quando você se apropria dessa identidade negra, você tem um chão onde pisar, se conecta a raízes familiares, comunitárias e sociais que são uma fonte incomensurável de força e repertório. Compreender-se como uma pessoa negra significa fazer parte do grupo que é a maior parte do Brasil. Significa pertencimento, essencial para a existência humana e para que as pessoas consigam realizar seus projetos individuais e coletivos com consistência, para que se sintam bem e para que possam enfrentar o racismo”, afirma. 

Multiplicidade de desafios 

Considerando o racismo que estrutura a sociedade brasileira, pessoas negras enfrentam dificuldades reconhecidamente maiores em comparação à pessoas brancas. No mercado de trabalho, por exemplo, um desafio é a representatividade, considerando que pretos e pretas são minorias nas equipes de organizações e empresas. 

À frente de um marketplace que se configurou como um dos maiores eventos de cultura negra da América Latina, Adriana comenta sobre algumas dificuldades que enfrentou durante sua trajetória como mulher negra empreendedora, como acesso a capital e falta de confiança em si enquanto liderança de um empreendimento. 

“Algo que ainda não mudou na sociedade brasileira é o fato de enxergar a população negra apenas pela ótica do social, do ativismo e dos direitos humanos. Falta perceber o potencial que mulheres negras têm de movimentar a economia brasileira”, defende. 

Sociedade civil forte e a articulação de esforços 

Gênero e raça são dois temas complexos que envolvem uma multiplicidade de questões que perpassam e dialogam com outros desafios colocados para o Brasil. Por isso, é praticamente impossível que apenas um setor dê conta de desenvolver iniciativas de promoção da equidade racial e de gênero. 

Mafoane explica que sociedades consideradas fortes têm o capital social desenvolvido, o que explica a importância do trabalho desenvolvido por organizações e movimentos sociais, que são fundamentais para incentivar e acelerar o processo de transformação e justiça nas nações. 

Bianca cita, por exemplo, a agenda política da Coalizão Negra por Direitos como um documento importante que reúne estratégias e ações de combate ao racismo, sexismo, machismo e violência contra pessoas LGBTQIA+, bem como a Carta da Marcha das Mulheres Negras 2015

“Esses documentos pontuam o que é necessário que façamos para enfrentar o machismo, o sexismo, o racismo e a LGBTQIA+fobia, para termos uma sociedade onde todas as pessoas possam viver com dignidade.” 

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