Diferenciar governança e administração é fundamental para atuar com eficiência

Por: GIFE| Notícias| 04/04/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Determinar a missão e os propósitos da organização, assegurar recursos e prover uma adequada supervisão financeira, garantir integridade ética e legal e projetar a imagem pública da instituição são algumas das responsabilidades do Conselho de uma organização sem fins lucrativos. Além disso, o órgão deve promover um planejamento organizacional efetivo, monitorar e fortalecer seus programas e serviços, apoiar e avaliar o diretor executivo, orientar e desenvolver novos conselheiros e avaliar o desempenho do próprio conselho.

Para Lafayette Parreira Duarte, fellow do BoardSource – organização norte-americana especializada em conselhos – e consultor na implantação e avaliação de programas sociais, a efetiva governança pode ser resumida em alguns princípios básicos. Em primeiro lugar está a missão que, sendo clara e mobilizadora, unifica e motiva as equipes técnicas e os conselheiros para trabalharem juntos por resultados significativos. Em segundo lugar está a composição do conselho e das equipes, que com pessoas certas nas posições corretas, trabalhando pela missão, conseqüentemente traz esse retorno. Além disso, uma estrutura organizacional simples e eficiente cria condições para que as competências de seus colaboradores sejam utilizadas em conjunto para se atingir a missão da organização.

O diretor regional para América Latina e Caribe da Fundação Kellogg, Francisco Tancredi, acredita que, a rigor, o conselho forma o “”DNA”” da organização. Das suas definições e decisões são derivados os planos estratégicos de trabalho de médio e longo prazo. “”Na prática, eles podem ajudar sendo muito claros e objetivos na definição dos valores e escolhas fundamentais, trazendo informações úteis do mundo exterior para ajudar a organização a tomar suas decisões programáticas e sabendo cobrar resultados e avaliação de maneira pertinente””, explica.

Coordenador técnico do Instituto Fonte e professor do módulo “”Governança e desenvolvimento de conselhos em organizações sociais”” do Curso Ferramentas de Gestão, Antonio Luiz de Paula e Silva entende que, talvez, a principal atribuição de um conselho seja justamente manter as suas atribuições claras. “”Muitas das dificuldades enfrentadas por conselhos e diretorias em iniciativas sociais estão relacionadas ao fato desses grupos permanecerem muito tempo sem reconhecer que suas atribuições e responsabilidades precisam ser revistas e/ou esclarecidas.””

Fazer a distinção entre governança e administração, para o consultor jurídico do GIFE, Eduardo Szazi, é o ponto chave. “”Na tradição brasileira de condução das atividades de entidades sociais é comum o entendimento de que ambas as expressões são fungíveis e, portanto, difundiu-se a idéia de que as atribuições de conselhos e diretorias são muito assemelhadas.””

Para ele, o papel do conselho é governar e não administrar, tarefa que incumbe aos executivos. “”Como ′proprietário′ da entidade, o conselho tem os olhos nos fins sociais da organização, deixando para os executivos a escolha dos meios para alcançar tal objetivo. Todavia, como nem todos os meios podem ser aplicados para o alcance dos fins, incumbe ao conselho fixar as políticas da organização, que são, em síntese, os limites da atuação da diretoria. Por isso, dentro das fronteiras impostas pelas políticas da organização, o administrador tem liberdade para usar sua criatividade e habilidades para descobrir e executar os meios para alcançar os fins organizacionais””, explica Szazi.

Em períodos de crise devido a turbulências externas ou a conflitos internos, no entanto, a ação mais operacional dos conselheiros pode ser oportuna. Segundo Lafayette, essa é uma das razões lógicas para esta atuação. Em algumas situações, os conselheiros são legalmente obrigados a desempenhar papéis administrativos. É o caso, por exemplo, quando se envolvem com a captação de recursos ou com a contratação e avaliação do diretor executivo. “”Essas atividades são papéis inquestionáveis do conselho, mas também envolvem tarefas operacionais que podem turvar a distinção entre governar e administrar.””

Existem também as razões patológicas, geralmente associadas a dificuldades de se delegar responsabilidades e ao fato de que as tarefas do dia-a-dia podem ser muito atrativas e motivadoras, pois trazem resultados visíveis no curto prazo. Quando estas situações inadequadas ocorrem, é papel tanto do diretor executivo como do próprio conselho encontrar uma solução conjunta. “”Não existe saída sem a participação dos dois lados na construção do novo caminho””, diz Lafayette.

Ação conjunta – Ele conta que as ações do diretor executivo determinarão em grande parte a natureza do papel do conselho. Isso porque cabe ao gestor a seleção dos assuntos, informações e questões que são apresentados. Se os conselheiros se concentram em discussões pouco importantes, isso pode significar uma incapacidade do diretor executivo em despertar sua atenção para questões cruciais.

Por outro lado, o conselho também pode ajudar: traduzindo em expectativas claras e palpáveis sua responsabilidade maior, que é perseguir a missão e assegurar o desenvolvimento da organização no longo prazo; criando expectativas claras para o diretor executivo; estruturando suas próprias reuniões para despertar a atenção dos conselheiros às questões políticas e estratégicas; e avaliando o desempenho de seu próprio papel.

Para Sérgio Mindlin, diretor presidente da Fundação Telefônica, a diretoria executiva das organizações precisa encarar seus conselhos como recursos valiosos, mantendo-os sempre informados. “”Com reuniões muito espaçadas, é difícil para o conselheiro ter em mente o que são as diversas ações da instituição. Então, a minha obrigação como executivo é, ao longo do ano, ir alimentando o conselho com informações.””

Ele entende que, em geral, nas organizações da sociedade civil, a gestão executiva é um pouco solitária e precisa de um acompanhamento do conselho, não como uma fiscalização, mas como alguém que está apoiando e fazendo junto. Uma maneira de tornar mais prática essa atuação é com a formação de comitês específicos. Ainda pouco adotados no Brasil, os comitês cuidam de determinados temas – como finanças, estratégia, recursos humanos – de forma mais estruturada.

“”Como os conselheiros são necessariamente voluntários e todos não podem se dedicar em tempo integral a essa função, a formação de comitês ajuda no funcionamento dinâmico do conselho e é um processo que deveria ser mais estimulado””, afirma Mindlin.

Um outro problema com relação a conselhos no Brasil, conta Mindlin, é que muitas vezes as pessoas são convidadas a participar por sua visibilidade, pelo seu nome ou por já integrarem outros conselhos. Assim, muitas não conseguem assumir a efetiva responsabilidade por suas funções. “”A participação em conselhos, especialmente por ser voluntária, deveria ser encarada com mais profissionalismo, tanto do ponto de vista de quem participa quanto de quem convida.””

Composição – A composição é um dos aspectos estruturais de qualquer conselho, assim como seu tamanho e mandato, lembra Antonio Luiz. Segundo ele, escolas tradicionais de governança trazem uma ênfase nesses aspectos. Porém, atualmente é preciso reconhecer que eles são importantes para criar condições para a atuação de um conselho, mas podem garantir pouco em termos de qualidade. “”De qualquer maneira, pelo menos dois aspectos devem ser considerados na conversa sobre a composição de um conselho: representatividade e diversidade.””

Lafayette completa que, quando se começa a pensar sobre a composição ou renovação de um conselho, é importante ter muita clareza sobre qual o papel que se deseja para ele, tanto no momento atual da organização como no seu futuro. Também é relevante que a organização faça uma boa avaliação dos pontos fortes de seus atuais conselheiros, bem como das suas necessidades de desenvolvimento, de forma a facilitar a definição das qualidades prioritárias que os novos membros deverão possuir.

Com isso, um conjunto de critérios pode ser estabelecido para priorizar as definições dos nomes. Essa definição deve contar com a participação das pessoas de dentro e fora da organização cuja opinião se considere relevante para o processo. Alguns dos itens a serem considerados são: conhecimentos ou experiências em áreas específicas; perfil de diversidade que se deseja, a exemplo de gênero, raça, idade, posição socioeconômica, orientação sexual, habilidades físicas, etc; representatividade do conselho frente ao público-alvo e demais interessados da instituição e o próprio capital social que se deseja compor no conselho; capacidade de trabalho em conjunto e apoio mútuo no processo de desenvolvimento; valores e crenças de cada conselheiro, a sua visão de mundo e a compatibilidade destes com a missão da organização.

Francisco Tancredi, da Fundação Kellogg, aponta para o fato de que a grande maioria das organizações sociais convida figuras que vêm de outros setores e que demonstram “”interesse e vontade de ajudar””. Porém, apesar de isso ser um pré-requisito, não é suficiente. “”É claro que ninguém se arriscaria a entregar uma cirurgia a alguém inexperiente que diz que tem todo o desejo de ajudar. Tampouco é desejável que alguém decida sobre os destinos de uma organização que pretende fazer um trabalho sério somente porque tem boa vontade. Por isso, sem nenhuma dúvida, os conselhos devem ser educados. O processo de educação dos conselheiros não é tão complexo que não possa ser feito de forma contínua e pausada. Contudo, ele é imprescindível.””

Para Eduardo Szazi, o conselho deve ser composto por pessoas que compreendem o seu papel de representante do “”proprietário”” que, na prática, podem ser definidos como os stakeholders. “”Se tiverem esse perfil será ótimo. Se virem a si mesmos como administradores, experts, homologadores ou investigadores, a entidade estará perdendo eficiência e foco””, alerta.

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