Diretor do Centro Rio+ destaca a importância do engajamento de todos com o Acordo do Clima de Paris e a relação com os ODS
Por: GIFE| Notícias| 11/01/2016“Acredito que já avançamos muito no discurso político e na percepção científica de que a sustentabilidade depende disso, mas precisamos avançar mais na compreensão econômica. Ou seja, as pessoas precisam entender que é um bom negócio ser sustentável. Por isso, é necessário que as empresas dominem melhor estes conceitos e apresentem aos seus consumidores. Quanto vale o amanhã?”.
A percepção e o alerta é de Romulo Paes de Sousa, diretor do Centro Mundial Para o Desenvolvimento Sustentável (Centro Rio+) – um dos seis centros globais de excelência do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ele foi estabelecido no país por meio de parceria entre o PNUD e o governo brasileiro como um dos principais legados da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada em junho de 2012.
O Centro Rio+ é um dos responsáveis por disseminar no país a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que traz os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e, para isso, irá promover uma série de iniciativas no Brasil, tendo como base também as definições do acordo definido na 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em dezembro de 2015, em Paris, na França.
O documento, que valerá a partir de 2020, é um esforço para reduzir as emissões de carbono e conter os efeitos do aquecimento global, algo que passa agora ser obrigação de todas as nações e não apenas de países ricos (clique aqui para ver matéria completa sobre o tema).
Em entrevista exclusiva para o RedeGIFE, o diretor do Centro falou sobre a importância da participação das pessoas para pôr em práticas os compromissos estabelecidos e os desafios que serão ainda necessários de serem superados, a fim de traduzir os indicadores para a realidade dos municípios brasileiros. Confira:
RedeGIFE: Qual a importância do Acordo de Paris para a sustentabilidade do planeta? Ele dá conta de todos os atuais desafios que são necessários de serem enfrentados?
Romulo Paes de Sousa: A meu ver o Acordo é uma grande conquista da diplomacia dos países, pois foi possível construir uma agenda convergente em relação às questões climáticas. Mas, é um processo ainda em curso para que possa se materializar enquanto um acordo bem sucedido.
Temos ainda a definição dos indicadores de monitoramento da implementação do acordo que só serão estabelecidos em março deste ano, e isso é uma peça fundamental, pois vai nos dar a medida do sucesso da implementação.
Um segundo aspecto importante é que os países precisarão traduzir o acordo para suas realidades. Isso será um esforço muito grande, tendo em vista que a lógica de organização política de cada país varia. No caso do Brasil, por exemplo, teremos o desafio de traduzir não apenas para o âmbito nacional, mas chegarmos ao nível municipal. E isso ainda leva um tempo e faz parte de um processo de construção desta agenda a partir de um modelo que seja viável.
Além disso, o modelo de financiamento estabelecido no Acordo de Paris precisa ser mais detalhado. Demos uma arrancada importante com a definição de que os países desenvolvidos irão arcar com US$ 100 bilhões por ano em medidas de combate à mudança do clima e adaptação em países em desenvolvimento. Porém, a necessidade dos países pobres e em desenvolvimento é muito maior do que isso, como já havia sido apontado anteriormente.
É importante destacar, também, uma questão séria. Por traz do acordo nesta escala, está a necessidade identificada no planeta de que a situação ambiental tem se deterioridado e que as condições, principalmente ligadas ao clima e às emissões, são hoje muito mais percebidas do que jamais foram até então na história.
Para muitos países esse se tornou, inclusive, o tema politico mais importante, como na China, em vários países da Ásia e da Europa. Ou seja, há uma percepção muito clara, não só pelas evidências científicas, mas da vivência das populações, de que é preciso agir rápido.
Isso implica tanto uma motivação para que os países respondam de uma forma organizada a essa inquietação das populações, mas também de manter ativo a busca pela continuidade do processo. Temos agora um marco legal que orientará os países na implementação de políticas desta natureza.
Quais são os pontos mais positivos e os que precisariam ser ampliados no acordo?
O acordo tem metas ambiciosas, como a indicação de reunir esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC. O Brasil, inclusive, teve um papel fundamental nisso, pois alterou a balança em que se colocava a definição desta temperatura. Ou seja, se definiu um ponto de partida mais ambicioso ao conjunto de medidas e a necessidade de que tenha mais eficácia no momento imediato.
Outro aspecto central é que foi possível produzir um documento num processo de consenso estabelecido. Isso foi diferente de outras COPs em que não houve muita insatisfação e divergência, impedindo alguns avanços. Há, portanto, o que se celebrar.
Um terceiro ponto é que os países do Sul têm conseguido trazer para a pauta algumas questões vinculadas, como o combate à pobreza e à desigualdade. O clima é fundamental e importante, mas os países do Sul têm muitos outros desafios, sendo, inclusive, as populações mais vulneráveis às alterações climáticas. Essa agenda com uma dimensão social articulada é um grande ganho para os países em desenvolvimento.
Qual a relação do Acordo de Paris com a Agenda 2030, que definiu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)?
Quando comentei inicialmente sobre a criação dos indicadores estava me referindo ao grupo que trata não especificamente da questão do clima, mas da agenda de desenvolvimento sustentável, ou seja, está vinculado à agenda de setembro de 2015 com a apresentação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O grupo teve uma reunião recente em Bangoc e haverá outra em março. O Brasil faz parte deste grupo de especialistas representando o ConeSul. A nossa aposta é que tenhamos entre 200 a 250 indicadores.
Os ODS são importantes, pois incluem indicadores ambientais. E grande parte destas políticas que vão incidir sobre a Agenda 2030 têm relação direta com o que foi definido na COP. Sendo assim, não podemos olhar a Conferência de forma isolada.
A COP debate a questão das emissões e a Agenda 2030 aborda o modelo de produção e consumo. Ou seja, ela traz um conjunto de recomendações em relação a isso e existirá indicadores vinculados. A lógica de produção e consumo, por exemplo, tem um efeito fundamental na questão de clima, não só pelas emissões, mas as estratégias de mitigação, que têm relação com as escolhas que fazemos quando produzimos e consumidos.
São partes de um todo. Esse conjunto de indicadores que sairão em março para a Agenda 2030 interessam para quem está olhando a questão ambiental e, dentro dela, a dimensão do clima, pois é um conjunto de políticas que irão referenciar nas metas.
De que forma os países e seus Estados e municípios irão trabalhar com estes dados? Quais estratégias serão utilizadas para que essas informações sejam traduzidas e implementadas de fato?
A Agenda 2030 é muito ampla, intersetorial, transversal e traz muitos desafios. Ela é uma agenda muito complexa e, claro, isso se expressa na hora de criar os indicadores. O ponto de partida foram mais de 1060 indicadores, olhando as 169 metas estabelecidas. Muitos indicadores forem sendo deixados para traz, pois não tinham a robustes técnica necessária. Chegamos então entre 200 a 250 indicadores que, seguramente, a metade deles já têm esse reconhecimento técnico.
Agora, não se trata de pegar os indicadores e buscá-lo traduzir na sua integralidade para as cidades brasileiras. Não é assim que deve funcionar.
Vamos passar por um processo de adaptação. O que temos defendido é que esses indicadores são uma pista inicial e que teremos de ter uma revisão mais para frente. Alguns são clássicos e já estavam presentes nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), por exemplo, mas outros são mais inovadores.
Não é correto fazermos uma comparação, por exemplo, com os ODMs, pois estávamos em outro momento. Hoje, inclusive, temos mais domínio tecnológico e presença grande de competência na produção de dados. Assim, temos aqui uma oportunidade em fazer com que muitos países avancem na produção de indicadores não só tradicionais.
Não me assusta, portanto, o número de indicadores. A principal questão, porém, é o modelo analítico. O desafio maior será a criação de um modelo hierarquizado e que consiga definir claramente a contribuição de cada indicador a fim de utilizá-los para pensar estrategicamente o desafio de uma agenda de desenvolvimento para o planeta.
O Brasil está preparado para atender aos princípios do acordo? Quais serão os principais desafios a serem superados ainda?
O Brasil tem duas vantagens neste processo se comparado com os outros países. A presença do país na Agenda 2030 e na COP foram muito incisivas. O Brasil foi vitorioso nas suas teses e de forma expressiva. O país obteve o que defendeu, o que isso dá uma posição de vantagem na implementação desta agenda. Assim, ele tende a estar confortável politicamente com as duas resoluções.
Já do ponto de vista técnico, uma questão que assombra uma grande parte dos países, é a crise energética. Neste aspecto, o Brasil tem uma vantagem a partir da sua matriz, com grande peso das hidrelétricas. Claro que não foi uma decisão sustentável, mas chegou à sustentabilidade olhando as oportunidades do potencial hídrico do país. Mas, o fato é que o Brasil tem hoje esse ativo. Além disso, teve resultados bastante expressivos no combate ao desmatamento, que era um grande problema.
Mas há outras questões. O país é hoje grande produtor de commodities agrícolas, algo que está vinculado à questão do uso água, e busca ser um produtor industrial de destaque no mundo. Isso vai implicar que o Brasil faça escolhas e que sejam coerentes e consistentes com o que defendeu e liderou nos acordos.
E como a sociedade pode se envolver neste debate e implementação das ações?
É verdade que os governos têm responsabilidade em relação a essas escolhas. Mas, isso não é exclusivo dos governos. O líder de qualquer país tem que apresentar as aspirações mais amplas da sua população e de seus atores políticos. Ou seja, é preciso que a população queira, que os atores políticos queiram e que o setor privado também queira.
Portanto, a mesma questão está sendo colocada para os governos e, sobretudo, para as grandes empresas produtoras de bens. É fundamental que o consumidor veja a importância da sustentabilidade na hora de fazer uma escolha para adquirir um produto ou serviço. É fundamental que o eleitor veja o compromisso do partido político a qual está vinculado o seu candidato na hora que fazer a sua escolha política pelo voto. É importante que o cidadão em geral, para além da condição de consumidor e de eleitor, veja enquanto valor o que o país ganha ao ter políticas e práticas sustentáveis.
Assim, não se trata de termos apenas o governo coerente ao que tem defendido. Se trata de criar uma condição objetiva da qual os governos não possam fugir das suas responsabilidades, de que os produtores de bens não possam fugir das suas responsabilidades e que os indivíduos também se sintam responsáveis por suas ações neste sentido.
Temos, todos nós, uma responsabilidade de disseminar a concepção de que nós agregamos valor ao planeta se adotarmos políticas e práticas sustentáveis.
De que forma as empresas e seus institutos e fundações podem colaborar neste processo?
Acredito que já avançamos muito no discurso político e na percepção científica de que a sustentabilidade depende disso, mas precisamos avançar mais na compreensão econômica. Ou seja, é um bom negócio ser sustentável. Para isso, precisamos compreender melhor estes aspectos na economia. É preciso que as empresas dominem melhor estes conceitos e apresentem aos seus consumidores que é melhor para todo mundo. É o valor do amanhã. E quanto vale o amanhã?
Os associados do GIFE, por exemplo, têm condições de produzir esses estudos e elementos para isso que possa orientar as escolhas estratégicas do governo e de seus próprios negócios.
O Centro Rio+ terá ações para disseminar este tema e acompanhar as ações?
A Agenda 2030 é o nosso principal tema de atuação. Temos um conjunto de ações vinculadas para disseminação deste tema, que vão desde a participação em debates para definição dos indicadores, e na produção de materiais. Estamos produzindo com a Associação Comercial do Rio de Janeiro um material e queremos agora levar para São Paulo a discussão junto ao setor privado.