Diretora do Ipea analisa pesquisa sobre o setor sem fins lucrativos no Brasil

Por: GIFE| Notícias| 20/12/2004

JUSSARA MANGINI
Especial para o redeGIFE

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Conhecer com maior precisão a dimensão e as especificidades do setor sem fins lucrativos no Brasil era um grande desafio. Agora, com os dados da pesquisa As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil (Fasfil), divulgada no último dia 10 de dezembro e destaque em primeira mão na edição do redeGIFE da semana passada (leia mais), é possível saber quantas são, onde estão, qual a idade, qual o porte, o que fazem e quantos assalariados empregam as Fasfil.

O levantamento foi realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em parceria com o GIFE e a Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais). Os dados utilizados são do Cadastro Central de Empresas (Cempre) do IBGE para o ano de 2002, que cobre o universo das organizações inscritas no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).

Em entrevista ao redeGIFE, Anna Maria Tibúrcio Medeiros Peliano, diretora do Ipea, analisa os resultados do mapeamento do setor sem fins de lucro, feito numa parceria inédita entre governo e sociedade civil, e esclarece porque a geração de empregos não foi proporcional à criação de novas instituições e quais motivos fizeram a remuneração aparecer mais equilibrada com o setor privado, entre outras constatações.

redeGIFE – A pesquisa é bastante abrangente no que diz respeito aos tipos de organizações, incluindo escolas e hospitais beneficentes. Ainda assim, podemos considerá-la como um estudo sobre o terceiro setor?
Anna Maria Tibúrcio Medeiros Peliano – Não estamos tratando esta questão em termos de terceiro setor, até porque entraríamos em uma complicada discussão teórica e conceitual. Em outros países do mundo não seria tratado como terceiro setor e sim como sem fins lucrativos ou filantrópico. É um estudo que, no Brasil, se convencionou chamar de um estudo do terceiro setor, mas nós o estamos tratando como o universo das organizações não-governamentais. Para entrar nessa discussão é complicado. Optamos por não nomear como terceiro setor.

redeGIFE – Em 2002, a média de remuneração dos trabalhadores no setor sem fins lucrativos era de 4,5 salários mínimos mensais, ligeiramente superior à média dos assalariados das empresas em geral (públicas, privadas, lucrativas e não-lucrativas), que era de 4,3 salários por mês. Isso derruba o argumento de que se ganha menos no terceiro setor?
Anna Maria – Acho que mostra que há um equilíbrio muito grande, porque a diferença é mínima na remuneração média. Na média, a remuneração entre o setor privado e o setor sem fins de lucro é similar. Isso não significa que no setor privado não se remunere muito mais, sobretudo pessoal mais qualificado. Os maiores salários do setor privado são muito maiores do que os maiores salários das instituições sem fins lucrativos. Então, não derruba o argumento, mas traz uma discussão. É preciso tomar cuidado com as médias porque elas escondem os extremos. E como não evidenciam os extremos, podem esconder as diferenças. Mas, apesar da média, podemos dizer que a remuneração está mais equilibrada.

redeGIFE – As entidades que estão em maior número (organizações religiosas, defesa dos direitos e associações patronais) são as que, ao mesmo tempo, menos empregam. Enquanto isso, apenas 1% do total de instituições absorve quase 1 milhão de trabalhadores. O que isso representa?
Anna Maria – O que chama a atenção é que saúde e educação, sobretudo ensino superior e hospitais, concentram o maior número de trabalhadores. São 2,5 mil entidades que concentram quase 1 milhão de trabalhadores. Então, há uma grande concentração de trabalhadores em alguns tipos de entidades. Isso representa quem exerce atividades mais complexas, quem atende um número maior de pessoas, pode refletir maior formalização do trabalho, ou seja, menos trabalho voluntário, trabalho mais profissionalizado.

redeGIFE – O crescimento da mão-de-obra foi da ordem de 48% de 1996 a 2002, menor que o observado no número de organizações (157%), o que resultou na redução do tamanho médio das entidades nesse período…
Anna Maria – Enquanto as Fasfil tiveram 48% de crescimento da mão-de-obra, no conjunto das organizações públicas, privadas lucrativas e privadas sem fins de lucro – a mão-de-obra cresceu 24%. Isso mostra que houve um dinamismo na geração de empregos maior nas sem fins lucrativos do que nas outras organizações.

redeGIFE – Ainda assim, se observa que o número de organizações cresceu mais do que o número de empregos. Isso significa que houve um enxugamento nas equipes?
Anna Maria – Não necessariamente. O grupo de instituições que mais cresceu não é o que emprega mais. Cresceu mais empregos nas entidades de defesa de direitos, nas associações de profissionais e nas de produtores. Cresceram em número de organizações os setores que não são os que mais absorvem mão-de-obra. Os que mais absorvem mão de obra são saúde e educação e eles não foram os que mais cresceram.

redeGIFE – Então, não se pode dizer que, partindo dessa pesquisa, houve um enxugamento nas equipes?
Anna Maria – Não, porque teríamos de comparar a média do número de trabalhadores em outro momento. Só vimos o quanto cresceu. Provavelmente, não é que foram demitidas pessoas, possivelmente é que aqueles setores que cresceram não empregam e as novas empregam menos.

redeGIFE – O fato das novas entidades sem fins lucrativos estarem empregando menos traz algum tipo de conseqüência?
Anna Maria – Não, porque elas são dinâmicas e, na medida em que elas vão se organizando e se estruturando, tendem a gerar mais empregos. Há uma perspectiva crescente de trabalho nessa área.

redeGIFE – A que podemos atribuir o fato das organizações estarem concentradas na região sudeste? Isso não é um paradoxo, já que o sudeste é uma região mais desenvolvida?
Anna Maria – Quando você olha a distribuição da população brasileira, a região sudeste tem 44% das organizações e 43% da população. Então, não é uma concentração relativa. Nós temos uma ligeira concentração relativa no sul e uma proporção menor de entidades em relação à população no Nordeste. Acho até que é uma surpresa. Você vê mais gente na população e instituições que defendem os direitos, defendem interesses, atendem à população. Elas não são todas assistenciais, mas é natural que elas acompanhem a concentração da população. O resultado reflete que as instituições mais antigas estão no Sudeste. Elas são maiores, mais estruturadas, empregam mais gente. Há um perfil diferenciado na região Sudeste. Mas em relação à concentração, elas não estão tão concentradas assim. Já, no Nordeste, as instituições são mais novas, são menores, remuneram menos, muitas não empregam ninguém e são menos estruturadas.

redeGIFE – No atual momento em que se encontra o terceiro setor no Brasil, o que representa esta pesquisa? Quais os benefícios que ela pode trazer?
Anna Maria – Este é o primeiro mapeamento dessas organizações no Brasil com critérios de classificação mais adequados às funções que elas desempenham. Acho que muito se fala em terceiros setor, em entidades sem fins lucrativos, mas não se tinha até hoje uma dimensão. Sobretudo separando, por exemplo, o que são aquelas de características voluntárias sem fins lucrativos do que são fins lucrativos, mas com legislações específicas e que ficava tudo no mesmo bolo, como sindicatos, condomínios e partidos políticos. Então, fizemos uma triagem, tentando classificar quem é quem nesse setor que é tão diversificado.

redeGIFE – Qual será a freqüência de publicação do levantamento? Deve haver uma série histórica?
Anna Maria – Temos essa perspectiva, só não definimos a periodicidade em que será feito. Mas é importante que seja feito de tempos em tempos para acompanhar a evolução. Houve um primeiro esforço de classificação e a tendência vai ser sempre aperfeiçoar o trabalho.

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