Discriminação racial é menor nas empresas que investem no social

Por: GIFE| Notícias| 11/11/2002

O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) deve lançar até o final do ano a pesquisa A influência da cor no mercado formal de trabalho: evidências da RAIS 99. O estudo apresenta, pela primeira vez, os dados do quesito raça/cor da Relação Anual de Informações Sociais, produzido pelo Ministério do Trabalho. Em entrevista ao redeGIFE, Nathalie Begin, coordenadora do estudo, fala sobre os números.

redeGIFE – Em que se baseia a pesquisa?
Nathalie Beghin – Em 1999, pela primeira vez, o Ministério do Trabalho colocou o quesito raça/cor no seu cadastro de mercado de trabalho, a RAIS (Relação Anual de Informações Sociais). Por ser inédito, o cadastro ainda apresentou algumas inconsistências naquele ano. Então, as únicas categorias que podíamos analisar eram a branca e a preta. Trabalhadores pretos, na RAIS, representam 3,89% do total de trabalhadores contratados formalmente, regidos pela CLT (Consolidação das Leis de Trabalho). E, apesar de não podermos fazer essa afirmação, partimos da hipótese de que o resultado da discriminação racial no mercado de trabalho contra o preto deve ser muito semelhante ao que sofre o pardo.Fizemos um cruzamento da nossa base de dados da pesquisa Ação Social das Empresas com a RAIS para responder se ter ou não ação social faz alguma diferença na contratação do trabalhador preto, se as empresas que fazem ação social contratam proporcionalmente mais.

redeGIFE – E o que foi constatado?
Nathalie – Que faz diferença. A maior parte dos trabalhadores celetistas está no setor privado. E a média é de um trabalhador da raça/cor preta para 17 trabalhadores brancos. Para as empresas que não fazem nenhum tipo de ação social, essa relação é de um para 22.

redeGIFE – Existe alguma justificativa para isso? Podemos dizer que as empresas que fazem ação social têm mais consciência com relação à diversidade?
Nathalie – Os dados do Ministério do Trabalho não permitem que façamos nenhum tipo de inferência, o que temos são hipóteses. E a hipótese que desenvolvemos é que as empresas que têm alguma preocupação com seus empregados, além do que é obrigatório, tenderiam a ter mais sensibilidade com relação à promoção da diversidade. Mas são hipóteses. Estamos trabalhando com dados brutos e, para comprovar isso, é necessário ir a campo.

redeGIFE – Como é feita a distinção de raça/cor na pesquisa?
Nathalie – O método de aferição de cor no Brasil é autodeclaratório, ou seja, a pessoa ou o trabalhador é quem define a sua cor. E as categorias utilizadas são as do IBGE: preto, pardo, branco, índio e amarelo. Preto e pardo conformam o negro no Brasil.

redeGIFE – Qual o universo das instituições analisadas?
Nathalie – Temos tanto o setor privado, quanto ONGs, cooperativas e todas as instituições sem fins lucrativos. Mas a RAIS não separa os números por categoria.

redeGIFE – Houve um número determinado de organizações pesquisadas?
Nathalie – Não. A RAIS é um censo que toda instituição que contrata trabalhadores celetistas deve preencher anualmente. É um instrumento muito antigo do Ministério do Trabalho. A novidade foi a introdução do quesito raça/cor no formulário em 1999 pela primeira vez.

redeGIFE – Daí a idéia da pesquisa?
Nathalie – Sim. O Ministério do Trabalho não divulgou os números porque eles têm algumas inconsistências. Só disponibilizaram para nós o branco e o preto porque são os dados sólidos. A RAIS é disponível para o grande público, existe um software com acesso para todos, mas ainda não disponibilizaram com o quesito raça/cor porque muitas empresas não tiveram tempo de levantar esse dado.

redeGIFE – E quais outras principais conclusões a pesquisa traz?
Nathalie – Em 1999, tínhamos 18,5 milhões de trabalhadores em regime de CLT, sendo 718 mil pretos (3,89%) e 12 milhões brancos (65,40%). O restante era pardo, amarelo e índio. Outro resultado importante trata da desigualdade de acesso ao mercado formal de trabalho. Na população economicamente ativa temos um preto para cada dez brancos. No mercado de trabalho regido pela CLT, a relação é de um para 17. Quer dizer que os pretos têm mais dificuldade de terem acesso ao mercado formal de trabalho do que os brancos.
Além disso, existe a desigualdade educacional. O índice de trabalhadores celetistas pretos com menos de quatro anos de estudo é de 14,42%, enquanto entre os brancos o percentual é de 7,42%. Temos, então, duas vezes mais trabalhadores formais analfabetos funcionais pretos do que brancos. Na outra ponta da distribuição, temos um índice de 9,45% dostrabalhadores brancos com ensino superior completo, enquanto entre os de cor preta o percentual é de 3,11%. Para os analfabetos funcionais, temos um preto para nove brancos e, para o ensino superior, temos um preto para cada 51 brancos.
Existe também a questão da desigualdade salarial. Em 99, trabalhadores celetistas de raça/cor preta tinham rendimento médio que correspondia a 2/3 do rendimento médio do branco. Esses trabalhadores ganhavam em média 3,34 salários mínimos por mês, enquanto os brancos recebiam 4,97 salários mínimos mensais. Em qualquer circunstância, o preto sempre ganha menos do que o branco. E a mulher preta ganha o equivalente a metade do homem branco. Ela é duplamente discriminada, por gênero e por raça. Infelizmente, nós estamos acostumados com a naturalização da desigualdade.

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