Diversidade e inclusão: pautas sociais estão cada vez mais próximas de empresas

Por: Fundação FEAC| Notícias| 21/03/2022

Historicamente, grupos minoritários como mulheres, negros, público LGBTQIA+ e pessoas com deficiência sofrem diversas barreiras na jornada profissional

Historicamente, grupos minoritários como mulheres, negros, público LGBTQIA+ e pessoas com deficiência sofrem diversas barreiras na jornada profissional

Empresas estão sendo chamadas a colocar diversidade e inclusão em prática. Não é por menos: públicos historicamente discriminados, como negros, mulheres, pessoas com deficiências e LGBTQIA+ sofrem desafios a mais no mundo corporativo. “As pessoas que compõem esses grupos lidam diariamente com o preconceito, com a violação de seus direitos, dificuldade de acesso à educação e ao mercado de trabalho”, diz Tatiane Zamai, líder do Programa Juventudes, da FEAC.

Uma empresa diversa é aquela que reflete a sociedade, formando uma equipe com pessoas de diferentes características – como gênero, idade e etnia –, o que inclui grupos minoritários. “São grupos que, no cenário brasileiro, historicamente foram apartados de oportunidades. Mulheres são maioria numérica, por exemplo, mas são minoria em espaços de poder e decisão”, explica Amanda Aragão, responsável pela curadoria de talentos do Mais Diversidade, empresa que oferece consultoria na elaboração de políticas de diversidade no ambiente de trabalho. (Veja no box abaixo a diferença entre diversidade e inclusão).

Quanto mais alto o cargo de trabalho, menor a diversidade, mostra a pesquisa do Instituto Ethos, que analisou o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil: as mulheres (51,12% da população brasileira, segundo o IBGE) têm vantagens nos cargos de estágio, ocupando 58,9% das vagas, mas vão perdendo representatividade, e quando chega à gerência, elas são 31,3%.

A sub-representação dos negros (população formada por pretos e pardos) é mais acentuada: desde o estágio, eles são a minoria: 28,8%. Nos cargos de gerência, são 6,3%. Esse dado está longe de refletir a sociedade brasileira, onde negros representam 56,2%, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

“Uma empresa reflete os preconceitos da sociedade como um todo, como o racismo e o machismo”, pontua Amanda. Para começar a resolver essa questão, a especialista aponta duas estratégias: primeiro, contratar grupos minoritários para as vagas de entrada da empresa, como estágios e trainees, oferecendo oportunidade de desenvolvimento de carreira. Ações afirmativas, como programas exclusivos para pessoas negras, é uma solução que visa o médio e longo prazo.

Em paralelo a isso, é preciso buscar pessoas desses grupos para ocuparem cargos de liderança. “Se as pessoas entram na base da pirâmide, olham para cima e não veem diretores ou diretoras negros, por exemplo, é um problema. É preciso que elas se enxerguem nas lideranças”, analisa Amanda.

Diversidade e inclusão são a mesma coisa?

Diversidade e inclusão são conceitos diferentes, mas que se complementam.

A diversidade faz parte da sociedade brasileira. Isso quer dizer que o Brasil é composto por pessoas de características plurais, como gênero, idade, cor, orientação sexual, classe social, com ou sem deficiência. Uma empresa diversa reflete a pluralidade de onde ela está inserida.

Já a inclusão avalia se grupos minoritários são valorizados e respeitados naquele ambiente. “A diversidade é um fato e a inclusão é uma atitude. Para ser inclusivo, nós precisamos estar intencionalmente engajados em garantir isso, oferecendo oportunidades de desenvolvimento que considerem as diferenças”, explica Amanda Aragão, da consultoria Mais Diversidade.

Para medir a diversidade da empresa, é preciso olhar para sua demografia, como a porcentagem de colaboradores pretos e pardos. Agora, para medir a inclusão, os indicadores são mais subjetivos e vão além da contratação, por exemplo: mulheres e pessoas negras demoram mais a ascender na carreira? Homossexuais falam abertamente sobre sua composição familiar? Pessoas com deficiência possuem um plano de carreira ou são consideradas apenas para vagas operacionais?

Soluções para o futuro

Mirando o futuro, ações afirmativas de grandes empresas têm ganhado visibilidade, como no caso do Magazine Luiza: no final de 2019, a companhia fez um levantamento sobre diversidade e inclusão entre os colaboradores. Um dado em especial chamou a atenção: 53% do quadro de funcionários eram negros, mas apenas 16% desses profissionais estavam em cargo de liderança.

“Para nós, ficou claro que havia um problema. Durante meses refletimos sobre a questão e como poderíamos começar a resolver”, conta Fernanda Chapot, gerente de gestão de pessoas do Magalu.

A resposta foi lançar um programa de trainee exclusivo para pessoas negras, em 2021. “Nunca tivemos a pretensão de achar que íamos corrigir uma mazela histórica com essa iniciativa. Trata-se de uma decisão que, em sintonia com nossos valores, visava corrigir uma distorção que afeta a competitividade da companhia”, explica Fernanda.

De fato, a falta de diversidade pode prejudicar as empresas: o estudo “Diversity Matter: América Latina”, realizado pela empresa de consultoria McKinsey & Co. em 2020, indica que há uma relação direta entre o nível de diversidade e inclusão da empresa e o retorno financeiro, devido ao nível de pertencimento e engajamento experienciado pela equipe.

Entre 22 mil candidatos para trainee do Magalu, 19 foram aprovados e participaram do programa durante o ano passado. Ao final do treinamento, eles foram promovidos ao cargo de analista sênior.

“O importante é a empresa ter clareza do caminho que ela escolheu. Se vierem comentários equivocados, ela sabe que está dando conta de um desafio que não é só dela, mas é um desafio social”, alerta a consultora Amanda.

Fernanda confirma que a empresa recebeu diversas críticas nas redes sociais quando a iniciativa foi lançada, sob a acusação de ser um programa excludente. “Nós nos manifestamos nas redes de forma contundente sobre a legalidade do programa e a nossa intenção ao levá-lo adiante, que é atacar a baixa representatividade negra na liderança. A polêmica acerca do tema nos revela um desconhecimento em relação ao assunto e uma necessária discussão dessa realidade”, analisa.

Agora, a empresa dá continuidade ao programa, que chegou à segunda edição em 2022. “Acredito, ainda, que a repercussão serviu para atrair mais inscritos: foram mais de 22 mil, um recorde”, diz Fernanda.

Diversidade é Vida

O caminho para a diversidade é longo, mas a sociedade civil também está engajada na missão. Um exemplo é o projeto Diversidade é Vida, da Fundação FEAC em parceria com a Guardinha, OSC de Campinas. Elaborado em 2019, o objetivo é promover mais vagas de trabalho para jovens de regiões periféricas, entre 15 e 24 anos, focando em mulheres, negros e o público LGBTQIA+.

O projeto já incluiu 101 pessoas no mercado de trabalho, por meio de parcerias com mais de 50 empresas. “Projetos como esse querem assegurar a inclusão digna no mercado de trabalho, rompendo com estereótipos, ciclos de violência e marginalização desses públicos”, destaca Tatiane, da FEAC.

O projeto usa a metodologia do Emprego Apoiado (EA), que possui um planejamento centrado nas potencialidades e interesses de cada indivíduo. “É uma metodologia que defende que todas as pessoas podem ser empregadas, desde que existam os apoios necessários no contexto de trabalho”, explica Eduardo Tedeschi, psicólogo e coordenador do projeto.

Os jovens beneficiados passam por três fases: identificação do perfil vocacional; encaminhamento ao programa de Jovem Aprendiz (também oferecido pela Guardinha) e mapeamento de vagas; e acompanhamento pós-colocação, a fim de garantir a permanência dos jovens nas empresas.

Os participantes recebem apoio de uma equipe multidisciplinar, que envolve psicólogos, pedagogos e educadores sociais. Eles também têm a oportunidade de participarem de diversas oficinas, como informática, esporte e lazer, oficina sobre sexualidade, questões de diversidade e oficinas que trabalham soft skills e hard skills.

A princípio, a Guardinha utilizava o Emprego Apoiado apenas para pessoas com deficiência. Com o Diversidade é Vida, o público-alvo foi ampliado. “Hoje, estamos voltados para outras formas de barreiras, como vulnerabilidade social, de raça e gênero”, diz o coordenador.

Atualmente, Eduardo aponta que o maior desafio do projeto é trabalhar com interseccionalidades, ou seja, beneficiar jovens com mais de um marcador social, como no caso de mulheres negras. Até agora, o maior número de incluídos são mulheres brancas.

O levantamento “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, feito pelo IBGE em 2019, indica essa disparidade: mulheres pretas ou pardas com crianças de até três anos em casa, por exemplo, apresentam os menores índices de ocupação – menos de 50%. Entre mulheres brancas, esta porcentagem é de 62,6%.

Para o objetivo de trabalhar a interseccionalidade, a estratégia da Guardinha é começar ações de sensibilização nas empresas, promovendo treinamentos sobre diversidade e inclusão. Assim, as equipes têm a chance de enxergar os benefícios das contratações: “Um contexto diverso é mais inteligente e criativo. Quando tenho um ambiente onde todo mundo pensa da mesma forma, ele é empobrecido de possibilidades”, analisa Eduardo.

Sensibilização das empresas

O Via Conexão, da Fundação FEAC, mostra como as sensibilizações nas empresas podem ser significativas. É um projeto de mentoria voluntária que conecta profissionais experientes a jovens em situação de vulnerabilidade social e pessoas com deficiência, a fim de apoiá-los na construção de seu projeto de vida.

Os profissionais, antes de iniciar a jornada de mentoria, passam por um treinamento sobre diversidade e inclusão, de aproximadamente quatro horas. Em 2021, em uma das edições do projeto, os 50 mentores eram colaboradores da Azul – Linhas Aéreas.

“Treinamentos como esse dão a oportunidade dos mentores se sensibilizarem para a entrada das pessoas com deficiência em seus times e efetivamente promover cada vez mais a equidade dentro da companhia”, avalia Jason Ward, Vice-Presidente de Pessoas e Clientes e ex-mentor do Via Conexão.

Adriana Cerveira, orientadora profissional da Sorri Campinas e responsável pelo treinamento, costuma iniciar esses encontros com a pergunta: “Quando eu penso em deficiência, eu penso em…?”. Ela conta que sempre surge a ideia da falta.

Segundo a orientadora, a sociedade acredita que é preciso “normalizar” a pessoa com deficiência, para que elas sejam como a maioria, e isso acentua a discriminação no mercado de trabalho. “A pessoa com deficiência auditiva não tem que começar a falar, nós que temos que aprender Libras, por exemplo. A limitação não está só no indivíduo, mas na relação do indivíduo com o meio”, explica Adriana.

A Sorri utiliza os treinamentos como uma parte importante da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Desde 2018, a organização já realizou 315 colocações de profissionais com deficiência. Aos poucos e com muito engajamento, os caminhos vão se abrindo.

Por Laíza Castanhari

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