Divulgação de ações sociais de empresas gera controvérsia

Por: GIFE| Notícias| 13/02/2006

RODRIGO ZAVALA
Repórter do redeGIFE

Uma pesquisa recente elaborada pelo Pacto Global (uma iniciativa da Organização das Nações Unidas em prol da responsabilidade social) e a consultoria francesa Utopies chamou a atenção de especialistas em marketing relacionado à causa. O documento, Talk the Walk, conclui que o marketing verde (estratégia publicitária para atingir consumidores ambientalmente responsáveis) é viável economicamente por ser barato.

Em uma análise geral é dizer que empresas que não tenham muitos recursos para publicidade podem ser favorecidas com a adoção dessas ações. Afinal, práticas sociais e ambientais são cada vez mais discutidas e valorizadas na sociedade, o que, segundo o estudo, agrega valor ao produto e à empresa.

O estudo vai mais além ao dar o exemplo da Inglaterra como tendência mundial: no país, 76% dos consumidores gostariam de comprar produtos de empresas socialmente responsáveis, mas não o fazem por falta de informação. Esse contexto, por sua vez, tornaria imprescindível para empresas dar visibilidade às suas ações sociais para atingir o crescente segmento.

Para João Francisco Santos, presidente da The Kye – Organizações e Marcas Cidadãs, o que se pode entender como marketing verde é nada mais do que uma terminologia derivada da comunicação empresarial voltada para uma questão social, isto é, marketing relacionado à causa. “”Trata-se de uma parceria entre uma marca com grande poder de comunicação e uma organização social, em que as duas andam juntas com um objetivo de benefício mútuo””, explica.

No entanto, o especialista alega que, no Brasil, a ligação ainda é feita de forma “”amadorística””, por falta de publicitários qualificados e desinformação por parte de ONGs. “”Os profissionais de marketing não têm profundidade na área social, eles enxergam isso mais como um produto e acabam traduzindo isso em uma linguagem com uma conotação comercial. Por outro lado, as organizações sociais não exigem termos para que essa parceria seja coerente com o seu porte e missão””, critica.

Falta de informação leva à desconfiança

No Brasil ainda persiste a desconfiança a respeito das estratégias de marketing relacionado à causa, por parte de empresas e entidades sociais. As organizações da sociedade civil por um lado, temem que suas ações acabem descreditadas pela vinculação a produtos e serviços. Enquanto isso, as empresas receiam passar a visão de oportunistas, pois utilizam causas públicas para fins promocionais ou institucionais.

Segundo Luis Fernando Garcia, Diretor Nacional do curso de graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), a explicação para a desconfiança está no fato de que o discurso ainda é recente no país. “”Estamos em um processo crescente de maturação de conceitos, que são novos. São raras as escolas que têm disciplinas ou reflexões a respeito””, argumenta.

Mesmo assim, Garcia aponta que apesar dessa falta de especialização, existem no Brasil empresas que podem ser consideradas “”paradigmáticas””. É o caso da Natura e do Pão de Açúcar, apontadas pelo documento Talk the Walk como modelos em estratégia em marketing verde. No caso da rede de hipermercados, o estudo indica o projeto Caras do Brasil, que consiste em colocar produtos de pequenos agricultores à disposição dos consumidores.

Segundo nota divulgada pela equipe de comunicação do Pão de Açúcar, a organização criou o projeto por perceber a existência de um potencial de cooperação pouco explorado, e bem típico do Brasil, para a estruturação de uma iniciativa inclusiva em que todas as partes saem ganhando do produtor ao consumidor. “”Muito mais do que o montante total das vendas, estão relacionados à melhora do posicionamento da empresa com relação aos valores mundiais da sustentabilidade””, diz a nota.

Para Fernando Rossetti, secretário geral do GIFE, o fundamental ao divulgar investimento social privado é garantir que esta comunicação esteja focada na causa e não em quem faz o investimento. “”Quando o foco está na causa, seja educação, inclusão digital, prevenção ao HIV, o resultado sempre tende a ser benéfico. Quando o foco está voltado para quem faz o investimento social, a população tende a interpretar isso como marketing oportunista, o que, por sua vez, gera uma leitura desfavorável para essa comunicação””, argumenta.

Consumidores exigem responsabilidades

Embora o documento Talk the Walk use a Inglaterra como exemplo – ao dizer que 76% dos consumidores gostariam de comprar produtos de empresas socialmente responsáveis – o mesmo poderia ser dito do Brasil. É o que mostra uma pesquisa – ainda não divulgada – realizada pela Market Analysis no Brasil, em parceria com o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

Segundo o estudo, produzido a partir de mil entrevistas, mais de 80% dos consumidores dariam preferência por comprar de empresas que colaboram com a solução de problemas sociais. E, tal como na Inglaterra, não o fazem por falta de informação.

No entanto, esses resultados podem ser variáveis. “”As pessoas começam a ser sensíveis pelas causas. Mas isso é uma simplificação. É muito complicado falar de consumidores responsáveis. De quem nós estamos falando, de moradores do interior de Manaus ou de cariocas? Nossa enorme diversificação, traz uma enorme variável de percepção””, analisa Luis Fernando Garcia.

Valores da empresa devem estar na base das ações sociais

Uma pergunta importante nessa discussão é como as empresas dão visibilidade ao seu investimento social, sem que suas ações acabem descreditadas pela vinculação a produtos e serviços. Para Helio Mattar, diretor presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, são dois os cuidados que as empresas devem tomar ao divulgar suas ações de responsabilidade social.

“”O primeiro, que é óbvio, é divulgar as ações como elas de fato são. O segundo, é o de não divulgar suas ações a não ser que estejam contidas dentro de princípios e valores claramente impregnados na empresa””, explica. Na visão da Mattar, caso contrário, a inconsistência de valores ficará clara em uma ou outra área do relacionamento empresarial, funcionando, junto ao consumidor, como um bumerangue negativo em relação às ações positivas que foram divulgadas.

Mais a fundo, ele ainda afirma que as empresas são cada vez mais o que os outros falam dela e cada vez menos o que ela fala de si própria. “”Esta é uma característica que decorre da transparência e visibilidade dada, no mundo de hoje, pela mídia de massa, pelas telecomunicações, pela internet””.

Luis Fernando Garcia compreende que essa propaganda boca a boca é, no fim, não uma forma de marketing relacionado à causa, mas planos de comunicação dirigidos, a partir de grupos de opinião. “”A empresa passa a trabalhar por públicos para chegar ao consumidor final. Uma delas é a imprensa””, explica.

Nesse campo, um dado curioso vem da Phillips Brasil. Embora não tenha uma verba para comunicação, suas ações de relacionamento com a imprensa levaram a um reconhecimento na mídia – como ser considerada uma das 10 melhores do Guia Exame de Boa Cidadania Corporativa. “”Isso ajuda a consolidar nossa reputação e imagem e, como conseqüência, impacta em nossas vendas””, reconhece Flávia Moraes, gerente geral de Responsabilidade Social da Philips Latino Americana.

O HSBC Bank, por sua vez, reconhece na transparência a forma de divulgar suas práticas. “”O banco é bastante conservador nesse sentido. Como marketing relacionado à causa, usamos instrumentos mais robustos como o Balanço Social Corporativo (mundial) que expõe a organização, seus processos e sua inter-relação com os públicos e comunidades onde atuamos””, explica Ana Paula Gumy, gerente da área de Responsabilidade Social do HSBC, ao falar da prestação de contas para a sociedade.

Para especialista, falar em custo é simplista

Para o presidente do The Key – Organizações e Marcas Cidadãs, João Francisco Santos, pensar apenas em custos, como mostrou o documento Talk the Walk, é uma forma simplista de trabalhar o assunto. “”Eu não concordo com essa afirmação. O que se pode pensar nesse contexto são empresas que se previnem. Ou seja, que investem ao longo do tempo para não despender de grandes cifras em momentos de crises de imagem””.

Um dos exemplos dados por Santos é o da Petrobrás, que investe somas substanciais – só para o Programa Fome Zero foram mais de R$ 300 milhões – em ações sociais e culturais. Segundo ele, como a estatal está em constante estado de alerta, com vazamentos de óleo e problemas em suas plataformas (vide explosão no início de 2001 da P – 36), ela acaba se cercando por meio de um escudo socialmente responsável. “”Ela está sujeita a grandes rombos financeiros. Por isso, precisa fortalecer sempre a sua imagem frente ao púbico consumidor””, explica o especialista.

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