Documento defende uma política nacional de voluntariado

Por: GIFE| Notícias| 30/01/2006

RODRIGO ZAVALA
Repórter do redeGife

O voluntariado é uma grande oportunidade para a América Latina em termos econômicos, sociais e até políticos. Assim, a pesquisadora das Nações Unidas, Taryn Nelson, dá início ao informe Legislação Nacional do Voluntariado: Uma Visão Comparativa, de sua autoria, no qual conclui que cada país latino-americano precisa urgentemente de uma política nacional de voluntariado.

A idéia de Taryn é que os governos sejam pressionados para formular políticas em diferentes áreas, nas quais sejam apoiadas “”iniciativas cidadãs””, tanto individuais como coletivas. Isto é, que as políticas públicas de desenvolvimento social cooptem os esforços voluntários, ao mesmo tempo em que regulem a atuação social dessas pessoas, definindo direitos e deveres dos voluntários.

“”A aproximação sistemática ao apoio do voluntariado aumenta perceptivelmente os níveis de atividade””, escreve. Nesse sentido, o fomento de uma infra-estrutura de voluntariado permite destinar o trabalho do segmento às prioridades políticas e sociais do país e incorporá-las a maiores objetivos de desenvolvimento. “”Sem uma legislação nacional é muito mais difícil desenhar essa aproximação sistemática ao voluntariado, já que os aspectos legais e de política tributária para as organizações sociais são legislados em instâncias nacionais””, conclui, apontando as discordâncias práticas dentro do terceiro setor.

Protagonismo brasileiro – Mas, afinal, que tipo de legislação Nelson defende? Segundo o autor, apenas cinco países latino-americanos aprovaram leis que especificamente promovem ou regulem o voluntariado: Brasil, Argentina, Nicarágua, Colômbia e Peru. “”O Brasil tem sido um líder da região em termos de esforços governamentais para promover o voluntariado. Aprovou, em 1998, uma lei que, com cinco artículos curtos, é exemplo de uma legislação simples que pode ser amplamente interpretada para apoiar o voluntariado””, conclui.

Outro estudo confirma a tese de Nelson: o Índice de Participação Cidadã 2005, lançado no final do ano passado. Divulgado pela Rede Interamericana para a Democracia – que reúne mais de 350 organizações da sociedade civil, em 24 países, promovendo a participação cidadã nas Américas por meio de cooperação, capacitação e divulgação de informação – o documento é claro em dizer que Brasil é o líder em atuação da sociedade civil em questões coletivas. Em uma escala de 1 a 10, conforme a metodologia aplicada, o país está em primeiro lugar com 5.1 pontos, seguido por República Dominicana (4.7) e México (4.8).

No entanto, o índice explica a liderança brasileira no fato do país apresentar valores altos no conjunto dos indicadores selecionados, com forte proeminência em alguns deles, como no quesito “”protagonismo direto””. Nele estão incluídos os participantes de projetos coletivos, seguindo conceitos como compromisso, militância, voluntariado, solidariedade e responsabilidade social. Não pela legislação.

Regulação – No país, a lei nº 9.608/98 caracteriza como trabalho voluntário a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos. “”É uma lei enxuta, para determinar que não existe vínculo empregatício entre quem pratica a ação e a instituição que a recebe. No Brasil, não existe uma política de voluntariado. A nossa legislação só serve para evitar problemas trabalhistas””, explica Maria Lúcia Meirelles Reis, diretora do Faça Parte, organização social pró-voluntariado.

Mesmo em pontos mais específicos da lei, a diretora faz críticas. Sobre a determinação de que um voluntário só pode dedicar três horas semanais a uma ação social, por exemplo, diz: “”Quem pode decidir quantas horas eu posso passar ajudando alguém? A lei fala do básico, do que é essencial””.

Assim, em uma análise um pouco mais acurada, a legislação brasileira está longe de ser a interpretada por Taryn Nelson. Ele, por exemplo, acredita em benefícios previstos em lei, que sequer são pensados no país. “”Os incentivos são importantes em qualquer legislação e complementam as motivações inerentes ao voluntarismo. Eles podem ser individuais, como transporte público gratuito, entrada grátis em museus, capacitação em empresas (essa ação seria paga com iniciativas de fomento) ou mesmo um reembolso mínimo de seus gastos””, descreve Nelson.

Para o empresário Luis Norberto Pascoal, diretor da Fundação Educar – DPascoal, a legislação brasileira serve apenas para aqueles que não sabem como trabalhar com voluntariado. “”A lei dá uma idéia de como começar. Quem já sabe como fazer, que já faz algum tempo, nem lembra dela””. Sobre uma possível mudança, o empresário é reticente. “”Podemos burocratizar muito o trabalho e, em vez de incentivar, estaríamos inibindo.””

Boas idéias – Uma ação que se adequou à lei nº 9.608/98 é a realizada pela Casa Ronald, do Instituto Ronald McDonald, no Rio de Janeiro, desde 1994. Com 350 voluntários que se alternam em dias e horários, a organização funciona 24 horas por dia, cuidando de 32 crianças de baixa renda com câncer. “”Antes trabalhar efetivamente, eles passam dois meses de capacitação em que percebem quão importante é o trabalho””, conta Maria Thereza Fernandes, diretora da Casa Ronald.

As responsabilidades de cada voluntário são específicas e não ultrapassam as três horas semanais previstas por lei. “”A casa funciona no piloto automático””, brinca. Quando questionada sobre possíveis problemas de evasão de funcionários, Maria Thereza explica: “”Temos um banco de dados com pessoas esperando uma oportunidade de trabalhar aqui. Os voluntários da casa são muito empolgados e, por isso, contagiam parentes e amigos. A procura é natural””.

Outras iniciativas não se enquadram nas regulamentações da lei e, no entanto, têm êxito. É o caso do Projeto Crescer, principal iniciativa social da BASF, que amplia as oportunidades de inserção no mercado de trabalho de jovens, na faixa etária dos 16 aos 18 anos nos municípios de Guaretinguetá e São Bernardo do Campo. “”O projeto é estruturado por funcionários participantes do Programa Sou Voluntário, criado em 2000 pela Basf. É um espaço importante de estímulo aos nossos colaboradores em que todos ganham. E a participação dos funcionários valida a atuação da empresa””.

Discordâncias – Para Luis Norberto Pascoal, iniciativas de voluntariado empresarial, como o da Basf, em que empresas incentivam os funcionários a se solidarizarem a causas sociais, se tornaram abundantes no Brasil. No entanto, é preciso tomar certos cuidados na construção dessa prática. “”A vontade de ser voluntário deve ser individual. O empresário não deveria criar projetos e sim incentivos aos seus funcionários, como prêmios de reconhecimento para aqueles que realizam uma ação””, argumenta.

Na visão do empresário, projetos criados internamente poderiam pressionar a participação do funcionário, em vez de motiva-lo. “”Nesse caso, não é voluntariado. Eles deveriam estimular que os colaboradores trabalhassem nas escolas de seus filhos e premia-los quando o fazem. Isso é uma política de voluntariado””.

No informe Legislação Nacional do Voluntariado: Uma Visão Comparativa, Taryn Nelson vai mais longe. “”Existem sugestões para o empresariado, como autorização de usar a infra-estrutura da empresa e tempo livre para participar de atividades voluntárias. Alguns empregadores negociam dias remunerados para participar de ações sociais””. Segundo o pesquisador americano, esses são alguns para a formulação de uma estratégia nacional. “”No entanto, cada país deve ter em mente sua história de voluntariado, que dará forma ao contexto para uma possível agenda””.

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