É possível estimar o prejuízo à sociedade ao excluir as creches no Fundeb?

Por: GIFE| Notícias| 12/09/2005

RUBENS NAVES
Diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

Enquanto a atenção da sociedade está voltada para a crise política – e não poderia ser diferente – há outro tema de grande relevância: a aprovação pelo Congresso da Proposta de Emenda Constitucional do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) que, infelizmente, tem tido pouco destaque no cenário nacional. A decisão dos parlamentares, ainda este ano, afetará não só a atual situação de milhões de crianças de até três anos, mas também o futuro dessa geração, pois exclui as creches do financiamento. O assunto só tem obtido algum impacto devido ao movimento de várias entidades da sociedade civil.

A proposta do Fundeb é, sem dúvida, um avanço no contexto brasileiro, principalmente se comparada com o Fundo (atual) de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), que vigorará até 2006. Isso porque prevê investimentos no ensino infantil, fundamental, médio e para educação de jovens e adultos. A contribuição da União para o novo Fundo passa de 1,5% (R$ 465 milhões) para 4,7% (R$ 1,9 bilhão) em 2007 e chegará a 7,4% (R$ 4,3 bilhões) em 2009.

No entanto, analisada na perspectiva das metas do Plano Nacional de Educação e da sociedade, a proposta representa uma grande derrota por não incluir a participação do Fundo no atendimento em creches para as crianças de até três anos. Não considera ainda os custos necessários para ser alcançado um padrão mínimo de qualidade. Prevaleceu, mais uma vez, a lógica do contingenciamento dos recursos em detrimento da inclusão social. Levantamentos elaborados por acadêmicos da Universidade de São Paulo mostram o quanto o Brasil economiza ao deixar de investir nas suas crianças.

Em 2003, o país teve um gasto estimado de 0,07% do montante total do PIB para atender, em creches, 756 mil crianças a R$ 1.100 per capita/ano. Para garantir as metas do Plano Nacional de Educação e atender 4,3 milhões de crianças com mais qualidade, até 2011, o investimento é de R$ 4.213 per capita/ano, ou 1,04% do PIB.

O Congresso, ao aprovar essa proposta sem alteração, cometerá enorme erro. E seremos obrigados, como sempre, a conviver com os intermináveis diagnósticos sobre o péssimo desempenho do Brasil em exames como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e análises sobre as causas dos problemas sociais. A ausência de previsão de recursos específicos para essa faixa etária significa perda irreparável. A educação nos primeiros anos de vida é importante para o desenvolvimento global, formação da personalidade e da inteligência da criança com reflexos positivos em todo processo de aprendizagem. A educação infantil já está consagrada como a primeira etapa da básica.

A necessidade de suplementação de verbas por parte da União, em especial no conjunto do ensino básico, é inquestionável. Basta olhar os dados. No caso das famílias sem rendimento, pouco mais de 20% têm direito à educação infantil, enquanto esse percentual é de quase 60% nas que ganham mais de cinco salários mínimos. O Brasil tem 13 milhões de crianças de até três anos; apenas 11,7% freqüentam creches, e o atendimento público corresponde a 6%.

Há outro aspecto perverso dessa decisão. A medida perpetuará a exclusão não só das crianças, mas também das famílias com baixos rendimentos e das mulheres. Afinal, as creches públicas são fundamentais para garantir a renda obtida pelas mães. Isso em um país onde, em quatro domicílios, um é chefiado por mulher. A proposta tem ainda outro problema: sobrecarregará os municípios, responsáveis pela educação infantil e conseqüentemente pelas creches. O fato é que também cresceu o comprometimento das receitas municipais com o novo fundo. Com orçamento contado, dificilmente os prefeitos vão conseguir oferecer o número de vagas necessárias às crianças, porque em mais de 80% dos municípios as chamadas “”receitas próprias””, aquelas que restarem para atender às creches, são praticamente inexistentes.

O problema se agrava porque o custo de manter uma criança em creche é, em média, de três a quatro vezes superior ao do ensino fundamental. Portanto, acredito ser melhor perguntar agora do que analisar o resultado daqui a 10 ou 15 anos. Ao excluir o financiamento das creches no Fundeb, é possível estimar o prejuízo à sociedade brasileira a que mais uma vez assistiremos?

Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense

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