Educação: como avançar em circunstâncias adversas?

Por: Fundação FHC| Notícias| 30/11/2020

Publicado por: Fundação FHC

O tema da educação nos tempos da pandemia é de grande complexidade — embora os problemas estruturais da educação sejam conhecidos, novos foram criados e outros agravados nos últimos meses. A Fundação Fernando Henrique Cardoso realizou dois webinars para discutir o assunto, focando em uma questão central: é possível avançar em condições adversas? Os debates contaram com a presença de seis profissionais com vasta experiência na área, são eles:

Rossieli Soares Silva, atual secretário de Educação do Estado de São Paulo, Alexandre Schneider, presidente do Instituto Singularidades, Mariza Abreu, professora, consultora da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e do Movimento Todos pela Educação, Bruno Caetano, atual secretário de Educação do Município de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, socióloga, integrante do CNM e presidente da Comissão de Formação de Professores e da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (ABAVE) e Washington Bonfim, ex-secretário de Educação de Teresina (PI) e especialista em gestão pública na Comunitas.

Alguns pontos principais foram destacados. O desafio da avaliação diagnóstica dos alunos para volta às aulas é iminente, considerando a expectativa de uma retomada das atividades presenciais, mesmo que parcial, entre novembro e dezembro deste ano. “O ano que vem será um ano de turmas multisseriadas, pois os alunos voltarão em diferentes etapas de aprendizado e o grande desafio será a sala de aula e a preparação dos professores, pois será muito difícil lidar com essa diferenciação entre eles, além das desigualdades educacionais que deverão ser muito aprofundadas (pela interrupção das atividades durante a pandemia)”, explicou Maria Helena Guimarães de Castro.

“O grau de desigualdade que a pandemia revelou no Brasil é gigantesco”, disse Mariza Abreu, “nas férias, quando os alunos ficam um ou dois meses sem aula, eles já voltam com uma defasagem de aprendizagem. Imaginem com sete meses sem aulas presenciais e com as dificuldades de ensino remoto”.

A defasagem de aprendizagem é acentuada pelas desigualdades do país: “Estamos falando de um universo enorme de alunos que pode ser composto grosseiramente por alunos que nunca conseguiram acessar nenhum material, outros que acessaram mas tiveram problemas (e isso acontece inclusive na rede privada), e alguns que conseguiram caminhar bem. Precisamos, primeiro, identificar toda essa diversidade. Segundo, ter uma estratégia de trabalho para conseguir lidar de forma não-homogênea com os estudantes”, acrescentou o diretor do Instituto Singularidades, Alexandre Schneider.  

O secretário estadual Rossieli Soares Silva apontou outro aspecto importante, que é a variedade de prejuízos que aparecerão nas diferentes fases da educação: “Na Educação Infantil não vamos conseguir contornar, apenas minimizar. O que uma criança de 4 e 5 anos perde dificilmente vai recuperar. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental I, por exemplo, tínhamos crianças que já eram leitoras e estão retroagindo. No Ensino Médio, há a questão socioemocional; observamos processos de depressão nos adolescentes, e ainda não estamos enxergando o tamanho do problema”.

A questão da saúde mental aparece tanto nas crianças como nos profissionais da educação, que precisam receber apoio: “Antes de falarmos em recuperar o tempo perdido do ponto de vista da aprendizagem, precisamos reconectar os estudantes e os profissionais com a escola, como grupo”, explicou Schneider.

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       Os desafios do Ensino Infantil durante e depois da pandemia.

 

Modelo híbrido, presencial e online, exige esforços coordenados

No retorno às aulas, a tendência é a de combinarem-se duas formas de realizar o trabalho pedagógico: aulas presenciais, com turmas, professores e colegas, e atividades online, feitas fora da sala de aula. “Isso aconteceria naturalmente, o que a pandemia fez foi antecipar e atropelar esse processo”, disse Mariza Abreu.

Adaptar-se ao chamado “modelo híbrido” de educação não será uma tarefa fácil, pois tanto os educadores, em sua grande maioria, não estão adaptados a essa forma de lecionar, como os alunos não estão preparados para essa forma de aprender. Muitos deles tampouco têm as ferramentas para acessar o ensino remoto. Para enfrentar esse desafio, serão necessários muitos esforços coordenados.  

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi citada como uma iniciativa que pode servir como um mapa para as aprendizagens, “uma bússola para a travessia nesse momento difícil”, disse Mariza, além de ser uma oportunidade de superar o conteudismo e desenvolver o currículo escolar com base em habilidades e direitos de aprendizagem.

Maria Helena, que foi a relatora de três pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), comemorou a existência da BNCC, explicando que a base orientou os pareceres do Conselho: “Nós nos apoiamos nos objetivos de aprendizagem que estão definidos na BNCC, para todos os anos, e a partir dela indicamos as possibilidades que os sistemas de ensino dos estados e municípios têm de reorganizar o planejamento curricular, inclusive com a ideia do contínuo curricular 2020-2021, que também está previsto na própria BNCC. A ideia é se basear nos objetivos de aprendizagem relacionados aos currículos desenvolvidos por cada escola ou por cada rede, para poder fazer esse replanejamento e inclusive fazer a flexibilização curricular. É praticamente impossível cobrir todo o currículo que estava previsto em janeiro de 2020. Ajustes serão necessários para mitigar os danos”.  

Rossieli apresentou as perspectivas que estão sendo trabalhadas no Estado de São Paulo, explicando que — principalmente quando se trata de conteúdo — a perspectiva de recuperação até 2021 é uma falácia. “Há antes o acolhimento socioemocional e o desenvolvimento cognitivo. Vamos seguir a BNCC, mas selecionando determinadas habilidades que são mais importantes neste momento para permitir que a progressão continue, que o aluno navegue e recupere ao longo do tempo as demais habilidades que ficaram pra trás”, colocou o secretário.

Schneider endossou a decisão de São Paulo. Para ele, cabe agora “fazer uma escolha inicial e, aos poucos, ir reconstruindo esse caminho — sem culpar o inocente, que é o estudante, pela pandemia e pela dificuldade que enfrentou nesse período”.

Bruno Caetano apresentou as três etapas que a Prefeitura de São Paulo pretende seguir, ainda neste ano, considerando-se que o Ensino Médio já está autorizado a voltar e o Fundamental tem retorno previsto para dezembro. A primeira fase do planejamento é a de acolhimento, que vem sendo realizado à distância, com equipes de psicólogos e psicopedagogos, e será intensificada na sala de aula. Além disso, outra medida que se iniciou foi a busca ativa das crianças da rede, para reduzir ou impedir a evasão escolar. Com relação à avaliação diagnóstica, a terceira etapa do plano da Prefeitura, a ideia é começar aplicando uma prova em todas as crianças de Ensino Médio e Fundamental.

Outro plano a ser adotado em São Paulo foi descrito como “estudantes em tempo integral”. O secretário explicou que “todos os alunos dos Ensinos Fundamental e Médio da rede pública, no ano que vem, terão aulas em tempo integral no turno na escola e no contraturno a partir do uso de novas tecnologias”. Para realizar essa ambiciosa operação, Bruno esclareceu que a Prefeitura passa por um processo de aquisição de equipamentos, “são quase 500 mil tablets que estão sendo adquiridos, com acesso à internet, para que a gente possa, no contraturno do ano que vem, construir salas de aulas virtuais, conforme a proficiência de cada uma das crianças, para tentar lidar com essa multiplicidade de trajetórias de aprendizagem”.

A realidade do estado de São Paulo não é a mesma da enfrentada pela maioria dos estados brasileiros. “Se pensarmos no conjunto de municípios do país, vemos uma grande diversidade do ponto de vista das suas capacidades institucionais. Vai desde o município de São Paulo, com 2 milhões de habitantes e uma rede bem estruturada, até um município, por exemplo, no interior do Piauí, com capacidades completamente distintas para lidar com essa situação dos prejuízos pedagógicos, da retomada das aulas, do diagnóstico dos alunos”, apontou o especialista em gestão pública Washington Bonfim.

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MEC continua se omitindo de fazer a sua parte

Outro problema grave, apontado por todos os participantes dos webinars, é a falta de diálogo com o MEC (Ministério da Educação). O ente federativo recebeu severas críticas, e a ausência de coordenação culminou, analisam, nos governos estaduais assumirem posição mais proeminente — tanto na educação como em outros âmbitos relacionados à pandemia.

Estados e municípios sozinhos, contudo, não podem dar conta de questões que necessitam da atuação do governo federal. É o caso da regulamentação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). “Não há como regulamentar o Fundeb sem o governo federal participar, pois é ele que faz os cálculos, que levanta as estatísticas e os dados nacionais para que se possa definir como a complementação da União ao Fundeb vai ser alocada. Nós temos até 31 de dezembro para fazer isso, caso contrário não poderemos colocar em funcionamento o novo Fundeb, construído pela emenda constitucional de agosto. Pode haver um caos no financiamento da educação básica pública”, explicou Mariza Abreu. (Veja como foi o debate Educação: a renovação do Fundeb em pauta, realizado em abril de 2019).  

Segundo Maria Helena, “o MEC deveria mobilizar as empresas de telefonia, garantir o acesso à internet a todas as escolas públicas do Brasil, garantir pacotes de dados gratuitos para os alunos mais vulneráveis, laptops para que os professores preparem as aulas, formação continuada para o uso das novas tecnologias para que se ambientem e consigam entrar numa nova rotina escolar. Escrevi sobre isso no meu primeiro parecer, sobre a urgência de o MEC discutir, junto ao Ministério da Comunicação, a mobilização e a utilização dos recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que foi criado pelo presidente FHC em 1999, com o objetivo principal de garantir o acesso à internet a todas as escolas públicas. O dinheiro está lá parado, não tem sentido a falta de iniciativa do governo federal”.

Pandemia deixará legado positivo?

O que poderia ser um legado positivo deste período de pandemia, levando-se em consideração as estratégias que vêm sendo adotadas e a falta de uma coordenação mais efetiva do MEC? Washington Bonfim acredita que um dos principais legados concretos para a educação seja a sinergia entre os estados e municípios, com participação importante de instituições do terceiro setor. Os participantes do webinar também destacaram a valorização do papel do professor e das aulas presenciais. O secretário Rossieli Soares concluiu que “se tem algo que esse momento mostrou é a importância do professor. Ele é insubstituível. Por outro lado também mostrou como a tecnologia pode, sim, ser uma grande aliada. Temos, enfim, uma possibilidade de sair disso com algo positivo, mas nada substitui a presença na escola, na sala de aula”.

Bruno Caetano encerrou o segundo dos dois webinars sintetizando em dez pontos o que deveria estar na agenda dos gestores públicos para 2021:

1. Internet e equipamento para todos.

2. Flexibilização dos recursos existentes.

3. Formação de professores.

4. Avaliação diagnóstica de todas as crianças.

5. “Estudante em tempo integral”.

6. Busca ativa pelos estudantes, visitar casa por casa.

7. Recursos para a volta às aulas.

8. Materiais de apoio para professores e alunos.

9. Salvar também escolas privadas que estão em situação difícil, como escolas de Educação Infantil que precisam seguir existindo, pois sem elas não há vagas para todas as crianças.

10. Acolhimento para estudantes e profissionais da educação.

       Saiba mais:

       Formação de professores: o que o Brasil tem a aprender com a Finlândia?

       Lições da pandemia: cuidar é tarefa de todos.

 

Isabel Penz, historiadora formada pela USP, é assistente de coordenação de estudos e debates da Fundação FHC. 

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