Educação financeira não é matemática, mas comportamento

Por: GIFE| Notícias| 30/09/2010

Rodrigo Zavala*

Tornar a população economicamente sustentável, estimulando a que poupe dinheiro, tornando-a apta a ter um comportamento responsável, no qual desejos de agora sejam adiados em prol de benefícios futuros. Esse deve ser o objetivo de programas de educação financeira, como concluído pelos participantes do Painel Temático, realizado no último dia 29, pelo GIFE, na sede da Febraban, em São Paulo.

No encontro, a consultora especialista, Cássia D’Aquino, e o diretor executivo da United Way Brasil, Rogério Arns, debateram a questão com 14 representantes de instituições financeiras que trabalham com o tema. E as conclusões a que chegaram apontam que os desafios mostram-se mais complexos do que os esforços até agora empreendidos.
Protagonista de um extraordinário enredo de progresso e amadurecimento, o Brasil está diante de um desafio imposto a poucos países: dar um salto ainda maior, esperado por uma população que voltou a sonhar alto. Nesse contexto, cerca de 30 milhões de brasileiros ascenderam à classe média e, aliado a uma maior oferta de crédito – trazida por uma maior desenvoltura econômica nacional – se vê multiplicado exponencialmente o poder de consumo da população.
No entanto, o que a experiência nacional tem mostrado são consecutivos recordes de endividamento e inadimplência – que atinge 59,2% das famílias do país, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo — , resultados de uma cultura perdulária, em que não se pensa no amanhã. “Um grande desafio é como educar uma população que até então foi privada do melado que hoje se lambuza”, definiu a cientista social, Cássia D´Aquino.

Motivação
Preocupação atual de dez entre 10 bancos, a educação financeira é analisada por muitos como um instrumento cuja finalidade é privada. Tal como aconteceu com as empresas de software com trabalhos sociais de inclusão digital — acusadas de “formar seu futuro mercado consumidor” – a crítica reducionista ainda torce o nariz para as ações de educação financeira promovidas por instituições do setor, como se estas fossem apenas para ensinar o público a saldar suas dívidas.
Nada mais irreal, como provado nas discussões realizadas durante o Painel Temático. Cássia chegou a fazer uma intersecção clara sobre finanças e processo democrático. Uma população financeiramente madura, que pensa a longo prazo e poupa seu dinheiro, não quer um governo que mude as regras. “Quem não tem controle sobre seus gastos é mais vulnerável”, disse.
Sob a ótica do investidor social, o benefício público ao se trabalhar com educação financeira deve ser, de novo, tornar a população economicamente sustentável. “Só sai da pobreza quem consegue poupar e, além disso, ligar essa decisão a uma visão de longo prazo”, acredita Rogério Arns.

Complexidades
Durante o encontro, os participantes foram divididos em grupos para levantar os grandes desafios para aqueles que trabalham com educação financeira. Entre eles, destacaram-se: dar escala aos projetos, como se comunicar com diferentes públicos, mensuração de resultados ou mesmo incentivos fiscais para os programas dessa natureza. No entanto, o que a discussão coletiva apontou foram desafios ainda maiores a serem vencidos.
O primeiro – e mais ilustrativo – é o paradoxo apresentado pelas instituições bancárias, tal como pelas empresas de varejo e cartão de crédito: enquanto um lado oferecesse créditos em abundância, estimulando o consumo, a outra ponta da empresa deve trabalhar com a inadimplência, insustentável ao setor. Uma questão de metas de venda a serem atingidas sem pensar na consequência direta na economia. Algo que a experiência internacional mostra e o caso brasileiro confirma.
“O crédito é muito bem-vindo e demorou para chegar. Mas a população deve entender seu mecanismo e consequências”, salientou Cássia. Fazendo coro a consultora, o secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, ressaltou que, por uma questão de responsabilidade social, as metas não devem se ater apenas ao lucro obtido, mas sim a questões sustentáveis não só ao setor, como à população.
Afinal, pela regra, diga-se, a presunção de inadimplência aumenta os juros do crédito, mesmo para os bons pagadores.
Outro ponto contextual, desafiador ao trabalho, é a educação formal. Por mais que educação financeira não seja matemática, mas uma mudança de comportamento, o fato de 75% da população não entender o próprio idioma (como mostrou o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional 2009) tem um efeito devastador.
“Mesmo sendo ignorante em matemática, ainda pode ser feito alguma coisa. O problema maior é a má leitura, compreender mal o que está escrito em contratos, por exemplo”, lembrou Cássia.
Afinal, em um país que está sempre na periferia dos escores internacionais de proficiência educacional, com uma média de leitura de 1 livro por ano, e que o estudante do ensino médio é, no grosso, formado sem o conhecimento necessário para ser graduado no ensino fundamental, ser maduro financeiramente não é um desafio, mas uma utopia.
“Os produtos e operações oferecidos se sofisticaram. Mas, a população não. De um lado temos uma população quase infantil sobre sua necessidade de consumo e uma grande oferta de crédito. Está aí o resultado”, alfinetou a cientista política.

Soluções
Em um dos momentos da discussão realizada na sede da Febraban, Cássia D´Aquino, chegou a dizer que o nível de inadimplência chegou a tanto, que as pessoas passaram a se “dessensibilizar” ao seu endividamento. Isto é, pensar que o supostamente insolucionável, solucionado está. Porém, se dívidas não são sustentáveis para ninguém, como mudar a situação?
Para Rogério Arns, cuja experiência e vivência advém do trabalho em desenvolvimento comunitário, a resposta está no fortalecimento do capital social

Por que iniciativas como o Grameen Bank e o Banco de Palmas deram certo?

Porque não levaram apenas em conta a questão do crédito, mas entenderam a complexa rede comunitária, identificando e fortalecendo líderes comunitários, colocando em foco as referências (gente que pensa no futuro e paga suas contas) e promovendo mecanismos para transformar renda em riqueza.
“Muito do comportamento das pessoas se deve às relações que elas têm com seus pares. Com crédito, não é diferente”, lembrou Arns. Nesse sentido, uma agência bancária (por exemplo), em determinada comunidade, não deve servir os mesmos serviços massificados, mas ser uma agência comunitária de desenvolvimento.
O que a experiência internacional mostra e a brasileira teima em não acreditar, é que mais do que educação financeira, é preciso estar preocupado com a qualificação a quem se dá o crédito. “Por que Muhammad Yunus ganhou o Prêmio Nobel? Não foi porque inventou o micro-crédito, mas por o fez com uma atividade vinculada ao conhecimento e aprendizado”, lembrou Cássia Aquino.

Conta Corrente
Num cenário em que prevalece a cultura da facilidade, onde pondera a mentalidade de crédito fácil, eivada de ingenuidade quando aplicada ao consumo conspícuo e ostentatório, a educação financeira ganha ares nobres, porque assim deve ser.
O próprio governo já abraçou a causa, ao projetar uma Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), ainda em projeto piloto, com atuação em 442 escolas, atendendo mais de 15 mil estudantes de ensino médio e mil professores. Frente ao processo, o Instituto Unibanco preparou um material didático transversal para alunos e professores.
“Não precisamos de mais disciplinas, mas temas que dialoguem com o currículo escolar”, explicou Regina Pazzanese, coordenadora de Educação Financeira do Instituto Unibanco, ao lembrar que o impacto do processo (que está em primeira de três fases) será avaliado pelo Banco Mundial. “Todo o material foi elaborado na ótica dos jovens, por consulta”.
Por mais exemplar que seja a iniciativa, a questão que se apresenta é como trabalhar com os adultos – tal como bem colocou a própria Regina. Uma sugestão clara, aos olhos financeiros, é olhar para os devedores, dos quais sabe-se conta-corrente e moradia.
Mas, com a atual conjuntura, na qual quem fala com os devedores são agências de cobrança, efetivar essa estratégia é uma mudança de, no mínimo, procedimento clássico, na opinião deste autor.
Processo
A recomendação que fica, além a dos especialistas, vem do diretor de educação financeira da Febraban, Fabio Moraes. Envolvido também, institucionalmente, na Enef, tal como nos próprios empreendimentos da federação, ele acredita que o assunto é importante não apenas para o setor, mas para o país. “As iniciativas privadas estão pulverizadas. Esta é a hora de formar redes”, conclamou.
Faz sentido. A Febraban fará agora, juntamente com a Federação Latino-Americana de Bancos (Felaban) um evento em outubro, em São Paulo, que, se depender da vontade e compromisso das instituições financeiras presentes, pode ser um marco para o setor. “É um tema em ebulição”, diz assertivamente.
“Ir aos eventos (assiduamente) sobre o tema só tem a agregar a uma possível rede de instituições financeiras que trabalhem com essa temática. Por experiência própria, as redes só se formam por experiência e interesses mútuos a partir de processos sistêmicos, não por uma ou outra reunião”, lembrou Fernando Rossetti.

*Rodrigo Zavala é editor de Conteúdo do GIFE.

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