Educação inclusiva deve acontecer na escola comum, afirma especialista
Por: GIFE| Notícias| 08/03/2021Segundo o Artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), entende-se por educação especial a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. O Decreto nº 10.502, publicado em setembro de 2020, entretanto, tentou viabilizar escolas e classes de aula especializadas para atender a esses estudantes por meio da Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.
Suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro, o Decreto virou tema de diversas discussões que advogam por uma educação verdadeiramente inclusiva e não segregadora. Uma das iniciativas lançadas para somar esforços pela revogação do Decreto e reforçar a importância da convivência com crianças e jovens com deficiência na educação é o movimento #InclusãoParaTodoMundo.
Trata-se de uma Iniciativa da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, formada por mais de 40 instituições da sociedade civil das áreas dos direitos humanos, de pessoas com deficiência, de crianças e adolescentes e da educação.
Raquel Franzim, coordenadora de educação do Instituto Alana, uma das organizações associadas ao GIFE que compõem o movimento, explica que a defesa de uma educação inclusiva para todos e não segregadora consiste na defesa de um direito que implica na promoção de condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem na escola regular para todas as crianças e adolescentes sem distinção. “Um ambiente inclusivo e heterogêneo é absolutamente coerente com a educação numa perspectiva cidadã”, defende.
Convivência beneficia a todos
O Decreto 10.502 justifica a criação das escolas especializadas, afirmando que são destinadas a ‘educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos’.
Para Raquel, a justificativa é infundada do ponto de vista científico. “Uma pesquisa realizada pelo Instituto Alana junto com a ABT Associates aponta evidências internacionais consistentes dos benefícios acadêmicos advindos dos processos pedagógicos em escolas regulares”, defende. A análise, que reuniu mais de 89 estudos a partir do levantamento de 280 artigos publicados em 25 países, mostra que pessoas sem deficiência que estudam em salas de aula inclusivas têm opiniões menos preconceituosas e são mais receptivas às diferenças.
Além disso, a coordenadora também ressalta que é ilegal avaliar quais estudantes estão ou não aptos a frequentar a escola comum. “Isso é contrário à ideia de direito social, que, de partida, diz que, independente das condições e das diferenças, todo e qualquer estudante pode estar na escola.”
Já no âmbito brasileiro, 86% dos respondentes da pesquisa O que a População Brasileira Pensa sobre Educação Inclusiva?, realizada pelo DataFolha a pedido do Instituto Alana, concordam que as escolas se tornam melhores ao incluir crianças com deficiência.
Para 76% deles, crianças com deficiência aprendem mais estudando junto com crianças sem deficiência (leia mais). “Esse resultado só corrobora que, além das evidências de estudos e pesquisas, a população, em mais de uma década, também passou a observar as melhoras e os benefícios que os estudantes com deficiência têm quando estão em escolas inclusivas.”
Desafio do financiamento
O site do Movimento #InclusãoParaTodoMundo apresenta uma lista de impactos do Decreto 10.502 para a educação. Um deles aponta a determinação como uma ameaça ao direito à educação, pauta também relacionada ao financiamento.
Raquel explica que, se o Decreto fosse aprovado e a ideia de criar escolas especiais fosse adiante, haveria a criação de um campo de disputa por recursos financeiros dentro da educação brasileira, que já enfrenta desafios nesse quesito. “A concentração de recursos financeiros é essencial para a melhoria da qualidade do ensino. Esse direcionamento das verbas para a escola comum é capaz de gerar benefícios extensivos a um coletivo maior de estudantes do que a fragmentação e uso desse dinheiro por diferentes equipamentos.”
Os avanços da educação inclusiva no Brasil
Entre 2008 e 2018, passou de 54% para 92% o percentual de estudantes incluídos em salas regulares. Esse é um dos dados que denota os avanços da educação inclusiva no Brasil.
Segundo Raquel, o aumento no número de pessoas com deficiência que têm acesso e permanecem nos espaços escolares comuns é reflexo da maior participação na sociedade de um modo geral, o que também produziu efeitos em outras instâncias, como no ensino superior. Apesar de o acesso ser mais baixo se comparado à educação básica, a coordenadora pontua que há uma percepção de mais pessoas participando da vida em universidades e também ocupando postos de trabalho.
Ainda existem, entretanto, caminhos a serem percorridos. A meta 4-A do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, que visa assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, versa sobre a adaptação, construção e melhoria de instalações físicas e de infraestrutura, de forma a torná-las ‘apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros, não violentos, inclusivos e eficazes para todos’.
A formação de professores aptos a acompanhar e oferecer suporte aos estudantes com alguma deficiência também é outro ponto de atenção. 67% dos entrevistados na pesquisa realizada pelo DataFolha acreditam que os professores não têm a formação necessária para ensinar crianças com deficiência.
Raquel destaca outros aspectos importantes que precisam ser considerados na eliminação de barreiras para a plena inclusão de pessoas com deficiência. Um deles é a necessidade de expansão do atendimento educacional especializado. “O oferecimento do serviço pedagógico, e não terapêutico, no contraturno escolar ainda não tem uma cobertura total no Brasil. Esse seria um avanço importante.”
Ampliar o uso de recursos, que não são necessariamente tecnológicos, é outra estratégia para não só facilitar, mas apoiar a participação dos estudantes com deficiência nas escolas. Além da adoção de materiais, recursos e tecnologias assistivas, também é necessária uma adaptação curricular e do projeto político pedagógico (PPP) da instituição de ensino para que sejam oferecidas novas possibilidades de caminhos para pessoas diversas.