Educação sem geração de emprego não resolve problema dos jovens

Por: GIFE| Notícias| 27/10/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Na última quarta-feira (22/10), durante debate promovido pela ONG Ação Educativa, pelo Instituto Itaú Cultural, pela Rede SescSenac de Televisão e pela Rede CBN, foi lançado o livro Os Jovens no Brasil: Desigualdades e Novas Demandas Políticas. Elaborada pela presidente da Ação Educativa, Marília Pontes Sposito, a publicação apresenta uma análise da situação dos jovens no Brasil e faz um balanço das políticas públicas direcionadas a este público.

Em entrevista ao redeGIFE, ela fala sobre educação e trabalho para pessoas de 15 a 24 anos, as principais preocupações do jovem brasileiro e o papel do governo e da sociedade civil na elaboração de programas para a juventude.

redeGIFE – O Brasil tem buscado formular políticas públicas específicas para os jovens?
Marília Pontes Sposito – Isso é muito recente. Do ponto de vista federal, tivemos ações sobretudo da segunda gestão do governo Fernando Henrique Cardoso, que implantou uma série de programas, mas não avaliou e deixou uma herança para o atual governo. No entanto, existe uma superposição, muita competição, programas semelhantes alocados em ministérios diferentes, e agora há toda uma tarefa de tomar essa herança e avançar, articulando os programas, verificando quais devem permanecer e criando, de fato, uma estratégia de ação para os direitos de juventude.

redeGIFE – Quais são as áreas prioritárias e a faixa etária mais carente de ações quando o assunto é desenvolver políticas públicas para a juventude?
Marília – Eu diria que temos, em todas as faixas, problemas graves que o país deverá enfrentar. Por exemplo, temos metade dos jovens brasileiros fora da escola e quase 10 milhões não completaram oito anos de estudo. É impossível pensar uma população de 15 a 24 anos com menos que o ensino fundamental. Essa é uma prioridade: que a escola seja um bem para todos e que a escola pública seja mais adequada a essa população jovem. Já sob a lógica do emprego temos uma multiplicidade de situações que o governo terá que responder. De 15 a 19 anos, a questão é o primeiro emprego. Já para os jovens de 20 a 24 anos é o desemprego mesmo. O programa Primeiro Emprego é fundamental, mas não resolverá o desemprego do jovem de 20 a 24 anos. Então, devemos ter ações específicas também para esta faixa etária. Nas regiões Norte e Nordeste, temos o analfabetismo funcional de jovens muito mais alto do que no Sul e no Sudeste, mas o problema do desemprego nas regiões metropolitanas é muito maior. Então, o governo deverá ter múltiplas ações. Para cada tipo de direito que não está sendo atendido, devemos ter ações específicas, mas que devem ser articuladas.

redeGIFE – Os atuais programas sociais voltados à juventude têm sido eficazes?
Marília – Não é possível responder. Primeiro porque há uma diversidade de programas e de instituições envolvidas, e o que mais nos ressente, sobretudo na área pública, é a falta de avaliação e acompanhamento, até para alimentar novas experiências. Acredito que há uma diversidade, e os resultados são desiguais, mas eles indicam uma vontade de acertar nas políticas de juventude. O debate está mais aberto, voltado a pensar o jovem como um ator e não mais como um cliente ou usuário. Temos um avanço nas formulações, o que significa que se avaliam experiências e se busca avançar na própria concepção de novos programas.

redeGIFE – Na publicação, a senhora fala sobre a criação de organismos voltados especialmente para a articulação de políticas de juventude. O Brasil não tem isso?
Marília – Nacionalmente não. E acho que somos um dos únicos países da América Latina que não tem. Porém, criar organismos não significa necessariamente criar políticas, nem criar impacto. Corremos o risco de lançar um organismo isolado, burocrático e sem legitimidade. O ideal seria uma transversalidade, ou seja, a reunião de todas as ações e a construção de uma lógica e de um plano nacional de ação para a juventude. Claro que as instituições vão nascendo ao longo do caminho, mas ao criar um organismo primeiro, corre-se o risco de lançar algo absolutamente ineficaz e burocrático, objeto de disputa de poder. Só quando se configurar um plano de juventude é que se poderá pensar, do ponto de vista nacional, na criação de um organismo.

redeGIFE – De 1994 a 2002 foram lançados 33 programas federais com foco na juventude, grande parte deles em parceria com organizações da sociedade civil. Qual é o papel dessas organizações na elaboração e execução desses programas?
Marília – O papel é diversificado. As primeiras experiências de trabalho com adolescentes, no início dos anos 90, que estabeleceram uma relação diferente com os jovens, eram das organizações da sociedade civil. Não podemos esquecer que a tônica do governo Fernando Henrique foi de que as organizações da sociedade civil eram executoras dos programas, não parceiras na concepção. Acho que este é o desafio, tanto do governo quanto da sociedade civil: conseguir parcerias de fato e discutir publicamente concepções e mecanismos de participação e avaliação.

redeGIFE – O atual governo já tem uma consciência maior sobre isso?
Marília – Acredito que ele quer romper com um certo modelo de tratar a questão social de modo fragmentado. Todas essas tentativas de unificar os programas sociais dentro de um grande projeto de desenvolvimento podem ser caminhos. Na área de juventude isso ainda está muito tímido, mas esperamos sinais mais concretos. Acho que a melhor idéia até agora foi o Programa Primeiro Emprego.

redeGIFE – A senhora aborda no livro que bons programas desenvolvidos por organizações da sociedade civil ainda esbarram em dificuldades, como a dissociação entre o seu trabalho e o atendimento nas escolas públicas, além da precariedade dos grupos familiares e da instabilidade financeira. Como evitar isso?
Marília – Na verdade, acho que isso foi um traço dos anos 90. O trabalho nascia nos bairros e, muitas vezes, quando começavam a acertar, paravam por não ter mais recursos. A instabilidade no trabalho das organizações da sociedade civil é muito grande e raramente havia uma relação com a escola, o que gerava quase um antagonismo. A experiência ia bem, mas não havia relação entre o programa e a escola. Hoje já temos algumas ações inovadoras, de projetos mais integrados e articulados com as escolas. Este é um avanço dos últimos quatro anos, no qual se envolve também a escola pública em uma rede de ações.

redeGIFE – Quais são as principais preocupações dos jovens brasileiros atualmente?
Marília – De modo geral, as pesquisas dizem que é o trabalho. Em segundo lugar está a violência. E eles conhecem os dois lados dessa questão. Além de serem vítimas e de saberem que a relação do jovem da periferia das grandes cidades com a polícia é difícil, porque ele é o eterno suspeito, eles sabem que os espaços públicos sendo ocupados por uma lógica da violência significam que eles têm menos possibilidade de circular. Para a juventude é fundamental o direito ao lazer e aos bens culturais. Mas o emprego é realmente o maior drama, porque a maioria dos jovens sempre associou estudo e trabalho, e muitas vezes o trabalho é garantia de poder estudar. Dessa forma, quando se nega o trabalho, pode se negar também a possibilidade de educação. Surge aí até um certo medo de pensar no futuro.

redeGIFE – Isso tem a ver com os motivos que levam o jovem a abandonar a escola?
Marília – Essa relação é mais complexa. Não podemos pensar que o jovem abandona a escola porque começa a trabalhar. Acredito que ele faz isso porque a escola é ruim, discrimina-o e não tem propostas. Ele não vê muito sentido em estar lá dentro, e sua relação com o ambiente escolar é intermitente. Se perguntarmos para qualquer jovem fora da escola, ele não diz que nunca mais vai voltar a estudar. É uma relação conflituosa, que as más condições de vida ajudam a piorar.

redeGIFE – Apesar do aumento do número de jovens entre 15 e 24 anos nas salas de aula (de 11,7 milhões em 1995 para 16,2 milhões em 2001), 50% deles ainda se encontram com algum tipo de atraso escolar e a escolaridade média dos brasileiros ainda continua baixa em relação a outros países latino-americanos. O que deveria ser feito prioritariamente para modificar esta situação?
Marília – Temos que ter um grande investimento. O governo deve assegurar a oferta educacional, mas não colocando um jovem de 20 anos numa escola onde ele vai conviver com um adolescente de 12. A expansão do ensino médio é grande, mas ainda é insuficiente. Os jovens não têm condições de pagar o ensino superior. Deve haver várias ações simultâneas para assegurar que o jovem termine o ensino fundamental. Acredito que isso é um compromisso que possa ser enfrentado em quatro anos. Ampliar a oferta do ensino médio e assegurar condições para aqueles que querem continuar a estudar. No entanto, não podemos dizer que tudo isso vai melhorar a situação da juventude brasileira, porque escola não gera emprego. Se não houver um projeto de desenvolvimento para gerar emprego neste país, só a escolaridade não vai resolver.

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