Empreendedores, Especuladores e Mercenários Sociais

Por: GIFE| Notícias| 15/09/2003

MIGUEL FONTES
Diretor da John Snow Brasil Consultoria e autor do livro Marketing Social Revisitado – Novos Paradigmas do Mercado Social

Durante o desenvolvimento de diversos projetos sociais em diferentes países do mundo, pude constatar três perfis específicos de pessoas que se engajam na área social: Empreendedores, Especuladores e Mercenários Sociais. É interessante notar que, embora todas as regiões do planeta tenham representantes desses três perfis, alguns países ou continentes possuem uma incidência maior de um determinado perfil.

A principal característica do empreendedor social é a vontade de tratar a área social com profissionalismo e competência, longe de qualquer visão assistencialista. É um profundo conhecedor das políticas públicas e sociais e sabe que na área social, não se pode abraçar todas as causas. Sendo assim, segmenta bem sua área de atuação, tanto temática como geográfica. Não importa, se esse profissional se engajou na área social por algum “”trauma”” específico, como por exemplo um(a) usuário(a) de drogas na família, ou por uma decisão de carreira; seu compromisso é com a transformação social mais ampla. Enfim, seu compromisso é com impactos de médio e longo-prazos, produzindo inovações em curto-prazo.

Os especuladores sociais já tratam a área social como uma grande oportunidade de mercado, não importando se um projeto tem compromisso com o fortalecimento de políticas públicas ou práticas de cidadania. O importante é a venda do seu projeto ou atividade, mesmo que ele seja realizado de forma pontual e isolada. Atuam em todas as áreas sociais, sem qualquer segmentação e não importam se suas atividades contribuirão para a transformação social ou apenas responderão a demandas imediatas de um “”cliente”” (indivíduo ou organização). O compromisso é sempre de curto prazo e principalmente com seus “”clientes””.

Os mercenários sociais não têm qualquer compromisso com clientes, segmentos populacionais, conceitos, políticas ou áreas de atuação. Estão na área social por acaso e querem ver a possibilidade de ganhar dinheiro. Aliás, essa é sua única motivação. Vendem qualquer coisa, fazem qualquer coisa e falam sobre qualquer assunto para ganhar dinheiro. Poderiam facilmente não estar na área social, mas se envolvem, pois encontram brechas em programas sociais para “”vender dificuldades, comprando facilidades””. Assim, corrompem sistemas, distorcem políticas e não deixam que intervenções e programas sociais se desenvolvam corretamente, pois não podem perder a fonte de riqueza. Não têm qualquer visão de curto, médio ou longo-prazo. A sua motivação vem da possibilidade de ganhar dinheiro somente.

Em países desenvolvidos, a prevalência de empreendedores sociais é, historicamente, grande. A força da sociedade civil faz com que as economias enfrentem crises e o país defina uma visão mais unificada de futuro, além de normas éticas e de cidadania mas sólidas. No caso de países emergentes, como o Brasil, os especuladores sociais ainda representam uma parcela importante dos profissionais que trabalham na área social. Embora essa especulação, em função muitas vezes de modismos sobre a “”crise social””, preencham algumas lacunas emergenciais, colocam o país em uma lógica de prática social de curto-prazo; ou seja, qual é o próximo problema a ser resolvido. Por fim, países em desenvolvimento ou de baixa e baixíssima renda, ainda sofrem com os mercenários sociais. Por incrível que pareça, muitos desses mercenários são de outras nacionalidades. Sendo assim, enfraquecem os recursos locais e fazem com que esses países se mantenham em constante estado de miséria; ou seja, sua preciosa fonte de recursos.

Como ressalva, é necessário dizer que há muitos empreendedores sociais também em países de baixa e baixíssima renda e muitos são estrangeiros. Realmente, não se pode generalizar. No entanto, como diminuir a ação dos mercenários sociais em todo o mundo, principalmente nesses países, com leis e instituições sociais tão frágeis e ampliar o espaço dos empreendedores sociais no nível local, são questões que precisam ser confrontadas. Além disso, mecanismos eficientes são necessários para trazer uma visão empreendedora a todos os profissionais que especulam na área social. Muitas vezes, esses profissionais não sabem nem que estão atuando como especuladores sociais, mas é hora de serem alertados. Quando o Brasil for o país dos empreendedores sociais, não há dúvidas que poderemos enfim celebrar nossa verdadeira cidadania.

Publicado originalmente no site Socialtec

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional