Empresas devem adotar postura de parceria com o ensino público

Por: GIFE| Notícias| 04/06/2001

Segundo o Censo GIFE, mais de 80% dos associados investem em projetos de educação para a comunidade. Para Lúcia Delagnello, assessora voluntária para conteúdo do Grupo de Afinidade sobre esta área no GIFE e gerente da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho em Santa Catarina, este dado aponta a conscientização do empresariado ao perceber que a educação é a principal estratégia de desenvolvimento econômico e social do país.

redeGIFE – Por que a educação é uma das áreas que mais recebe investimentos da iniciativa privada?

Lúcia Dellagnelo – Em primeiro lugar é preciso notar que este dado do Censo do GIFE difere dos resultados da pesquisa sobre a ação social das empresas realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Neste último a educação não aparece como o principal tipo de investimento social realizado pela iniciativa privada. As empresas brasileiras, em geral, ainda destinam mais recursos a projetos de assistência social. A diferença entre os números do Ipea e do Censo provavelmente pode ser explicada pelo perfil dos pesquisados. Entre os associados do GIFE encontram-se organizações que realizam investimentos sociais de forma mais sistemática e profissional, que reconhecem a educação como a principal estratégia de desenvolvimento econômico e social do país. Esta hipótese, também levantada pelo estudo do Ipea, parece demonstrar que quanto maior e mais bem organizada a empresa para realizar ações sociais, mais freqüente é a escolha pela educação.

redeGIFE – Qual o papel dos projetos sociais da iniciativa privada na melhoria da educação brasileira?

Lúcia – O importante é adotar uma postura de parceria e não de substituição ou de antagonismo ao sistema público de ensino. Quase 88% das crianças e jovens brasileiros estão matriculados na rede pública. Portanto, é aí onde devem ser feitos, direta ou indiretamente, os principais investimentos. Acima de tudo é preciso pensar que a escola pública não é estatal. Ela é, ou deveria ser, a principal organização social de uma comunidade. Existe uma vasta bibliografia mostrando que para atingir uma educação de qualidade é preciso a participação de todos. Famílias, empresas e organizações sociais devem articular suas ações em torno do fortalecimento da escola pública. Neste sentido a principal contribuição do investimento privado provém da agilidade na alocação de recursos e na implementação de inovações conceituais e tecnológicas. A rede de ensino, por sua extensão e burocratização, tem dificuldade em desenvolver e incorporar novos conceitos e tecnologias que podem contribuir para melhoria da qualidade da educação.

redeGIFE – Os projetos educacionais das empresas, fundações e institutos trazem alguma revolução metodológica?

Lúcia – Alguns deles sim. A iniciativa privada tem condições mais propícias para gerar inovações educacionais. Como disse anteriormente, ela possui agilidade na alocação de recursos e na implementação de inovações conceituais e tecnológicas. Mas há também exemplos negativos, de projetos assistencialistas que estão mais preocupados em “”ocupar”” crianças e jovens do que promover a aprendizagem efetiva.

redeGIFE – A educação para o trabalho apareceu como principal linha de atuação entre os associados do GIFE. Este é um comportamento que se repete em outras ações da iniciativa privada? Isso está relacionado com os altos índices de desemprego, um dos maiores problemas sociais que vivemos?

Lúcia – Em geral o interesse das empresas em investir em educação para o trabalho parte da dificuldade em contratar empregados qualificados e capazes de enfrentar os novos desafios de produtividade e competitividade. No entanto, é preciso lembrar que a melhor preparação para o trabalho é um ensino fundamental de boa qualidade, que seja capaz de preparar o indivíduo para “”aprender a aprender””, pois esta sim é a competência essencial para a formação de bons profissionais.

redeGIFE – O papel da iniciativa privada é investir na educação formal ou complementar?

Lúcia – Ela pode contribuir para melhoria da educação brasileira tanto através da educação formal quanto da complementar. Algumas empresas têm atuado em parceria com organizações da sociedade civil para oferecer excelentes programas educacionais complementares e desta forma ampliar as oportunidades de desenvolvimento integral de crianças e jovens de baixa renda. Mas também existem ótimos exemplos de projetos de educação formal apoiados por organizações privadas. O importante é adotar uma postura de complementariedade e parceria, e nunca de competição com a rede pública de ensino.

redeGIFE – Frente às desigualdades sociais, incluídas as dificuldades do acesso ao ensino de qualidade por parte das camadas mais pobres da população, e aos lucros obtidos pelas empresas, o volume de recursos investidos pela iniciativa privada em projetos educacionais é adequado?

Lúcia – É preciso um volume maior de investimentos para melhoria efetiva da qualidade da educação no Brasil. Oferecer um bom sistema de ensino não é barato, mas se realmente acreditarmos que ele é o investimento social mais eficaz os custos justificam-se plenamente. No entanto, é importante notar que apenas recursos financeiros não são suficientes. É preciso um comprometimento com a educação refletido pela participação direta na escola da comunidade onde está inserida a empresa e/ou na elaboração de políticas públicas.

redeGIFE – Qual a importância da educação para a mudança da sociedade brasileira?

Lúcia – Hoje, felizmente, atingimos um consenso em relação à centralidade deste tema como estratégia de desenvolvimento econômico e social do país. Esta unidade foi atingida não só pela força de argumentos teóricos, mas pelo exemplo concreto de outros países que decidiram investir de forma significativa e consistente em educação. A desigualdade social, principal flagelo da sociedade brasileira, só poderá ser superada por uma melhor “”distribuição social de oportunidades””. Entre elas está o acesso e permanência em escolas públicas de boa qualidade.

redeGIFE – Quais as alternativas para as dificuldades que a educação enfrenta no Brasil?

Lúcia – Tivemos grandes avanços nestes últimos anos. Entre os principais eu destacaria dois aspectos. Primeiro a incorporação da cultura de avaliação em nosso sistema de ensino, como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que permite a identificação de escolas com boas práticas e aquelas que apresentam problemas. Segundo, a mobilização para que famílias e membros das comunidades participem da vida escolar. É fundamental que a sociedade como um todo assuma o compromisso, verdadeiro e não apenas retórico, de melhorar a qualidade da educação brasileira.

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