Empresas, fundações e institutos devem atuar no ensino de jovens e adultos

Por: GIFE| Notícias| 20/09/2004

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Em agosto, Fundação Abrinq e Natura assinaram um termo de cooperação com o Ministério da Educação (MEC) que visa melhorar a metodologia e aumentar a abrangência das práticas da educação de jovens e adultos no Brasil. A parceria tem como base o Programa Crer para Ver e envolve a formação continuada dos professores que atuam com este público.

Como parte das atividades do programa, no último dia 8 de setembro, durante o VI Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos, em Porto Alegre (RS), foi lançado o Prêmio Crer para Ver – Inovando a EJA. A iniciativa é dirigida a professores e escolas da rede pública que desenvolvam projetos inovadores para o fortalecimento da qualidade do ensino, aumento da autonomia dos alunos e envolvimento da comunidade escolar em prol da ampliação, melhoria e eficiência do programa Educação para Jovens e Adultos (EJA) – modalidade definida na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação, em 1996.

Serão premiados cinco projetos na categoria “”professor”” e cinco na categoria “”escola””, um de cada região do país. Os professores ganharão um pacote turístico-cultural e as escolas recursos no valor de até R$ 10 mil para investir no aprimoramento ou na ampliação do projeto. As iniciativas devem ter, no mínimo, um ano de atividade e investir em práticas que ofereçam oportunidades para a construção da identidade dos jovens e adultos atendidos. Serão observados critérios como a estrutura da escola, o processo de aprendizagem e a consistência dos métodos e processos de avaliação.

Em entrevista ao redeGIFE, os presidentes da Natura, Guilherme Leal, e da Fundação Abrinq, Rubens Naves, falam sobre a parceria com o MEC, a importância da alfabetização de jovens e adultos no Brasil e a participação de empresas, fundações e institutos em projetos nesta área.

redeGIFE – Quando e por quê Natura e Fundação Abrinq decidiram atuar na área de educação para jovens e adultos?
Guilherme Leal – Até recentemente, o foco exclusivo do programa Crer para Ver foi o ensino regular de crianças, até 14 anos. Neste ano, decidimos ampliar o escopo e abarcar também o ensino fundamental para jovens e adultos. Os jovens constituem um grupo importante da sociedade, com grande potencial para se tornarem atores estratégicos do desenvolvimento do país. Mas, infelizmente, as estatísticas da juventude revelam que se trata também de um grupo bastante vulnerável e que está entre as principais vítimas do tipo de desenvolvimento econômico e social das últimas décadas. Ao apoiar a educação de jovens e adultos, a Natura quer contribuir para mudar a situação deste público, promovendo seu retorno à escola, e para que a qualidade dessa modalidade de ensino passe a ser alvo de preocupações e esforços de toda a sociedade.
Rubens Naves – Começamos a falar sobre a educação de jovens e adultos em outubro do ano passado. Queríamos participar do esforço nacional pela alfabetização, atendendo ao apelo do então ministro da educação, Cristovam Buarque. Porém, consideramos que alfabetizar é muito bom, mas não é suficiente. A escola oferece bem mais que apenas a leitura e escrita. A educação escolar possibilita a convivência com outros, trabalho em conjunto, respeito às diferenças, construção de identidade e de auto-estima, entre outros aprendizados. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é destinada aos indivíduos maiores de quinze anos que não concluíram o ciclo escolar ou nunca freqüentaram a escola. São cursos correspondentes aos ensinos fundamental e médio regulares. Existem 65 milhões de brasileiros que poderiam freqüentar as escolas de educação de jovens e adultos. Deste contingente, 16 milhões são jovens entre 15 e 24 anos de idade. Os interesses e as necessidades desse público é diferente dos alunos do ensino regular, portanto os processos de ensino devem ser adequados a eles. Estruturamos três focos de atuação com a EJA: apoio à formação de professores, por meio de projetos, reconhecimento e valorização de iniciativas bem-sucedidas de escolas ou professores, por meio de um prêmio, e campanha para reconduzir o jovem de volta à escola.

redeGIFE – Como aconteceu a parceria entre Fundação Abrinq, Natura e Ministério da Educação, e de que maneira essa atuação conjunta trará mais benefícios para a iniciativa?
Leal – O Crer para Ver foi concebido em parceria com a Fundação Abrinq e é administrado juntamente com a organização. O apoio do MEC vem acontecendo desde o final de 2003 e foi formalizado no último mês de agosto. A Natura acredita que a união de esforços entre esses três agentes – iniciativa privada, sociedade civil organizada e governo – dá força à iniciativa, contribuindo para que ela possa nascer já com escala e com qualidade. Cada membro dessa parceria terá responsabilidades e contribuirá diretamente para a melhoria da educação para jovens e adultos.
Naves – A parceria com a Natura existe há nove anos e juntos criamos o Programa Crer para Ver, em 1995. O programa é uma rede de mobilização social cujo objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade do ensino público, oferecendo apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento e a implementação de projetos de educação (Educação Infantil e Ensino Fundamental) em todo o Brasil, que possam ser referência para a elaboração de políticas públicas. Durante esse período, apoiamos 146 projetos em 21 estados. Toda a conversa sobre a Educação de Jovens e Adultos ocorreu dentro do Crer para Ver, até definirmos essa nova linha de atuação. Em nome do programa, procuramos o MEC com uma proposta de parceria. A partir de dezembro, tivemos alguns encontros com os responsáveis pela educação de jovens e adultos no Ministério e agora estamos realizando a campanha pelo reconhecimento e valorização deste público.

redeGIFE – Qual será o papel de cada organização na parceria?
Leal – O MEC divulgará a campanha nas escolas, contribuindo para sua legitimação. A Natura viabilizará financeiramente o programa, além de sensibilizar, mobilizar e capacitar seus consultores e consultoras. Eles serão orientados a identificar potenciais alunos, motivar e mostrar como o estudo abre um novo mundo de oportunidades pessoais e profissionais e encaminhar os interessados para uma das escolas cadastradas. A Fundação Abrinq contribuirá com o acompanhamento técnico da iniciativa.
Naves – O MEC deve utilizar todos os seus veículos de comunicação para a divulgação do projeto nas escolas e secretarias de educação, convocando para que participem da campanha, e participar da elaboração dos materiais para os consultores. O processo de mobilização e sensibilização feito pela Natura acontecerá nas comunidades em que os consultores residem e por meio da sua rede de relacionamento. A Fundação Abrinq, além da elaboração e divulgação do projeto, tem como papel monitorar e avaliar a mobilização na escola e negociar com os órgãos governamentais para que se atenda à demanda de vagas.

redeGIFE – Num momento em que mesmo quem tem formação escolar regular encontra grandes dificuldades de inserção social, especialmente no mercado de trabalho, quais são as reais chances de inclusão para as pessoas que passam a freqüentar a escola apenas depois de adultos?
Leal – A educação é um dos pilares necessários para a promoção da inclusão social dos jovens, mas não é o único. A melhor formação é um elemento fundamental da ampliação da capacidade de inserção no mercado de trabalho e também do entendimento, por parte dos jovens, de seu papel e desafios na sociedade. Essa ação é absolutamente necessária, mas deve fazer parte de um conjunto de ações que promovam também a oportunidade de acesso à renda, ao lazer e à cultura, elementos chaves na construção plena de cidadãos.
Naves – Pensemos que a educação de jovens e adultos trata de dois públicos e que esses têm anseios distintos. O jovem que não é reconhecido como cidadão de direitos é excluído do sistema educacional, diminui as suas possibilidades de inserção do mercado de trabalho, que já é extremamente seletivo, não possui as ferramentas básicas – leitura, escrita e cálculo convencionais – e não têm uma formação/qualificação profissional. Esse quadro é agravado pelo processo de empobrecimento da população, dificultando ainda mais as possibilidades de inserção na vida social e no mercado. Esses jovens vivem na marginalidade, na acepção da palavra, sem perspectivas de melhora. A EJA, na sua concepção, pensa no jovem e no adulto como cidadão de direitos, que pode participar dos processos de discussão das políticas públicas, de intervenção na realidade, de melhoria da qualidade de vida e da busca de autonomia. Qualificar os jovens é dar a eles esperança, possibilidade de transformação e de resgate da identidade e da dignidade.

redeGIFE – As organizações da sociedade civil, em especial as fundações e os institutos empresariais, têm atuado fortemente na área de educação. Mas muitos dos projetos são voltados para crianças e adolescentes. Podemos dizer que faltam iniciativas para os públicos jovem e adulto? A que isso se deve?
Leal – Sim. Possivelmente ao fato de que o foco inicial na área da educação foi, corretamente, a educação básica, e as questões da juventude só passaram a receber maior atenção pública a partir de meados dos anos 90, quando os problemas de exclusão se tornaram graves demais para serem ignorados. As demandas desse público só ficaram mais visíveis recentemente. Ainda é necessário consolidar a certeza de que essas questões devem ser consideradas e atendidas a partir de suas especificidades, com a participação ativa dos próprios jovens.
Naves – Faltam iniciativas. Essa parcela da população encontra-se, como já dito anteriormente, privada de seus direitos. Atuar com a educação de jovens e adultos é uma forma de trazer visibilidade à escolarização. Apoiar a formação de professores em uma modalidade de ensino que não tem atraído os jovens profissionais – poucas faculdades de educação oferecem habilitação para essa modalidade – é uma maneira de qualificar o ensino. Premiar boas iniciativas escolares e práticas de professores é uma forma de promover o que obteve êxito e ao mesmo tempo mapear o que existe nessa área da educação, já que são poucos os dados sobre a situação da educação de jovens e adultos. Selar uma parceria com o órgão público que têm a incumbência de gerir as políticas nacionais de educação é uma maneira de contribuir para a melhoria da qualidade, efetivada em políticas adequadas e pertinentes às necessidades e características de nossa população.

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