Empresas podem ter papel importante na promoção da leitura

Por: GIFE| Notícias| 15/09/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Recentemente, a ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro (Ibope) lançaram o livro Letramento no Brasil (Global Editora). A publicação reúne artigos de especialistas analisando os resultados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), de 2001.

Em entrevista ao redeGIFE, Vera Masagão Ribeiro, organizadora do livro, compara os dados de 2001 e 2003, apresentados na última segunda-feira (8/9), fala da cultura da escrita e da leitura e do papel das empresas na promoção dessas atividades.

redeGIFE – O que é o INAF?
Vera Masagão Ribeiro – O INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional) é uma pesquisa por amostragem de uma parte representativa da população brasileira, de 15 a 64 anos, que verifica habilidades, práticas e usos da leitura e da escrita. Medimos isso tudo aplicando uma prova com testes que apresentam tarefas cotidianas, as quais a pessoa deve resolver lendo um material que simula uma revista de variedades. São questões de interpretação e comparação de textos. Em 2001, fizemos a primeira edição, sobre leitura e escrita. Em 2002 focalizamos habilidades matemáticas e, agora, em 2003, repetimos leitura e escrita, para fazer um comparativo. O objetivo é mostrar como está o aprendizado da leitura e da escrita, quais são os usos que as pessoas fazem disso e o nível de habilidade elas têm. Queremos trazer informações para subsidiar o debate público em torno da questão do letramento e da cultura escolar.

redeGIFE – O que significa o termo “”letramento””?
Vera – É semelhante ao alfabetismo, mas no livro utilizamos “”alfabetismo”” quando tratamos especificamente do nível de habilidade medido na prova e “”letramento”” quando tratamos de prática da leitura e da escrita, algo mais geral, sociológico. Essa palavra é uma importação de uma palavra em inglês que significa cultura escrita ou movimento para tornar a sociedade letrada, usuária da leitura e da escrita. No inglês não existe o termo alfabetização no sentido que temos aqui. Lá usa-se “”learning””, “”reading”” e “”writing””, mas não há esse sentido de aprendizagem inicial, do bê-a-bá. Na década de 80 começaram a surgir muitos estudos sobre a cultura escrita, relação de oralidade, estudos antropológicos, por isso passou-se a traduzir a palavra. Uns traduziram por alfabetismo, outros por letramento. Mas o letramento, na academia, virou o grande termo.

redeGIFE – O que os dados do INAF apontam com relação à leitura e escrita do brasileiro?
Vera – Em 2001 tínhamos 9% da população de 15 a 64 anos analfabeta. Neste ano, temos 8%. Já as alfabetizadas foram divididas em três níveis. No nível 1, habilidade muito baixa – que envolve as pessoas que só conseguem localizar informações simples em enunciados com uma frase, em anúncio ou capas de revista -, temos 30% neste ano, contra 31% em 2001. No nível 2, que chamamos de básico, no qual as pessoas são capazes de localizar informações em textos curtos, tivemos 37% neste ano, enquanto em 2001 eram 34%. Já no nível 3, que seria domínio pleno das habilidades básicas testadas, com capacidade de ler textos mais longos, localizar mais de uma informação, comparar informações de diferentes textos e estabelecer relações diversas entre eles, tínhamos 26% em 2001 e agora 25% em 2003.

redeGIFE – As escolas avaliam de maneira eficiente a capacidade de leitura e escrita dos alunos?
Vera – As avaliações estão mostrando problemas graves com relação ao domínio da leitura e da escrita. Uma parte significativa da população está chegando analfabeta à 4ª série. Algo que nos chamou a atenção nessa pesquisa é que 32% das pessoas que têm de um a três anos de estudo estão num nível de analfabetismo absoluto. Ou seja, elas estão entrando na escola e não estão aprendendo absolutamente nada. Mas não podemos pensar que as escolas avaliam mal. Uma avaliação por prova tem seus limites naturais, porque por mais que se tente falar de situações cotidianas, prova não é a vida real. Talvez na vida real o aluno faça aquilo melhor. Além disso, prova tem toda aquela parte formal, de responder num quadradinho, coisas que podem interferir no desempenho do aluno. Quando analisamos a população como um todo, não a população escolar, é que se vê o que realmente ficou, se a pessoa manteve seu grau ou até evoluiu. Precisamos levar em consideração que 90% da população que não está mais na escola não tem a escrita como fazer diário. É natural que uma pessoa que fez a 8ª série há 10 anos não tenha o mesmo traquejo com leitura e escrita que tinha quando estava estudando. O ideal, então, seria que todos continuassem estudando o resto da vida. Temos na pesquisa um bloco sobre educação continuada, se as pessoas têm treinamento na empresa, se participam de reuniões de avaliação e planejamento e se fazem cursos. Só 17% tinham feito algum curso não-formal nos últimos 12 meses.

redeGIFE – Podemos dizer que o modo como a cultura da escrita e da leitura é hoje disseminado é um reprodutor das desigualdades sociais?
Vera – Leitura e escrita são recursos culturais mal distribuídos, da mesma forma que todos os outros recursos sociais, as outras riquezas e os outros bens no Brasil. Existe um discurso de que a educação promove o desenvolvimento, mas na verdade são coisas co-relacionadas. Diversos elementos que compõem um padrão social e cultural – emprego, renda, educação, saúde – inter-relacionados é que vão promover o desenvolvimento social. No entanto, pode parecer óbvio, mas é preciso dizer que a escola é o grande promotor da introdução das pessoas na cultura letrada. Por mais baixa que seja a qualidade escolar, o grau de escolaridade é o grande diferencial, porque é ele que vai permitir conseguir emprego no mercado formal, por exemplo. As oportunidades sociais que uma pessoa deixa de ter por não ter um diploma levam-na a viver à margem da cultura escrita. Assim, vive-se no mundo da oralidade, nos trabalhos mais simples e, conseqüentemente, com as piores remunerações.

redeGIFE – E além dessas atividades básicas das escolas, o que mais deveria ser feito para incentivar a prática da escrita e da leitura entre os brasileiros?
Vera – O que observamos na população que analisamos, de 15 a 64 anos, é que 60% não têm oito anos de estudo, que é a escolaridade obrigatória. Então, pensamos o que uma pessoa que não tem diploma do ensino fundamental pode fazer hoje. Isso mostra que é preciso investir na elevação da escolaridade de jovens e adultos, sem falar da educação infantil. Mas observamos a existência de outras políticas. Fizemos um estudo sobre como as pessoas acessam os livros, os jornais e as revistas e percebemos que isso depende basicamente da própria compra ou de empréstimo. Na verdade, a pessoa fica restrita à sua classe social e ao seu poder aquisitivo. Notamos, no entanto, que já existe um número – pequeno, mas importante – de pessoas que têm esse acesso no local de trabalho. Indicamos, então, que as empresas podem ter um papel importante na promoção da leitura. As pessoas têm interesse em ler, o problema é o acesso.

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