“Enquanto não houver articulação entre o planejamento educacional e de desenvolvimento econômico, não será possível avançar”, afirma especialista sobre novo PNE

Por: GIFE| Notícias| 09/06/2025
educação - jovem em sala de aula

Em entrevista ao redeGIFE, Claudia Bandeira explica os desafios da educação brasileira para a próxima década a partir do PNE 2024-2034

As diretrizes e metas para os próximos 10 anos da educação brasileira, desde o infantil até o ensino superior, estão em tramitação na Câmara dos Deputados por meio do Projeto de Lei nº 2.614/2024, que aprova o novo Plano Nacional de Educação (PNE).

Para entender quais os desafios da próxima década, a participação da sociedade civil nesse processo, e como o novo PNE pode atuar para combater as desigualdades no país, o GIFE conversou com Claudia Bandeira, coordenadora da Iniciativa De Olho Nos Planos da Ação Educativa.

Quais são os principais desafios da educação brasileira para a próxima década que o PNE 2024–2034 precisará enfrentar por meio de suas metas e diretrizes?

O balanço mais recente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação sobre o atual PNE mostrou que o cenário de descumprimento é generalizado. Dez anos depois de entrar em vigor, quase 90% das metas e dispositivos não foram cumpridos. As desigualdades sociais, étnico-raciais e regionais persistem e não houve avanço na meta que trata do financiamento educacional. O novo PNE mantém o patamar de investimentos de 10% do PIB. No entanto, sabemos que as políticas de austeridade e os impactos da Emenda Constitucional 95, inviabilizaram o cumprimento das metas do plano em vigência. No debate atual sobre Ajuste Fiscal e as novas medidas de austeridade a educação foi incluída no pacote com a flexibilização no uso dos recursos do Fundeb. Enquanto não houver articulação entre o planejamento educacional e planos de desenvolvimento econômico, não será possível avançar.  

Como você avalia a participação e a incidência política da sociedade civil organizada na construção do PNE 2024–2034? Quais estratégias têm sido adotadas para influenciar as metas e diretrizes do novo plano, e como a sociedade civil pode contribuir para monitorá-las?

O Projeto de Lei do novo PNE se afasta de deliberações da Conferência Nacional de Educação (CONAE 2024) ao não mencionar, por exemplo, os termos “gênero”, “orientação sexual” ou a população LGBTQIA+. Vale lembrar que uma das marcas da tramitação do atual PNE, em 2013, foi justamente a ofensiva ultraconservadora contra o “gênero”, termo que acabou sendo retirado do texto final – o que fomentou uma cultura de censura e perseguição a essa agenda nas escolas. Desta vez, os termos sequer constaram no texto inicial. Nesse sentido, é preciso que os espaços e instâncias de participação da sociedade civil tenham impacto efetivo no novo PNE. Agora o PL apresentado pelo Executivo ao Congresso Nacional precisa ser amplamente debatido com a sociedade nas Casas Legislativas. É preciso intensificar a mobilização e participação popular para reverter a situação e garantir que agendas como equidade de gênero na intersecção com raça sejam estruturantes no novo PNE.

Como o Investimento Social Privado (ISP) pode atuar de forma complementar ao financiamento público na concretização das metas do PNE, especialmente em contextos de maior desigualdade educacional?

Acredito que a maior contribuição do Investimento Social Privado seja no financiamento de projetos de movimentos sociais e de organizações de sociedade civil que atuam no campo com legitimidade. Garantir melhores condições para a continuidade deste trabalho de incidência e articulação fortalece a pressão para que o Estado cumpra com suas obrigações tendo como referência o que foi estabelecido na nossa Constituição Federal e no próprio PNE. Sabemos que falta vontade política no Brasil para resolver os problemas da educação pública de qualidade para todas e todos. Nesse sentido, o fortalecimento das bases é fundamental.  

Considerando as profundas desigualdades regionais no Brasil, o novo PNE tem dado a devida atenção às especificidades territoriais no planejamento de políticas educacionais? Que mecanismos podem garantir essa equidade?

Apesar do PL do novo PNE trazer avanços ao incorporar uma perspectiva mais transversal de equidade e igualdade, ainda deixa lacunas. Falta uma política robusta de educação para justiça climática e combate ao racismo ambiental, por exemplo. A Educação de Jovens e Adultos  (EJA) é uma modalidade que tem sido muito precarizada e precisa de um objetivo mais ousado e de métricas e prazos. O texto também não enfrenta com a urgência necessária desafios revelados pelo último Censo Escolar – como a perda de matrículas da EJA e a ausência de infraestrutura adequada em escolas indígenas, quilombolas e do campo. Outro ponto importante retirado do texto se refere ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) que busca ampliar o conceito de qualidade educacional para além das avaliações externas em larga escala de desempenho de estudantes que, muitas vezes, acirram desigualdades educacionais. Nesse sentido, é preciso contextualizar os resultados dessas avaliações a partir de outras dimensões da qualidade como infraestrutura das escolas, valorização dos profissionais da educação, acesso e permanência de estudantes, gestão escolar democrática, equidade de gênero e raça na educação, entre outras.    

Como o texto atual do PNE 2024–2034 tem contemplado – ou negligenciado – o enfrentamento ao racismo nas escolas, especialmente diante dos dados que revelam que a permanência de estudantes negros nas escolas ainda não é garantida?Em relação a metas e estratégias que abarcam a superação de desigualdades étnico-raciais são criticadas também as ausências de métricas e indicadores mais precisos e ousados que possibilitarão acesso aos recursos necessários para cumpri-las. Além disso, a educação indígena e a quilombola precisam ser trabalhadas junto a questões territoriais e respeitar as especificidades de cada modalidade. Também é preciso mais dados sobre essas populações, incluindo o recorte de gênero. São muitos os documentos, legislações e mecanismos no Brasil que tentam corrigir as desigualdades étnicos-raciais, como as leis 10.639/2003 e a 11.645/2008, mas que seguem sendo pouco executadas. Essa agenda não pode ser apenas transversal no novo PNE, mas central. Isto é, que não apenas conste, mas que estruture todo o Plano Nacional de Educação.

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