Entrevista com Emilio Rui Vilar
Por: GIFE| Notícias| 07/01/2010“”A pobreza é como a escravidão””
PARTE 1
A pobreza é como a escravidão, argumentou Emilio Rui Vilar, da Fundação Calouste Gulbenkian, e pode ser erradicada mediante a redistribuição. Estas foram as palavras ditas na sessão plenária que inaugurou a conferência anual do EFC (Centro Europeu de Fundações, em Roma), no primeiro dos seus três anos, como presidente do EFC. A editora da revista Alliance, Caroline Hartnell, conversou com ele depois da conferência sobre o papel que podem desempenhar as fundações nesta redistribuição, que medidas deveriam ter suas futuras prioridades e como ele vê o papel do EFC nos próximos anos.
Na sessão plenária da conferência do EFC, você mencionou que é improvável que se cumpra com a maioria dos ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio). Também afirmou que se pode dar fim à pobreza por meio da redistribuição dos recursos, o que soa bastante radical. Como podem as fundações e, em especial as fundações europeias, contribuir com isto?
Tive a intenção de gerar uma espécie de provocação na sessão plenária com o intuito de mostrar que, no entanto, as coisas pareçam impossíveis ou improváveis, pois a história demonstra que se pode consegui-las, como a abolição da escravidão. No final do Século XVIII, quando começou o primeiro movimento antiescravista, muitos o consideravam um sonho, porém no final do Século XIX, a escravidão estava mais ou menos erradicada.
Também citei um provérbio africano que diz: “a pobreza é a escravidão”. A pobreza é logicamente muito complexa, adquire muitas formas e não podemos simplesmente mitigar o problema porque é a dignidade humana que está em jogo: é a vida de muitas crianças e muitas mulheres apesar do mundo ter recursos suficientes. Se cada governo, cada sociedade, tomar a erradicação da pobreza como objetivo, eu acredito que poderá ser um sonho que se transformará numa possibilidade.
As fundações podem ser fortes promotoras para isso. Óbvio que os recursos das fundações não podem lidar exclusivamente com o problema, mas podemos desafiar nossos governos, nossas sociedades, nossas organizações multilaterais. Sabemos que os ODM não se cumprirão para o ano 2015 – embora bastante modesto porque a meta para 2015 era reduzir a pobreza pela metade – pelo qual tratei de desafiar meus colegas na fundação para começar um movimento, não apenas olhando para o curto prazo, mas também com uma mentalidade aberta e global que analise estes tipos de problemas.
Quando fala de fundações que façam uma promoção, está querendo dizer diretamente ou está dando apoio aos beneficiários que realizam as atividades?
As duas coisas. As fundações podem fazê-las diretamente e podemos aproveitar as alianças de trabalho com organizações multilaterais; podemos também apoiar as organizações que realizam o trabalho diretamente atacando os problemas.
O que acontece com a dimensão global? É mais simples fazer lobby perante o próprio governo sobre a situação no próprio país, porém a quem você direciona seus esforços de lobista para enfrentar a pobreza na África e outros paises em desenvolvimento? Os governos em paises muito pobres não irão pra frente sem a ajuda dos paises mais ricos.
Precisamos de um enfoque diferente para ajudar o desenvolvimento. Em alguns paises não existe vontade política para abordar o problema; já em outros, não há meios. Porém nestes paises podemos ajudar com programas de desenvolvimento de modo que, nos seus próprios prazos, sejam ajudados a mudar a estrutura de produção e os donativos signifiquem apenas um paliativo imediato.
Acredita que, dadas a recessão e a crise que enfrentamos atualmente, poderia gerar-se tensão entre as fundações ao focar as necessidades dos paises onde estão baseadas e as necessidades do mundo?
Em curto prazo este tipo de tensão poderia ocorrer, mas o que me impressionou, conforme mencionei na sessão de clausura é a maneira como as fundações geralmente reagem perante a crise, concentrando-se no que é essencial, eliminando o que não é essencial. Acredito firmemente que, por exemplo, as sociedades europeias devem considerar mais cuidadosamente os paises em desenvolvimento de onde provem os imigrantes indocumentados.
Em vez de construir muros e instituir patrulhas no Mediterrâneo, o que precisamos é dar a essas pessoas uma oportunidade de trabalhar em seus próprios paises de origem. Elas não têm outra opção além de abandonar seus paises; elas emigram porque suas famílias morrem de fome. Se fosse possível criar melhores condições nesses paises, muitas pessoas optariam por ficar.
Então, acha adequado o papel que as fundações exercem ao estabelecer vínculos entre os que aparentemente são problemas europeus, como forma de gerenciar a migração indocumentada bem como as raízes dos problemas que estão em outras partes?
Sim. Especialmente se nós embarcamos nas discussões políticas cotidianas, fora da cadeia caótica de acontecimentos que os meios de comunicação costumam aquecer colocando lenha na fogueira; podemos focar integralmente os temas específicos no momento certo.
Ver a continuação: Entrevista com Emilio Rui Vilar – Parte 2