ESG e antirracismo: Fundação Norberto Odebrecht entrevista Naira Santa Rita
Por: Fundação Norberto Odebrecht| Notícias| 06/03/2023Num país onde 54% da população é preta ou parda, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014), falar em ESG necessariamente inclui assumir compromissos com o antirracismo. Afinal, a sigla representa os esforços de organizações, empresas e governos para executarem ações que fortaleçam o avanço das agendas ambiental (Environmental, em inglês), social e de governança (Governance).
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Mas o desafio não está em abordar o tema apenas em eventos, publicações ou discussões, e sim em assumir uma postura antirracista a partir das próprias equipes responsáveis pela atuação ESG de empresas e organizações.
Incentivar essa postura é justamente a razão de criação do Movimento ESG Antirracista, fundado este ano pela gestora ambiental carioca Naira Santa Rita Wayand, o administrador paulista Bryan Chiarello e o engenheiro florestal paraense Wallacy Barreto. Para falar sobre a constituição e o futuro da iniciativa, a Fundação Norberto Odebrecht entrevistou Naira Santa Rita, uma das fundadoras do Movimento e eleita, em 2022, uma das Top Voice Sustentabilidade no LinkedIn.
FNO: Como começa sua atuação com ESG, clima e responsabilidade social?
Naira: Eu sou uma deslocada climática. Em 2022, sobrevivi às chuvas na região de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e perdi tudo aquilo que havia conquistado nos últimos anos. Uma coisa é estudar sobre eventos climáticos extremos. Outra, muito diferente, é viver um evento assim.
Muitas pessoas da minha cidade, do meu bairro, também perderam tudo – só que não sabiam que aquilo era racismo ambiental. “Ah, acontece todo ano”. Às vezes uma informação muda tudo. E eu precisava levar esta discussão a mais pessoas.
Então é uma pauta importante para mim, faz parte da minha jornada. E eu defendo um casamento de agendas: a do ESG corporativo, institucional, com a da mobilização comunitária, de base.
FNO: O que é o Movimento ESG Antirracismo? O que a iniciativa pretende alcançar?
Naira: Queremos descentralizar e democratizar o debate sobre ESG. Desde 2004, quando ele surge, não houve um movimento para refletir sobre esses compromissos para a realidade brasileira. Precisamos de um ESG com a cara do Brasil, que traga legitimidade para essas narrativas e dê oportunidades para os nossos desenvolverem essa agenda com equidade.
É preciso ter pluralidade nesses times. Sem diversidade de raça, regionalidade, gênero e idade, as pessoas que atuam com ESG estão reproduzindo o que dizem combater.
Por isso, o Movimento ESG Antirracista é uma mesa de diálogo que prioriza a pluralidade de narrativas, fundamentado em 5 compromissos: descentralizar o debate sobre ESG, sensibilizar sobre a inclusão de pessoas não-brancas, conectar profissionais negros e indígenas da área, apoiar o desenvolvimento de carreiras e amparar psicologicamente estes profissionais. Queremos promover discussões que gerem progresso, que incentivem o setor na inclusão de pessoas não-brancas. É preciso ter ações afirmativas e intencionais, é preciso promover o letramento sobre racismo climático, é preciso que a responsabilidade social deixe de ser assistencialista.
Temos uma enorme estrada pela frente. Mas sabemos os princípios que nos fundamentam.
FNO: E como se pode realizar tudo isso?
Naira: A partir de articulação, de influência. Não temos todas essas respostas, queremos sentar-se com pessoas que também querem soluções. E sabemos que, muitas vezes, as pessoas se movimentam a partir da cobrança, a partir da crise.
FNO: Isso quer dizer que crises podem ajudar a promover a agenda ESG? Elas não dificultariam a implementação deste compromisso?
Naira: Todos nós queremos superar as crises – financeiras, ambientais, sociais – de uma forma mais humana, menos cruel. O objetivo é sempre voltar melhores de uma situação como esta.
Mas como voltar melhor do que estávamos? É trazendo a sustentabilidade e a responsabilidade social como estratégia para sobreviver às crises. Não tenho todas as respostas, mas para isso, precisamos focar em pessoas. As empresas não têm cara. Se as pessoas deixarem de se identificar com ela, as empresas perdem seus clientes, seus funcionários. Tudo começa e termina em pessoas.
“Sempre há instituições e pessoas comprometidas com o antirracismo. Agora, é preciso conectá-las e fazer este efeito rede”.
FNO: E este enfoque nas pessoas pressupõe uma postura antirracista?
Naira: Sim. É uma responsabilidade moral e ética de reescrever a nossa história enquanto humanidade. Todos nós temos essa responsabilidade, principalmente as pessoas não-negras e não-indígenas.
Sempre há instituições e pessoas comprometidas com o antirracismo. Agora, é preciso conectá-las e fazer este efeito rede.
FNO: Você afirmou que o Movimento também quer ajudar a democratizar o ESG mesmo para quem não está na área. O que isso significa?
Naira: Minha regra de vida é que todo conteúdo precisa ser compreendido tanto por uma criança quanto por um expert no assunto. Para quem nunca teve acesso a conhecimento sobre estes temas, queremos explicar o que é ESG, responsabilidade social, mudanças climáticas de uma forma que realmente vai trazer um interesse. Não precisamos falar de inventário de Gases do Efeito Estufa (GEE) para a população, isso pertence aos relatórios. Com as pessoas, precisamos falar sobre como a crise climática, como o ESG impacta diretamente na vida delas.
O Movimento ESG Antirracista, então, busca promover também essa educação e desmitificar essa sigla. O 3º setor já tem essa função de disseminar estas pautas, este ABC social. Mas estamos realmente sendo efetivos em nossas mensagens?
FNO: Para o Movimento, é possível falar em uma nova definição de ESG?
Naira: Não acho que temos uma definição diferente. O que acreditamos é que a interpretação sobre o que é o ESG, atualmente, é rasa. O Movimento traz uma visão mais sistêmica e abrangente do que estas letras significam, do que representam para a nossa realidade. Defendemos uma análise do que é ESG, e a sua incorporação na realidade brasileira de maneira profunda. Muito melhor do que só ‘performar’ a sigla, o que não gera impacto. O básico do básico não fomenta impacto. É para isso que precisar comparar e impulsionar interpretações distintas do que significa desenvolvimento sustentável.