Espaço institucional do terceiro setor precisa ser melhor definido

Por: GIFE| Notícias| 08/04/2002

Juntamente com o deputado federal Emerson Kapaz (PPS-SP), o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, José Eduardo Cardozo (PT), participará da mesa de debates A lei como expressão concreta do pacto social – o diálogo entre as organizações da Sociedade Civil e os Três Poderes do Estado durante o II Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado. Em entrevista ao redeGIFE ele falou sobre o assunto.

redeGIFE – As organizações da sociedade civil têm ocupado o novo espaço político surgido a partir da redemocratização de forma satisfatória, sobretudo junto aos poderes do Estado, ou existe desconhecimento e alguma dose de preconceito das partes sobre os novos papéis que passaram a ocupar na sociedade brasileira?
José Eduardo Cardozo – As Constituições são a síntese das relações de poder existentes em uma sociedade no específico momento histórico em que foram elaboradas. A Constituição brasileira de 1988 não é diferente. Ela caracteriza-se por ser uma verdadeira fotografia jurídica do momento social e político que se materializou na história brasileira no período que se segue ao fim do regime militar, instituído em março de 1964. Nela, afirma-se, institucionalmente, o princípio de que o Brasil é um Estado de Direito, com todas as suas naturais conseqüências no plano da estruturação dos poderes do Estado: ampliam-se os direitos e garantias assegurados a todos os brasileiros, agora na condição de verdadeiras cláusulas pétreas – regras inalteráveis por emendas constitucionais futuras -, e busca-se a descentralização política, desconcentrando-se competências e afirmando-se os Municípios como entes que efetivamente integram a Federação. Em síntese, firma-se o rompimento frontal com as estruturas autoritárias, centralizadoras e antidemocráticas, que marcavam a Constituição ditatorial de 1967 (em especial, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969) e seus arbitrários Atos Institucionais.
Todavia, apesar de apresentar interessantes mecanismos voltados para o exercício da democracia direta (como, por exemplo, a iniciativa popular de projetos de lei), a meu ver, o nosso texto constitucional foi tímido na definição de um espaço próprio a ser ocupado por organizações da sociedade civil, em um papel de colaboração ou parceria com o Estado. Talvez, no momento em que foi editado, as forças que derivavam da própria sociedade não se apresentassem de forma a exigir uma “”fotografia”” institucional diferente.
De 1988 para cá, porém, este quadro parece ter se alterado. A exemplo do que ocorria em centros desenvolvidos do planeta, o exercício da democracia e da própria cidadania, possibilitado pelo novo texto constitucional, permitiu o fortalecimento social de um novo espectro organizativo, com interferência direta nas relações sociais existentes. Assim, a necessidade de se definir um novo espaço institucional para um terceiro setor, regulado juridicamente em suas relações com o Estado e com o próprio mundo privado, se apresentou. Mas o quadro ainda se apresenta pouco definido e insatisfatório.

redeGIFE – O que falta para que as organizações do terceiro setor tenham uma representatividade efetiva juntoaos Três Poderes e ao Ministério Público?
Cardozo – No plano das normas infra-constitucionais surgiram alguns textos normativos tentando capturar esta realidade, em alguns casos, inclusive, com evidentes ofensas ao texto da própria Constituição vigente (como é o caso, por exemplo, da legislação federal que disciplina as denominadas organizações sociais que, segundo muitos juristas, seria manifestamente inconstitucional em diversos dos seus dispositivos). Porém, o atual quadro institucional, ao que nos parece, está muito aquém daquilo que poderia ser apresentado no desenvolvimento dessa nova realidade em nosso país. Assim, é necessário avançar na formulação de novos modelos institucionais, sem prejuízo de um melhor conhecimento dos limites hoje existentes, na busca de uma autêntica intensificação de políticas de cooperação e parceria.
Para tanto, sem dúvida, preconceitos precisam ser superados de lado a lado, a partir de um debate aberto, franco e plural em que posições políticas e ideológicas acerca do papel do Estado precisam ser explicitadas, aprofundadas e discutidas, sem patrulhamento ou censura prévia de qualquer natureza. Até para que – se não for possível o consenso em torno de alternativas de reformulação institucional – os planos de disputa sejam maduramente apresentados à sociedade e legitimamente acolhidos dentro das regras democráticas existentes.
É necessária uma redefinição do espaço institucional para que as organizações do terceiro setor possam vir a atuar, sem prejuízo das competências estatais e dos saudáveis controles que devem incidir sobre as atividades que lhe são próprias.

redeGIFE – Há disponibilidade dos Três Poderes em sentar à mesa para discutir as reivindicações das organizações do terceiro setor?
Cardozo – Do ponto de vista teórico, sim. Mas, do prático, nem sempre. O Estado brasileiro, apesar de reformulado pela Constituição de 1988, ainda é administrado a partir de estruturas políticas pouco transparentes, marcadas profundamente por relações fisiológicas e clientelistas. A disposição de “”sentar à mesa”” com o terceiro setor, muitas vezes, segue esta mesma lógica e os benefícios e as vantagens que parcerias e cooperações poderiam trazer para a sociedade ficam esquecidas. Por isso, não podemos duvidar de que a definição de novos espaços institucionais para o terceiro setor, ou mesmo a formulação de políticas estatais mais arrojadas nesta área, devem pressupor um enfrentamento ético radical com a realidade estrutural e cultural que predomina no Estado brasileiro.

redeGIFE – Qual o papel que cabe às organizações do terceiro setor na formulação de políticas públicas na área social?
Cardozo – Um papel importantíssimo que, a meu ver, ainda é pouco explorado pelas razões já expostas nas respostas anteriores. Há obstáculos institucionais, políticos e culturais que precisam ser enfrentados. A possibilidade de atuação é imensa na elaboração de propostas, implementação, acompanhamento e fiscalização de iniciativas diversas na área social.

redeGIFE – A imagem dos Três Poderes, especialmente do Legislativo, junto à sociedade constantemente vem sendo arranhada por casos de corrupção e desvio de poder. O senhor acredita que essa imagem prevaleça junto às lideranças do terceiro setor? Se sim, que tipo de ação conjunta pode ser desenvolvida no sentido de mostrar a importância do bom funcionamento destes Poderes para a democracia brasileira?
Cardozo – É evidente que esta imagem prevalece entre as lideranças do terceiro setor. E é natural que seja assim. Esta imagem não é descolada de um substrato real. Ela é fruto da nossa história, onde a distinção entre o público e o privado nunca se apresentou como uma característica das nossas relações políticas. Logo, não creio que devamos concentrar nossos esforços em políticas voltadas para a mudança da imagem dos nossos governantes e parlamentares. Nossos esforços devem ser concentrados na mudança da própria realidade – ainda hoje prevalecente – que formou, em larga medida, uma visão dos fatos condizente, lamentavelmente, com os próprios fatos.
E é aqui que ações conjuntas podem ser desenvolvidas. É de fundamental importância que programas voltados para a conscientização das pessoas em relação a pressupostos de conduta ética na gestão da coisa pública sejam implementados. O combate, no plano de ações pedagógico-sociais, a posições do tipo “”rouba mas faz”” ou “”é impossível governar sem locupletar-se””, apresenta-se como imprescindível à construção da própria cidadania ou de processos sociais em que a distinção entre o público e o privado seja um pressuposto. E, naturalmente, para que políticas de cooperação e parceria possam ser desenvolvidas sem preconceitos ou sem os “”aproveitamentos””, tão naturais na vida brasileira. O terceiro setor, como algumas experiências já demonstram, pode ter um papel insubstituível nestas ações.

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