Espaços museais e memória na construção de novos futuros
Por: GIFE| Notícias| 30/06/2025
© 2021 Ana Mello Fotografia / Divulgação Museu da Língua Portuguesa
“Atualmente, os museus não têm mais como foco exclusivo a preservação”. A fala da diretora executiva do Museu da Língua Portuguesa, Renata Motta, reflete uma transformação profunda no papel das instituições museais no século XXI. Mais do que guardiões de objetos e relíquias, os museus têm se tornado espaços vivos, voltados ao diálogo, à escuta e à construção coletiva de futuros possíveis.
No centro dessa transformação está a ampliação do conceito de memória. Já não se trata apenas de lembrar o que passou, mas de pensar o que lembramos, como lembramos, e, sobretudo, quem tem voz nesse processo.
“Os museus tornaram-se instituições dinâmicas, que ativam o patrimônio para que a sociedade possa refletir sobre seus caminhos e se reinventar. Essa atuação ocorre por meio de diferentes estratégias museológicas, que incluem a pesquisa e interpretação de acervos, a comunicação com múltiplos públicos por meio de exposições e programas culturais, e ações educativas voltadas ao desenvolvimento do pensamento crítico”, explica Renata Motta.
A criação recente do Centro de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas, por exemplo, aponta para uma dessas novas direções. O projeto – iniciativa do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP) e do Museu da Língua Portuguesa (MLP) com o financiamento da FAPESP -, reconhece e valoriza a diversidade linguística do país, abrindo espaço para povos historicamente silenciados. Ao reunir registros, documentos e produções sobre as mais de 175 línguas indígenas faladas no Brasil, o centro propõe não apenas a preservação desses saberes, mas sua circulação, reconhecimento e atualização como parte viva do presente e do futuro brasileiro.
Renata Motta destaca que essa mudança de paradigma está profundamente ligada ao compromisso com a diversidade, a valorização e difusão da língua portuguesa quanto à promoção do multilinguismo.
“Desde a reabertura do Museu da Língua Portuguesa, em julho de 2021, temos aprofundado o trabalho com as diversas línguas que compõem a formação do português no Brasil”, destaca a diretora executiva do museu. “O Centro busca pesquisar, documentar e difundir as línguas indígenas no Brasil, que possuem enorme riqueza e diversidade e, em muitos casos, correm risco de desaparecer. A criação deste centro é fundamental para afirmar o direito à memória, ao conhecimento e à preservação cultural dessas línguas que são parte da nossa diversidade cultural”, completa.
Desafios e papel do ISP no fortalecimento da memória
No entanto, essa reinvenção dos espaços museais encontra inúmeros desafios. Manter instituições culturais abertas, acessíveis, atualizadas e dialogando com a sociedade exige investimentos contínuos, capacitação de equipes, atualização tecnológica, descentralização territorial e construção de parcerias com comunidades. Em um país onde a cultura ainda enfrenta orçamentos públicos instáveis e políticas de fomento intermitentes, esses desafios se tornam ainda mais complexos.
“A diversificação das fontes de recursos é essencial para garantir a sustentabilidade financeira dos museus. No caso do Museu da Língua Portuguesa, que é vinculado ao Governo do Estado de São Paulo, contamos com repasses de recursos públicos para o custeio básico da operação”, detalha Renata, que também destaca a importância do Investimento Social Privado (ISP) nesse contexto. “No entanto, é imprescindível o ISP para viabilizar o aprimoramento e a ampliação das atividades oferecidas ao público — realidade que se observa em museus no mundo todo.”
Nesse sentido, Renata Motta observa que há um amadurecimento crescente por parte das empresas quanto à importância do ISP em museus e projetos culturais. Ainda assim, ela aponta que grande parte desses recursos continua atrelada a mecanismos de incentivo fiscal, como a Lei Rouanet. Para ela, as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU têm contribuído para ampliar o reconhecimento da cultura como um dos pilares de um mundo mais sustentável.
“O ISP é fundamental. Reconhecer que o museu é um espaço de todos nós — uma instituição que contribui para a formação de cidadãos críticos e criativos, apoia a educação e fomenta vínculos comunitários — é essencial para que empresas, indivíduos e governos atuem juntos no fortalecimento de sua missão”, conclui.