Cultura de volta à cena: a retomada dos investimentos públicos e privados no setor

O primeiro especial redeGIFE de 2023 é sobre a volta à cena da Cultura no Brasil. Após dois anos de pandemia, que impactaram diretamente no setor, e extinção do Ministério da Cultura (MinC) em 2019, a área volta a se movimentar com o retorno do ministério e retomada das atividades.  Ouvimos especialistas, gestores culturais e representantes do ISP para saber o que esse período reserva e o que é preciso ser feito. Em infográfico, trazemos números dos investimentos públicos e privados no país.

No Brasil, a cultura é um direito constitucional e dever do Estado. Independente disso, a área sempre integrou a lista de temáticas apoiadas pela filantropia e o Investimento Social Privado (ISP). Após três anos de pandemia, que afetaram diretamente o setor, o país vive um período de retomada nos investimentos públicos e privados. 

Fazendo um retrospecto, o produtor cultural e especialista em investimento social privado com foco na cultura, Jonas Nogueira, acredita que é perceptível um amadurecimento da atuação do ISP brasileiro na cultura.

“A iniciativa privada é um agente muito importante na cultura. Ao ponto de influenciar as lógicas de produção e a organização do campo no mundo todo.”

Importância da retomada do MinC

O Ministério da Cultura (MinC) foi criado em 1985, no primeiro governo civil pós ditadura militar. Em junho de 2019 ele foi extinto e deu lugar à Secretaria Especial da Cultura, dentro do Ministério do Turismo. Esse ano, a pasta foi refundada com orçamento recorde de mais de R$ 10 bilhões. 

Apesar do recurso, ainda há desafios, aponta Jonas Nogueira. 

“A gente não pode esquecer que infelizmente a cultura nunca foi prioridade nos programas de governo no Brasil até hoje.”

Para Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos, a cultura vai precisar de políticas que ultrapassem as gestões. “Muitas vezes acontecem interrupções, como ocorreu com o governo federal, e é preciso reconstruir tudo. Então é importante uma política que permaneça e ultrapasse os governos.”

A percepção dessa retomada entre os atores da filantropia é positiva. O vice-presidente de Operações da ArcelorMittal, Erick Torres, chama atenção para a força econômica da cultura nesse processo. “A cultura tem que ser tratada como investimento, não como custo.”

“A cultura tem que ser tratada como investimento, não como custo.”

Erick Torres, vice-presidente de Operações da ArcelorMittal

Foto: Emanuel Tadeu

Para Jaqueline Vasconcellos, coordenadora geral do Instituto Arte na Escola, mantido pela Fundação IOCHPE, a retomada do MinC é um ganho para a sociedade brasileira.

Para ela, a transformação do Ministério em secretaria desacelerou o crescimento da indústria cultural brasileira. “Para cada valor investido em cultura, estima-se que pelo menos 60% retorne à sociedade em forma de geração de empregos.”

Para o diretor presidente do Instituto Cultural Vale, Hugo Barreto, o maior destaque do retorno do MinC é a diversidade. “A volta da pasta vem com um olhar voltado para a diversidade cultural, o que é muito bem-vindo.”

Leis de incentivo fiscal e ISP

Em 1986, o então presidente José Sarney sancionou a Lei Sarney, que até 1990 permitiu abater do Imposto de Renda doações (100%), patrocínios (80%) e investimentos (50%) em cultura. 

Hoje, a Lei Rouanet é continuamente a preferida pelas organizações. De acordo com o Censo GIFE 2020, 32% das organizações respondentes fizeram uso de incentivos fiscais. Destas, 23% optaram pela Lei Rouanet.

O incentivo fiscal, explica Jonas Nogueira, permite ao Estado descentralizar a governança desse recurso. Apesar dos benefícios, o pesquisador defende que há grande necessidade de reformulação. 

“A verba oriunda de incentivo fiscal não pode ser a única fonte de financiamento à cultura destinada pela empresa. Para gerar impacto social ela também precisa utilizar verba direta.”

Foto: Nigel SB

Nesse sentido, destaca a meta 11.4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: fortalecer esforços para proteger o patrimônio cultural e natural do mundo. Indicador calculado pelo total de despesas públicas e privadas nessa preservação. “Ou seja, o investimento em cultura é responsabilidade do Estado. Mas a iniciativa privada pode contribuir. E deve contar com fontes de financiamento além da isenção fiscal.”

As experiências são diversas. Em 2022, o braço filantrópico da Vale destinou R$ 25 milhões exclusivamente à Chamada Instituto Cultural Vale. A Fundação ArcelorMittal desenvolve projetos como o Diversão em Cena, maior programa de formação de público para teatro infantil do país.  Outra iniciativa é o ArcelorMittal Forma e Transforma, que promove ações de formação. Já o Instituto Arte na Escola, mantido pela Fundação IOCHPE, tem um papel próprio de formação de arte educadores.

Impacto de investimentos na pandemia

O impacto da pandemia de Covid-19 na cultura se desenrolou de diversas formas. Do lado do poder público, as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo promoveram investimentos emergenciais no setor.

No ISP, o reflexo foi uma queda no investimento. Isso porque, conforme dados do Censo GIFE 2020, a atuação em outras áreas se ampliou no contexto de enfrentamento da crise sanitária. Em contrapartida, algumas temáticas tiveram recuo, em especial esporte e lazer (redução de 22%) e cultura e artes (15%).

Foto: André Moura

O ISP pode fazer mais

Jonas Nogueira observa que sempre que o ISP agrega uma prática nova à sua forma de investir, o campo da cultura precisa se adequar. Desde algo simples, como um novo modelo de formulário para a seleção de projetos, até a inserção de práticas de compliance.

Na avaliação de Jaqueline Vasconcellos, dificilmente instituições de pequeno porte podem sobreviver e executar seus planejamentos sem os incentivos fiscais. O que se agrava no setor cultural, já que considera pouco o apoio do ISP na área.

“Enquanto empresas e fundações continuarem vendo a cultura como um apêndice do assistencialismo social, instituições que trabalham para a área dependerão diretamente da execução de projetos financiados e, por conseguinte, da política aplicada naquele momento histórico”, critica.

Para potencializar o setor, cabe à filantropia fortalecer os segmentos culturais. “Principalmente aqueles 23% que no último Censo GIFE indicaram fazer uso da lei de incentivo à cultura”, destaca Jonas Nogueira. “A cultura tem potencial de trabalhar inúmeras temáticas. Mas é preciso fortalecer as instituições culturais para que elas possam continuar existindo. E isso vai muito além do puro investimento”, finaliza o especialista. 

Expediente

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COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
REPORTAGEM/TEXTO & INFOGRÁFICO

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