Desmatamento zero na Amazônia depende de alternativas às atividades ilegais na floresta

Falar da Amazônia nunca é demais. Afinal, trata-se da maior floresta tropical do mundo e sua preservação está diretamente relacionada com o futuro do planeta.  No especial redeGIFE de setembro conversamos com os atores da filantropia que trabalham pela preservação da floresta e apontamos os caminhos, possibilidades e urgências para os desafios da região

O desmatamento na Amazônia caiu 48% nos primeiros oito meses de 2023. Os dados são do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. 

Para Virgílio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), o governo federal fez avanços nas políticas relacionadas à Amazônia, resultando nos índices de redução do desmatamento e atividade garimpeira. 

A preocupação com a floresta é necessariamente uma responsabilidade do Estado, tendo em vista a Constituição Federal de 1988, que prevê o dever de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações. No entanto, os desafios impostos pela preservação da Amazônia nos últimos anos mostram que esse é um trabalho multisetorial.

Uma pesquisa feita pelo Pacto Global da ONU no Brasil com 160 empresas mostrou que 59% já realizou alguma análise de risco de sua operação diante da crise climática. Porém, são poucas as que já olharam para a Amazônia, principal regulador climático do mundo, como elemento fundamental.

“As empresas começam a entender a importância de não serem associadas com o desmatamento. O setor privado não é um problema, pode ser a solução”, aponta

MARIA NETTO, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

Já Renata Piazzon, diretora geral do Instituto Arapyaú e conselheira do GIFE, defende que, apesar da urgência em zerar o desmatamento, esta agenda não deve ser isolada. “Deve ser acompanhada por ações estruturantes entre agendas sociais, ambientais e econômicas, para impedir que atividades relacionadas ao desmatamento sejam consideradas atrativas economicamente.”

Importância da sociedade civil organizada e da filantropia

No decorrer das décadas, a atuação da sociedade civil organizada tem assumido um espaço cada vez maior. “No começo, o trabalho do iCS era focado em mudança do clima, cidades e energia. Com o tempo e contexto brasileiro, o uso da terra, o desmatamento, proteger a biodiversidade e os recursos naturais se tornou cada vez mais relevante”, lembra Maria Netto.

Na linha do tempo dessa trajetória, a diretora ressalta a última gestão federal, período em que o desmatamento alcançou recordes. “Era um governo antagônico ao tema ambiental. O papel da filantropia foi manter as atividades das ONGs. Hoje, há consciência da importância da Amazônia para a economia. Passamos de um trabalho de resistência para construção. É mais complexo, mas importante a longo prazo.”

Para a representante da Fundação Avina no Brasil, Ana Carolina Lourenço, o período trouxe prejuízos pela tentativa de fazer um contraponto entre justiça social e distribuição de renda, com a questão climática, o bem-estar do ecossistema e o desmatamento. “Como se existisse uma contradição entre esses dois pólos.”

Virgílio Viana concorda, mas também observa que o interesse do investimento social privado (ISP) ainda é muito mais no sentido de debater a Amazônia do que um investimento em ações concretas.

“O ISP ainda precisa ampliar seu engajamento com Amazônia nas suas diferentes frentes: educação, geração de renda, conservação ambiental, saúde. Há um desconhecimento sobre a realidade amazônica.”

VIRGÍLIO VIANA, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS)

Retomada do protagonismo do Brasil

Mais recentemente, em 2022, organizações brasileiras assinaram o Compromisso Internacional da Filantropia sobre Mudanças Climáticas, durante a COP 27, no Egito.

Renata Piazzon chama atenção para a retomada do Brasil nos debates multilaterais e internacionais. Como a 15ª edição da Semana do Clima em Nova Iorque; a Cúpula da Amazônia, sediada em Belém (PA) em agosto, a reunião do G20 e a COP30, também a serem realizadas em solo brasileiro.

“O mundo sabe que a descarbonização e a segurança climática passam pelo papel do Brasil, sua agricultura tropical e novas economias associadas à biodiversidade.”

RENATA PIAZZON, diretora geral do Instituto Arapyaú e conselheira do GIFE.

Pensando nisso, Maria Netto acredita que há espaço para avançar mais rapidamente em ações de inovação financeira e tecnológica para energia renovável.

“É preciso olhar com mais atenção a necessidade não só de conservar, mas reflorestar, escalar áreas preservadas, recuperar áreas degradadas, para absorver os gases de efeito estufa e não chegar a uma situação desastrosa.”

De acordo com o relatório técnico do primeiro Global Stocktake, divulgado no dia 9 de setembro, apesar dos avanços, os países-membros da COP precisam acelerar as ações para alcançar as metas do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura da Terra em 1,5ºC.

“Uma aposta estratégica aproveitando o contexto de grandes eventos é reconectar grupos, setores e movimentos que em algum momento estiveram engajados numa narrativa pró-justiça socioambiental, e não mais nessa polarização que foi tensionada em todo país, mas que teve na Amazônia um dos seus lugares mais centrais” completa Ana Carolina Lourenço.

A importância da atuação local

Maria Netto destaca a atuação da filantropia em nível local, enfrentando a pobreza, informalidade, falta de infraestrutura, ilegalidade e promovendo uma bioeconomia sistêmica. De acordo com ela, o trabalho em conjunto entre organizações tem sido um dos principais aprendizados. Isso porque, afirma a diretora, não são incomuns críticas à filantropia por promover projetos “dispersos e sem escala.” Ou ações pontuais, no caso de empresas que possuem negócios na região.

“É verdade, mas vem mudando. As filantropias vêm colaborando mais entre elas, escalando o modelo de bioeconomia e buscando alternativas à mineração informal, tráfico de drogas e atividades ilegais.”

Nesse sentido, o GIFE promoveu um Encontro Fechado das Lideranças do ISP durante a Cúpula da Amazônia para mapear estratégias de diferentes atores da filantropia na Amazônia e incentivar a colaboração.

Ana Carolina Lourenço reforça a importância da atuação local, com prioridade em relação às comunidades vulneráveis que sofrem com os impactos do desmatamento e das mudanças climáticas. Sejam populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas, sejam populações no contexto urbano das cidades amazônicas.

“É preciso priorizar as agendas democrática e de governança. A Amazônia é entendida na filantropia como um bioma, e as pessoas que lá vivem como mais um dos seres desse bioma. São seres humanos, mas não são cidadãos, que enfrentam impactos muito concretos”

ANA CAROLINA LOURENÇO, representante da  Fundação Avina no Brasil.

Ellen Acioli, ponto focal do Programa Vozes pela Ação Climática (VAC), também da Fundação Avina, acredita que as principais estratégias para preservação e defesa da Amazônia, perpassam pelo protagonismos das organizações, movimentos e coletivos locais.

“Não existe enfrentamento à crise climática sem proteção territorial.”

ELLEN ACIOLI, ponto focal do Programa Vozes pela Ação Climática (VAC) da Fundação Avina

Algumas das principais estratégias apontadas pelos atores do investimento social são:

Para Virgílio Viana, a diversidade dos territórios da Amazônia é um ponto de atenção, que demanda abordagens diferenciadas, sistêmicas e envolvendo todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). “Acreditamos que o caminho para o desenvolvimento sustentável é focado nas pessoas de um lado e na economia de outro. O ISP deveria sair da sedução de ser monotemático, para uma abordagem sistêmica”, finaliza.

Foto:

Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Geovana Miranda
ANALISTA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
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DESIGN & DESENVOLVIMENTO


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