Que calorão!! Aquecimento global afeta principalmente mais pobres, pessoas negras e mulheres

O aquecimento global tem ocasionado episódios recorrentes de calor extremo no mundo. De acordo com o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em 2023 a quantidade de países que registraram altas temperaturas bateu recorde. No Brasil, pesquisa aponta que os grupos mais vulneráveis são as pessoas com menor nível de escolaridade, negros, idosos e mulheres. No primeiro especial redeGIFE deste ano, conversamos com especialistas sobre o tema e atores/atrizes do investimento social para entender como mitigar as consequências das mudanças climáticas 

O ano de 2023 foi considerado o ano mais quente já registrado no mundo, no entanto 2024 pode superar essa marca. No Brasil o cenário é bastante preocupante, como apontado por pesquisadores brasileiros e portugueses em janeiro deste ano no periódico científico Plos One. Os dados mostram que o calor extremo aliado à desigualdade social provocou 48 mil mortes entre 2000 e 2018

O estudo foi elaborado em 14 capitais e constatou que entre os principais fatores responsáveis pelas mortes estão as doenças do aparelho circulatório, respiratório e as neoplasias. Os grupos mais vulneráveis são as pessoas com menor nível de escolaridade, negros, idosos e mulheres, grupos com menos recursos e condições fisiológicas para adaptação as altas temperaturas. 

O Ministério da Saúde tem divulgado iniciativas de proteção, como evitar exposição direta ao sol entre 10h e 16h; uso do protetor solar, de chapéus e óculos escuros; manter a hidratação. Indicações reforçadas por Fernando Augusto Alves da Costa, médico cardiologista da Beneficência Portuguesa (BP).

“Em situação de calor excessivo, o organismo precisa eliminar essa alta temperatura e a sudorese [suor] é a melhor forma. Se durante a sudorese o corpo está perdendo líquido, é preciso reabastecê-lo para resfriar o organismo.”  Fernando Augusto Alves da Costa, médico cardiologista da Beneficência Portuguesa (BP).

De acordo com o médico, quando isso não se cumpre, o organismo passa por desidratação, acumulando calor no corpo o que leva a exaustão, cansaço, tontura, irritação e pode provocar desmaios.

O vendedor de camarão Roberto Vieira já vivenciou estes efeitos. “Isso aconteceu em um dia de muito calor, na ocasião meu irmão estava usando um boné de palha e isso fez com que a sua cabeça esquentasse bastante fazendo ele passar mal”, relembra seu irmão gêmeo e companheiro de trabalho, Ricardo Vieira. 

Os gêmeos do camarão, como são conhecidos, trabalham de sol a sol nas praias do Rio de Janeiro, uma das capitais abordadas na pesquisa e que atingiu temperaturas próximas a 40º, com sensação térmica acima de 50º em 2023

“Se o organismo não dá conta do recado perante uma situação de alta temperatura, ele além de partir para a exaustão pode desencadear em algum quadro de insolação”, alerta o cardiologista Fernando Augusto.

Atividade humana é a maior causa do aumento das temperaturas

Há mais de 2 mil quilômetros dos gêmeos do camarão, em Cabo de Santo Agostinho (PE), os impactos das altas temperaturas não são diferentes. Apesar de localizado no bioma nativo da Mata Atlântica, a coordenadora Geral do Fórum Suape Espaço Socioambiental, Simone Lourenço, afirma que a comunidade nunca sofreu tanto com o calor.

“Com a intensificação da indústria no território e ampliação do Complexo Industrial Portuário de Suape essa vegetação vem sendo devastada. Isso gerou uma mudança drástica na estética da paisagem e no clima local.”

Matheus Pereira, co-fundador do Instituto Duclima, alerta para as raízes desse quadro. Ele explica que hoje a atividade humana já representa a maior causa do aumento das temperaturas médias, em especial a partir dos anos 2000, com aumento das taxas de industrialização. O ativista chama atenção ainda para uma provável piora desse cenário. As projeções futuras são de que esse número aumente substancialmente, ampliando o número de óbitos, o que é mais alarmante.”

“O racismo ambiental é um dos grandes problemas do nosso tempo”

Simone Lourenço relata que os graus elevados de temperatura têm colocado em risco os meios de produção local das comunidades tradicionais. “Hoje nos deparamos com um quadro de problemas respiratórios e de pele nunca vistos. As/os pescadoras/es passam por dificuldade ao trabalhar por conta da alta temperatura. Sobretudo, porque diante do cenário de degradação, precisam passar mais tempo expostos ao sol para conseguir os produtos”. Para ela, o panorama é agravado pelo racismo. 

Percepção também apontada pelo doutor em geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Coimbra (UC), Jémison Mattos, que elenca o racismo ambiental como um dos grandes problemas do nosso tempo, e aponta a Declaração e Plano de Ação de Durban (2001) como destaque no tema. “Nesse documento, a questão ambiental foi associada à saúde das populações negras. É nesse momento que a discussão de racismo ambiental no Brasil aparece, porque não tinha sido contemplada durante a ECO-92.”

Sistemas de saúde precisam ser resilientes

Para Evelyn Santos, gerente de articulação e parcerias da Umane, o Sistema Único de Saúde constitui uma grande oportunidade para lidar com os desafios impostos pelas mudanças climáticas. Considerando os três objetivos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para lidar com este cenário, a gerente destaca dois fundamentais para contribuição do Investimento Social Privado:

  • Construção de sistemas de saúde mais resilientes e ambientalmente sustentáveis;
  • Capacidade de proteger a saúde da população da variedade de impactos causados pelas mudanças climáticas.

“Este desafio se relaciona com a necessidade de avançarmos com equidade e pensarmos soluções voltadas para a avaliação de vulnerabilidades, desenvolvimento de planos que integrem riscos climáticos, e de sistemas de vigilância e resposta que relacionem os diversos setores envolvidos.”

Adaptação Climática

Para enfrentar esse quadro, os debates sobre adaptação climática são crescentes, e Jémison Mattos chama atenção para a não garantia de serviços básicos nas periferias e áreas rurais. 

“Nem todos têm condições para usufruir de serviços privados como ar-condicionado, e moradia arejada, no local adequado. Com as constantes ondas de calor e temperaturas elevadas, a falta de água tende a aumentar e causar mais mortes de parte expressiva dessa população”, alerta, indicando soluções, como a instalação de bebedouros e banheiros públicos nos bairros e nas áreas centrais e periféricas das cidades.

Simone Lourenço defende a garantia da aplicação das leis quanto ao uso dos recursos naturais, considerando a importância da manutenção e preservação dos ecossistemas e dos modos de vida. Assim como a partir da construção de políticas públicas de mitigação e adaptação eficazes, que dialoguem com a realidade do território.

Também no âmbito das adaptações climáticas, Evelyn Santos recorre às recomendações da OMS através de ações como uma transição rápida e equitativa para uma economia de energia limpa.

Diversas iniciativas ao redor do globo também têm encarado a urgência do tema, como o Fundo Subnacional para o Clima Global (SnCF). “Existem dezenas de fundos que investem em temáticas de mudanças climáticas. A maioria dos financiamentos são para mitigação, mas não são valorizados. As organizações privadas têm a oportunidade única de sair na frente e acelerar as medidas de adaptação”, finaliza Jémison Mattos.

Entrevistados

Fernando Augusto Alves da Costa

Médico cardiologista da Beneficência Portuguesa (BP)

Roberto e Ricardo Vieira

Vendedores de camarão

Matheus
Pereira

Co-fundador do Instituto Duclima

Evelyn
Santos

Gerente de articulação e parcerias da Umane

Simone
Lourenço

Coordenadora Geral do Fórum Suape Espaço Socioambiental

Jémison
Mattos

Doutor em geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Coimbra (UC)

Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Geovana Miranda
ANALISTA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
REPORTAGEM/TEXTO

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO

Agência Brasil
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