Especialistas debatem ensino público brasileiro

Por: GIFE| Notícias| 21/06/2010

Rodrigo Zavala

No último dia 17 de junho, em Brasília, uma criança de cinco anos, hiperativa, amarrada e amordaçada à cadeira por sua professora, com 30 anos de docência, é mais um sintoma do que a torrente de pesquisas e debates realizados na semana passada mostrou sobre a educação básica brasileira.
Pelo que se viu no decorrer dos dias é que o ensino ainda não é visto de forma sistêmica, que coloque gestores e educadores no centro de políticas públicas, envolva diferentes setores da sociedade e traga alternativas educacionais que coloquem o aluno – com gosto – em uma sala de aula com qualidade.
Coincidência ou não, organizações como o Instituto Desiderata, Cenpec, Instituo Unibanco, Movimento Todos pela Educação e Fundação Carlos Chagas, tal como o Ministério da Educação e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, mostraram, cada um a sua forma e espaço, os porquês dos baixos resultados educacionais do país e da crise de audiência em todas as fases do ensino básico.
Embora seja sabido que o sistema público de educação brasileiro não ande bem das pernas, também se sabe que o país avançou muito nas últimas décadas. No entanto, é possível constatar que, quando há muitas emergências no caminho, torna-se difícil enxergar as prioridades.
Ensino Infantil

De acordo com a Fundação Carlos Chagas, em parceria com o Ministério da Educação e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a educação infantil brasileira merece nota 3,4, numa escala de zero a dez. O diagnóstico é da pesquisa “”Educação Infantil no Brasil: avaliação qualitativa e quantitativa””, divulgada no dia 14 de junho.
O levantamento analisou a qualidade da creche (de 0 a 3 anos) e da pré-escola (4 e 5 anos) em seis capitais de todas as regiões do País (Belém -PA, Campo Grande-MS, Florianópolis-SC, Fortaleza-CE, Rio de Janeiro-RJ e Teresina-PI). O número, que em qualquer escola, seja pública ou particular, teria ganhado o epíteto de fracasso escolar, pela pesquisa recebeu o eufemismo de “nível básico”. As demais nomenclaturas são: inadequado (1 a 3), adequado (5 a 7), bom (7 a 8,5) e excelente (8,5 a 10).
Foram avaliados 43 aspectos divididos nas seguintes áreas: espaço e mobiliário (média 3,1); rotinas de cuidado pessoal (4,1); linguagem e raciocínio (3,7); atividades (2.3); interação (5,6); estrutura do programa (2,5) e pais e equipe das escolas (3,6).
No quesito transparência, há apuro nas informações já que é a primeira vez que se tem acesso a tópicos aprofundados das condições do ensino infantil no País. O que está em suspeição, no entanto, é o sistema de financiamento e a melhoria da qualidade da oferta para matricular o novo volume de crianças de 4 a 5 anos, segundo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), aprovada em 2009, que amplia a obrigatoriedade da pré-escola até 2016. Lembrando que a família também pode ser penalizada se não fizer a matrícula.
Segundo dados do MEC, hoje, 78% das crianças de 4 e 5 anos estão na escola. Na faixa etária até 3 anos, que não é obrigatória, o atendimento é de 18% dessa população
Alfabetização

Em artigo escrito para o jornal O Estado de S.Paulo, dia 15 de junho, o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Araujo e Oliveira, afirmou que as 19 cartilhas de alfabetização aprovadas pelo Ministério da Educação (MEC) em 2009, e que estão em uso na maioria das escolas públicas, são obsoletas.
“Dentre as 265 referências bibliográficas citadas nas 19 cartilhas, apenas cinco se referem a estudos especificamente voltados para os aspectos centrais da alfabetização, isto é, o funcionamento do código alfabético. Nas cinco, dois autores são os mais citados. Trata-se dos mesmos que o MEC vem mencionando desde que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) entronizaram as ideias ultrapassadas e equivocadas que continuam desorientando os professores em todo o País”, escreveu.
O prejuízo pedagógico é óbvio. Cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) decidir se isso constitui delito de improbidade administrativa por parte de quem deu e de quem aceitou os pareceres sobre essas cartilhas.
“Não sabemos o que o TCU e o MEC farão para correr atrás do prejuízo. Mas sabemos quais são os resultados dessa política: no 5.º ano do ensino fundamental, metade das crianças não consegue entender o que lê. E agora sabemos por que Joãozinho não aprende a ler, no Brasil”, argumentou.
Ensino Fundamental

Em debate realizado pelo Instituto Desiderata e o Cenpec, na última quarta-feira, dirigentes de institutos e fundações em São Paulo, apresentaram as principais questões da escola de 6º ao 9º ano. No encontro, que faz parte de uma série promovida pelo instituto, Maria Amabile e Maria do Carmo Brant, do Cenpec, afirmaram: “O modelo atual da escola está exaurido. É preciso ter ousadia para fazer rupturas a partir de um novo modelo que aproveite as potencialidades dos alunos”.
Nas contas apresentadas por elas, “apenas 55% dos jovens de 15 a 17 anos têm o Ensino Fundamental completo”. O que aconteceu com os 45%? Um levantamento realizado pelo Instituto Desiderata, utilizando-se de amostras da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Inep, Censo Escolar podem apontar o problema.
O exemplo vem do Rio de Janeiro, propriamente o sistema educacional público do município, um dos maiores da América Latina, com uma rede de 560 mil alunos, 36 mil professores e 986 escolas de ensino fundamental, com indicadores educacionais acima da média nacional. No índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), por exemplo, a nota é de 4,3, no Ensino Fundamental 2 (6 ao 9 ano), frente a média nacional de 3,8.
O número falam por si. No município há 355.307 (Censo) de crianças e adolescentes com idade para estar no segundo segmento do ensino fundamental. Destas 249.502 (SME) estão matriculadas na rede pública, 98.549 (Inep) na particular. Excetuando-se a sobra desta conta, deve ser visto o número de matrículas por série.
Se em 2009, 84.934 estudantes ingressaram na 6ª série, apenas 67.607 foram para 7. No mesmo período, 57.964 estavam na 8ª , mas apenas 49.723 conseguiram entrar no 9ª ano. Isso explica a defasagem idade-série e, mais para frente, a taxa de evasão escolar.
Mais alarmante ainda são os dados do Saeb, que mostram que apenas 20,80% de alunos aprendem o que era esperado sobre português na 8 série, percentual que cai para 12% quando o tema é matemática. Isso quer dizer que, numa sala com 40 alunos, apenas oito aprendem – ou 5, em exatas. Os resultados, diga-se, estão em um Município que está acima da média nacional do Ideb.
No evento do Instituto Desiderata e do Cenpec, Maria do Pilar Lacerda, Secretária de Educação Básica do MEC, concordou: “A escola de hoje é muito conservadora. A estrutura do 6º ao 9º ano é ultrapassada, por isso é importante essa discussão focada no segundo segmento.”
Durante o debate com a platéia, questões como desenvolvimento de lideranças nas escolas, capacitação de diretores e coordenadores pedagógicos foram discutidas. Francisco Azevedo, presidente do Instituto Camargo Correa, colocou que “as fundações (de investimento social privado) não devem só ir atrás de problemas, devem também valorizar os bons resultados”.
Ensino Médio

O efeito dominó é empírico, de acordo com estudos divulgados pelo Instituto Unibanco, em evento realizado em parceria com o Movimento Todos pelo Educação. Segundo a superintendente do instituto, Wanda Engel, do total da população entre 15 e 17 anos (cerca de 10 milhões), apenas 48% estão corretamente na sala de aula. Dos 3,6 milhões que se matriculam no ensino médio, apenas 1,8 milhão se formam. “”Isto é, morre na praia””, diz.
A conclusão do Ensino Médio é vital para esses jovens. “”Ou você tem 11 anos de estudo ou não entra no mercado de trabalho””, acredita Wanda. Ela cita, por exemplo, o caso da Índia e sua discrepância com Brasil: o estágio de desenvolvimento do país e o percentual da População Economicamente Ativa (PEA) com escolaridade média no Brasil é de 16,4%; na Índia, em que o índice de analfabetismo é de 40%, esse percentual vai a 28,2.
A taxa de abandono é de 13,3% no ensino médio contra 6,7% de 5ª a 8ª série e 3,2% de 1ª a 4ª série. Os jovens têm o menor índice de aprovação: apenas 74% contra 79,6% na segunda fase do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e 85,6% na primeira fase do ensino fundamental (da 1ª a 4ª série). A evasão escolar entre os jovens, aliada ao baixo rendimento na escola, provoca o já chamado “”apagão”” de capital humano.
“”Hoje faltam profissionais para uma série de postos de trabalho. Essa tendência tende a se agravar futuramente, se não houver ações para enfrentar o problema, pois a qualificação de um profissional prescinde no mínimo do ensino médio completo. Para um país como o Brasil, que pretende crescer, esse é um sério entrave””, analisa Wanda.
Enquanto isso…

Na percepção da população, no entanto, segundo a pesquisa “”A educação na agenda do próximo governo””, encomendada ao Ibope pelo movimento Todos pela Educação, o ensino básico público brasileiro (que inclui os níveis infantil, fundamental e médio) melhorou.
Em um levantamento feito em maio deste ano, 34% dos entrevistados optaram por avaliar a educação pública como ótima ou boa – ante 25% em 2006. Além disso, mais gente acha agora que o ensino público está melhorando – 61% neste ano contra 52% quatro anos atrás.
Mesmo com essa melhora na percepção, o ensino básico ainda recebe conceitos piores do que a educação superior pública, que é vista como ótima ou boa por 45% dos entrevistados – percentual que caiu em relação a 2008, quando era de 55%.
A pesquisa pretende retratar o universo de eleitores do país, por isso foram entrevistadas 2.002 pessoas com 16 anos ou mais.

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