Estudo analisa cobertura e percepções da imprensa sobre a atuação das Organizações da Sociedade Civil

Por: GIFE| Notícias| 26/01/2015

Em qualquer sociedade democrática o papel da imprensa é de extrema relevância para o fortalecimento dos direitos humanos, a partir da denúncia de violações ou da promoção de um amplo debate público sobre o tema. Contudo, esse vasto ecossistema que compreende os profissionais e as estruturas de comunicação nem sempre operam de forma a fornecer ao público um retrato consistente do que são – e como se relacionam – cada um dos setores que compõe uma sociedade.

Quando olhamos para o campo social, ou seja, o universo que engloba as Organizações da Sociedade Civil e suas interfaces com outros setores, percebemos certa distorção. Muitas das questões abordadas nos noticiários se distanciam de agendas de interesse do país e recaem apenas sobre temas mais polêmicos.

Atenta a esse complexo e importante cenário, a ANDI – Comunicação e Direitos, em parceria com a Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil (OSC), lançou uma publicação que olha para as relações entre a imprensa e o campo social no Brasil. A pesquisa “Análise de Mídia – A imprensa brasileira e as organizações da sociedade civil” revela as tendências da cobertura noticiosa no país, apontando acertos e desafios a serem discutidos e enfrentados, especialmente entre profissionais da mídia e das OSCs.

Uma das grandes contribuições da publicação é demonstrar a mútua responsabilidade de jornalistas e fontes de informação sobre a construção do noticiário”, comenta Antônio Augusto, diretor executivo da ANDI.

A origem

A inciativa nasceu após sistematização de reflexões que pautaram o seminário Imprensa e Organizações da Sociedade Civil, realizado entre 13 e 14 de março de 2014, em Brasília. O evento reuniu jornalistas dos principais meios de comunicação do país e lideranças sociais, representando entidades da sociedade civil, organismos internacionais, academia, setor empresarial e governo.

Além desses registros, foram incorporados dados de pesquisas sobre a atuação das organizações participantes do encontro e trechos de entrevistas com lideranças sociais. Também compõe a publicação um conjunto de insumos, resultado de um universo de análise que compreendeu 4 revistas e 40 jornais, monitorados por um período de seis anos (janeiro de 2007 a dezembro de 2012).

De acordo com a publicação hoje vivemos “um modo de operação que não vem favorecendo o desenvolvimento das OSCs – e que, portanto, precisa ser superado, a partir da ação não só dos comunicadores, mas de suas fontes de informação, uma vez que as narrativas dos meios de comunicação de massa (portanto, as perspectivas positivas e negativas nelas identificadas) são construídas na interação entre esses dois grupos de atores sociais.”

Nesse sentido, a ANDI – Comunicação e Direitos e seus parceiros oferecem mais uma importante contribuição à imprensa brasileira e ao campo social. A pesquisa aborda como anda a cobertura jornalística na atualidade e quais são os possíveis caminhos para a melhoria da comunicação mediática no nosso país.

O estudo é um importante instrumento de mediação do diálogo entre esse setor e a imprensa, que precisa avançar, pelo bem da sociedade brasileira”, avalia Suzana Varjão, editora da publicação.

São apoiadores dessa iniciativa a Petrobras, a Aliança Interage, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG, a Fundação Grupo Esquel Brasil, a Fundación Avina, o GIFE, o Instituto C&A e a União Europeia.

Resultados e destaques da pesquisa

Entre as diversas análises possíveis a partir dos resultados da pesquisa, algumas chamam a atenção. O estudo reforça a importância que a mídia tem na construção e monitoramento da agenda socioambiental brasileira. De acordo com a publicação, as questões abordadas nos noticiários tendem a despertar o interesse de gestores públicos – e dos atores sociais e políticos de maneira geral –, influenciando a definição de suas linhas de atuação. Por outro lado, os assuntos “esquecidos” pelos jornalistas dificilmente conseguem receber a atenção da sociedade e, consequentemente, dos governos e outros setores.

Um dos aspectos relevantes identificados pela pesquisa é que a imprensa tende a abordar a atuação das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) de forma mais positiva do que negativa – o percentual de matérias que destacam aspectos negativos é 17,6% (15,7% nos jornais e 29,9% nas revistas), ao passo que os aspectos positivos estão presentes em 29,0% da cobertura (27,5% dos jornais e 38% das revistas).

Por outro lado, a iniciativa da ANDI mostra que ainda existe na imprensa brasileira uma tendência de cobrir o trabalho das OSCs de forma individualizada e fragmentada. “Em outros termos, os jornalistas reconhecem e valorizam esta ou aquela organização, mas negligenciam o contexto no qual estão inseridas. Enxergam o trabalho das entidades, mas não têm a visão geral do campo – seu funcionamento, suas potencialidades e desafios”, explica o texto da publicação.

Uma das jornalistas participantes do seminário Imprensa e Organizações da Sociedade Civil, Daniela Arbex, repórter do jornal Tribuna de Minas, exemplifica o distanciamento entre a mídia e as organizações sociais. “Falta conhecimento e entrosamento. A maioria dessas organizações vê a imprensa de forma distante. Já nós, os jornalistas, olhamos muitas vezes para algumas dessas OSCs com desconfiança. Desta forma, todos perdem. Aqueles que fazem um bom trabalho e não o tem divulgado, e a imprensa, que continua vivendo o esvaziamento da cobertura de temas socialmente relevantes.”

Outro ponto importante que aparece na pesquisa é o financiamento das OSCs. Aspecto essencial para a sustentabilidade dessas organizações, o financiamento é mencionado em menos de um quarto (23,7%) dos textos analisados. O fato mostra o quanto a mídia deixa de debater um assunto de grande interesse para a sociedade brasileira.

Apenas 3,7% dos textos analisados discutem a mudança no cenário de investimentos, ignorando, em 96,3% das reportagens que fazem referência a financiamento, os problemas gerados nas condições de sustentabilidade das entidades. O tema, em geral, aparece sob a perspectiva de denúncia, quando determinada entidade está envolvida em algum esquema de corrupção (44,5% das notícias sobre o assunto apontam desvios de recursos públicos para atingir interesses particulares).

A publicação avalia: “São dados que apontam para a construção pública de uma imagem negativa das OSCs como agentes de corrupção. E esta imagem está presente nos textos que se referem a financiamento – principalmente, o proveniente dos cofres públicos.” E raramente se menciona que as entidades envolvidas nos escândalos haviam sido criadas com a finalidade específica de desvio de recursos públicos.

Dessa forma, a mídia pouco contribui para informar a população sobre os desafios financeiros enfrentados pela maioria das organizações sociais (somente 1,4% do universo analisado nessa categoria toca no assunto). Ainda segundo o estudo, as matérias praticamente não citam doações feitas por pessoas físicas (3,7%), ou os benefícios e isenções fiscais concedidos às empresas que fazem doações às OSCs (em 99,3% dos casos nessa categoria o tema não aparece nos textos).

As boas práticas ou iniciativas inovadoras na gestão de recursos, transparência ou prestação de contas das OSCs são mencionadas em apenas 1,6% das matérias. A menção ao voluntariado também é rara – presente em apenas 5,8% das notícias.

Outro assunto de extrema relevância que pouco apareceu na imprensa no período analisado é o chamado Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil. A renúncia da imprensa ao debate é ponto recorrente entre as queixas dos especialistas do campo social. De acordo com a pesquisa, o processo de negociação – seus avanços e retrocessos – em torno da elaboração de um arcabouço legal para o setor está presente em apenas 1,2% dos textos analisados.

De forma geral, a análise mais profunda do noticiário sobre assuntos relacionados às Organizações da Sociedade Civil expõe muitos dos desafios a serem enfrentados por jornalistas e fontes de informação, para que a imprensa brasileira cumpra o importante papel de contribuir para a construção de uma sociedade menos desigual, pautada pelo respeito a direitos e guiada pelas regras da democracia.

Para acessar a publicação na íntegra, acesse o hub de conteúdo do GIFE, o Sinapse.

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