Estudo revela grau de conhecimento científico dos brasileiros

Por: GIFE| Notícias| 11/08/2014

Recentemente, o Instituto Abramundo divulgou os resultados do Indicador de Letramento Científico (ILC), estudo inédito e de abrangência nacional, realizado com o objetivo de identificar os níveis de domínio de conceitos relacionados à ciência utilizados no dia a dia da população brasileira. A iniciativa foi realizada em parceria com o Instituto Paulo Montenegro, a ONG Ação Educativa e o IBOPE Inteligência.

Com foco na cultura científica, o indicador calculou a habilidade das pessoas de aplicar conhecimentos básicos em situações cotidianas, como interpretar os dados das bulas, ler rótulos nutricionais, estimar o consumo de energia de eletrodomésticos, comparar o resultado de um exame de sangue com os valores de referência, calcular a quantidade de combustível necessário para ir de carro de um ponto a outro, entre outros.

Ricardo Uzal, presidente do Instituto Abramundo, explica que para a realização do estudo foi selecionada uma amostra de 2.002 casos, representativa da população de 15 a 40 anos residente no Distrito Federal e em 9 regiões metropolitanas brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Salvador, Curitiba e Belém) e que tenham completado quatro anos de estudo. Com base no recorte geográfico e populacional da amostra, os resultados são representativos de 23 milhões de pessoas entre 15 a 40 anos que completaram os quatro primeiros anos do ensino fundamental (antigo primário) e que residem em 92 municípios das 9 regiões metropolitanas brasileiras.

A partir dos dados obtidos, quatro níveis de letramento científico foram estabelecidos: Nível 1 (não-letramento científico); Nível 2 (letramento científico rudimentar); Nível 3 (letramento científico básico) e Nível 4 (letramento científico proficiente).

Os resultados da pesquisa mostram que 64% dos entrevistados possuem baixo letramento científico, enquanto 31% têm conhecimento básico, ou seja, conseguem resolver problemas complexos, desde que tenham familiaridade com o assunto. Apenas 5% são proficientes, demostrando domínio de conceitos e termos mais complexos, além da capacidade de interpretar e resolver fenômenos, mesmo fora do seu cotidiano.

O redeGIFE conversou sobre o estudo com Ricardo Uzal, Presidente do Instituto Abramundo. Confira:

redeGIFE: Dentre os resultados obtidos, quais foram os mais preocupantes?

Ricardo Uzal: Um dos primeiros resultados preocupantes é que 64% dos entrevistados possuem baixo letramento científico, ou seja, mais da metade da população. E apenas 5% possui o conhecimento proficiente.

Um outro ponto que merece atenção foi o resultado obtido com o recorte feito pela condição de atividade da população e seus respectivos níveis de letramento científico.

A administração pública e as áreas de Educação e Saúde são os setores com maior proporção de trabalhadores entre 15-40 anos e com pelo menos 4 anos de estudo com níveis de Letramento Científico Básico e Proficiente (52% dos trabalhadores deste setor estão classificados nestes dois grupos). Em seguida, aparecem o setor de Transporte/Comunicação e a Indústria de Transformação. Já na indústria da Construção, esta proporção não chega a 28%.

Esse recorte é bastante preocupante, pois choca a insuficiência das elites com letramento proficiente em ciências ao constatar que somente 15% dos tomadores de decisão possuem letramento científico proficiente. Na administração pública, somente 9%; na indústria de transformação, apenas 5%.

E pudemos perceber que os primeiros resultados do ILC mostraram claramente como a educação desde a base é o caminho mais acertado para gerar bons profissionais e fazer com que a economia cresça. Os dados também deixam evidentes os impactos que isso causa no cotidiano da população e no desenvolvimento do país.

redeGIFE: Qual a importância de uma iniciativa como essa?

Ricardo Uzal: Criamos a pesquisa para medir o letramento cientifico no país e ver quais os impactos que isso causa no cotidiano da população e no desenvolvimento do país. Do ponto de vista de produtividade, o crescimento econômico foi nulo nos últimos dez anos. O fato da produtividade não ter avançado é um limitador para o país, ou seja, despertar o interesse e a importância do conhecimento científico para o crescimento econômico, principalmente no que tange ao aumento de produtividade e redução de desperdícios.

Atualmente, o crescimento econômico sustentável depende mais do cérebro do trabalhador (conhecimento) do que de capital fixo. Portanto, o aumento de produtividade não acontece sem uma mão de obra qualificada, sem uma população pensante na produção e consumo. Claro que a inovação tecnológica acontece no topo da pirâmide acadêmica (criação de patentes, por exemplo), mas a maior parcela, atualmente desperdiçada, está na aplicabilidade do conhecimento científico existente, mas ainda não absorvido e aplicado por grande parte da força de trabalho.

Um outro ponto que nos motivou a criar essa pesquisa foi o fato de observarmos a condição secundária que o ensino de ciências tem no ensino fundamental. Queríamos conhecer o impacto desta condição secundária confrontada a um cotidiano de vida do cidadão pleno de estímulos tecnológicos e questões científicas. Só com dados poderíamos propor um diálogo com a sociedade e com o governo para reverter essa situação. Além disso, a pesquisa surgiu dado o descompasso que observávamos entre uma certa secundarização do ensino de ciências já nos primeiros anos de escolarização e a situação de baixa produtividade da economia brasileira.

Acreditamos que a educação desde a base é o caminho mais acertado para gerar bons profissionais e fazer com que a economia cresça mais, adicionando aumento de produtividade da força de trabalho.

redeGIFE: Como o baixo índice de conhecimento científico básico ou elementar pode interferir na economia e na inovação?

Ricardo Uzal: Os números do PISA já mostram a precariedade do ensino de ciências no Brasil, versus nossos vizinhos e também os países do OCDE. Mais da metade de nossos alunos estão abaixo do nível II do PISA, o que é alarmante. O investimento na pesquisa tinha como objetivo testar a hipótese dos impactos de um ensino tão ruim na cidadania e no crescimento econômico por aumento de produtividade, bem como alertar tanto o setor público quanto o privado da realidade atual. Esperamos contribuir na criação de um ecossistema que possa influenciar políticas públicas e mobilizar a sociedade e a iniciativa privada para maiores investimentos na educação básica e de ciências. O foco central e prioritário na política de educação brasileira tem sido o ensino de Português e Matemática, o que deixa o ensino de Ciências em um segundo plano.

Além disso, a ciência faz parte do nosso cotidiano e passa despercebido durante o nosso dia a dia. Por exemplo, consertos simples que realizamos em casa envolvem conhecimentos sobre circuitos elétricos. Ler uma bula de remédio e interpretar uma conta de luz são outros exemplos do uso de conhecimentos básicos em ciências. Com a pesquisa, pudemos perceber que quase a metade (48%) dessa população foi enquadrada no nível 2 (Letramento Científico Rudimentar), no qual o indivíduo apenas localiza informações em diversos formatos de texto, sendo capaz de reconhecer termos científicos simples, mas não tem a habilidade necessária para resolver problemas ou interpretar informações de natureza científica. Além disso, a falta de conhecimento científico impacta na produtividade e no desenvolvimento social do país. Investir em ciências é uma maneira eficiente de mobilizar os estudantes desde o ensino fundamental para que se tornem mais questionadores, participativos e profissionalmente qualificados. O país precisa de inovação, pois sem isso não há crescimento.

redeGIFE: Qual o impacto desses resultados na vida das pessoas, no que diz respeito ao consumo, conservação ambiental e saúde?

Ricardo Uzal: A falta de letramento científico impacta diretamente no dia a dia das pessoas. Podemos dar como um simples exemplo a leitura de uma bula, quem não consegue fazer a interpretação correta pode tomar doses erradas do remédio. Um outro exemplo é saber fazer a leitura correta de uma conta de luz ou calcular a quantidade de gasolina para andar determinada distância.

Os dados da pesquisa confirmam que a baixa escolaridade e, sobretudo, a falta de prioridade da alfabetização científica no ensino fundamental compromete a apropriação das ciências e sua aplicação na vida cotidiana.

Os resultados também impactam diretamente na esfera social, pois um maior domínio das habilidades de letramento no campo científico permite a incorporação desses conhecimentos a situações do dia a dia. Em contrapartida, a ausência ou menor domínio dessas habilidades são limitantes para a realização de uma série de atividades, deixando de assegurar possibilidades de uma atuação plena em diferentes esferas da vida em sociedade, como cidadãos, consumidores, pacientes, dentre outros.

Para o Instituto Abramundo, o conhecimento científico é imprescindível para se viver no mundo do século 21. A ciência tornou-se necessária para se integrar em um mundo de rápidas transformações, que exige dos cidadãos correlações causais, seja para a busca da sustentabilidade ambiental, para o exercício da cidadania, seja para o desenvolvimento econômico.

redeGIFE: Como a habilidade científica das pessoas pode contribuir para um inserção e permanência qualificada no mercado de trabalho?

Ricardo Uzal: No Brasil, a análise da evolução do mercado de trabalho realizado nos últimos anos revela que o emprego e o emprego formal cresceram, entretanto, o aumento se deu, particularmente, nos empregos com rendimentos que não superam os dois salários mínimos.

O perfil do trabalhador em termos de letramento científico tem, evidentemente, grande potencial de impacto no campo econômico. O domínio das habilidades de letramento científico pela liderança da gestão empresarial e pela força de trabalho são componentes essenciais para assegurar a produtividade e a competitividade, assim como para promover a geração de capital intelectual por meio de novas patentes.

O Brasil tem vivido, nos últimos anos, uma situação de virtual pleno emprego, responsável por importantes avanços econômicos e sociais no país. Com efeito, 67% dos indivíduos entre 15 e 40 anos residentes nas 9 regiões metropolitanas do país com escolaridade superior a 4 anos de estudo que participaram do estudo ILC estão trabalhando. Porém, do ponto de vista de produtividade, o crescimento econômico foi nulo nos últimos dez anos. O fato da produtividade não ter avançado é um limitador para o país.

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