Falta conhecimento mútuo entre terceiro setor e poder legislativo

Por: GIFE| Notícias| 01/09/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Diversos fatores podem influenciar o desenvolvimento do terceiro setor em um país e um dos mais importantes é o ambiente legal. Quanto mais favorável for a legislação, maior será o desenvolvimento do setor sem fins lucrativos. A afirmação foi confirmada pela pesquisa A influência do ambiente legal no desenvolvimento do setor sem fins lucrativos, feita por Lester Salamon e Stefan Toepler, em 2000.

O estudo analisou o impacto dos ambientes legal e fiscal sobre o desenvolvimento do terceiro setor no mundo, a partir de indicadores que avaliavam a influência das disposições legais na formação, gestão e no financiamento das organizações sem fins lucrativos. Segundo a pesquisa, o Brasil apresentava um dos ambientes menos favoráveis para as atividades de instituições sociais.

Trabalhando para mudar isso, as organizações do terceiro setor têm buscado participar mais ativamente das decisões políticas e legislativas que afetam diretamente sua atuação. Essa articulação faz parte de um processo que, de acordo com Judi Cavalcante, diretor executivo adjunto do GIFE, ainda está muito aquém do que deveria ser, mas muito além do que era.

Algumas organizações, como parte de sua estratégia de acompanhamento político, já possuem escritórios em Brasília (DF). “”Ter participação no ambiente e no cenário político faz parte da gestão de uma organização social. Mesmo as que têm um trabalho localizado, sofrem os impactos das decisões tomadas em Brasília. É preciso ter muito diálogo com os partidos, para que se possa fazer valer seus interesses””, aponta Cavalcante.

Atualmente existem pelo menos nove projetos de lei (PLs) em tramitação no Senado Federal, seis na Câmara dos Deputados e um no Congresso Nacional que podem afetar diretamente a atuação do terceiro setor brasileiro.

Desde a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das ONGs no Senado – instalada em fevereiro de 2001 para apurar denúncias de atuação irregular de algumas organizações não-governamentais, e concluída em dezembro de 2002 -, a Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais) acompanha diversos PLs em tramitação no Congresso que dizem respeito às organizações da sociedade civil.

As ações envolvem conscientização sobre o universo das instituições sem fins lucrativos no Brasil, produção de relatórios sobre os PLs em andamento para subsidiar a formação de opinião dos parlamentares sobre o mérito desses projetos, apoio às assessorias para a proposição de emendas e requerimentos, realização de audiências públicas e articulação com outras organizações.

Alexandre Ciconello, assessor jurídico da Abong, explica que, dos PLs acompanhados atualmente (PL 90/1999, da Câmara dos Deputados, e PLs 227/1999, 246/2002, 7/2003, 8/2003, 9/2003, 10/2003, 11/2003 e 12/2003, do Senado Federal), nenhum pode trazer mudanças positivas para o terceiro setor. “”Ou trazem mudanças negativas ou são totalmente inócuos para a sociedade e para as organizações sociais. É preciso pressionar os representantes no Congresso para que não votem favoravelmente a PLs que prejudiquem o trabalho social exercido pelas ONGs.””

Ele afirma que esses projetos não foram debatidos entre os membros do Congresso e ignoram a regulamentação e os mecanismos institucionais e legais de controle das ONGs já existentes. “”Além disso, instituem obrigações já estabelecidas pelo Novo Código Civil e outros diplomas legais, criando duplicidade de obrigações para as organizações.””

Raul Telles, assessor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), acredita que alguns desses projetos são baseados na falsa premissa de que as organizações não-governamentais estão “”fora de controle””. “”Tentam criar entraves para a existência e o livre funcionamento das organizações. Esses PLs são inconstitucionais, na medida em que ferem a garantia de livre associação e de não interferência estatal no funcionamento das instituições””, afirma.

Elediz que, embora fundamental, articulação política é um tema que não está no centro da agenda das organizações. “”A realidade é que todas sempre estão atoladas de trabalho em suas atividades institucionais e não conseguem acompanhar adequadamente esses temas conexos. Isso reforça a importância daquelas que têm, de alguma forma, se esforçado em acompanhar essa agenda.””

No GIFE, o acompanhamento do Marco Legal do terceiro setor é uma bandeira histórica e sua estratégia inclui pesquisa, mobilização e articulação política. Para Judi Cavalcante, se esse trabalho não for ampliado, as organizações sempre reclamarão das leis que já existem e que já têm impacto sobre o seu cotidiano. “”Dialogar com os poderes ajuda a evitar danos, que podem ser cometidos por equívoco, por má-fé ou por interesses de grupos que têm mais articulação””, adverte.

No entanto, ele alerta que ainda existe desconhecimento do funcionamento do processo legislativo, por parte das organizações da sociedade civil, e dotrabalho e da heterogeneidade do terceiro setor, por parte dos políticos. “”Mas a responsabilidade maior por isso é do próprio terceiro setor, que deve saber dialogar com o parlamento.””

Angela Guadagnin, deputada federal (PT-SP) e autora do projeto de lei nº 1300/99 – que dispõe que a dedução de contribuição em favor dos fundos controlados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente poderá ser feita no momento da declaração do imposto de renda referente ao ano base -, admite que, de modo geral, os deputados não conhecem o terceiro setor.

“”Eu mesma não tenho grande conhecimento da articulação do terceiro setor, só sei qual é o seu papel na sociedade. E é justamente esse desconhecimento que impede um melhor diálogo e aaprovação de leis que facilitem a participação da sociedade de forma organizada nos destinos da própria sociedade.””

O deputado federal Walter Feldman (PSDB-SP) concorda que é preciso aperfeiçoar os instrumentos de comunicação entre os setores. “”É inegável que nos últimos dez anos o terceiro setor ganhou muito em legitimidade, visibilidade social, estruturação e profissionalização. Contudo, muitas delas têm conseguido visibilidade pública, mas não conhecem os caminhos que poderiam traçar junto ao Parlamento para otimizar seus resultados. Para apresentar ou aprovar leis que sejam realmente eficazes, precisamos conhecer a história das organizações, compartilhar de suas realidades e de suas dificuldades.””

Judi Cavalcante alerta que só se consegue mudança de cenário legal, político e fiscal com uma postura pró-ativa. “”Vale para as organizações do terceiro setor o que vale para qualquer setor da sociedade brasileira. Espaço político não se pede, se conquista, e isso faz parte do processo democrático.””

Links relacionados:
Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
Instituto Socioambiental
Deputada Angela Guadagnin
Deputado Walter Feldman

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