Febem precisa de reestruturação para que o ECA seja implantado

Por: GIFE| Notícias| 26/05/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

As recentes rebeliões em unidades da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) de São Paulo reacenderam as discussões sobre propostas de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Em entrevista ao redeGIFE, o educador Antônio Carlos Gomes da Costa fala sobre os avanços obtidos nos 12 anos de ECA, o aumento da criminalidade entre os jovens e a reestruturação da Febem.

redeGIFE – Quais os principais avanços obtidos com o Estatuto da Criança e do Adolescente nestes 12 anos?
Antônio Carlos Gomes da Costa – Os avanços são muitos. Os municípios envolveram-se, como em nenhuma etapa anterior de nossa história, no atendimento a crianças e adolescentes violados ou ameaçados de violação em seus direitos. As organizações não-governamentais que atuam nessa área desenvolveram-se de forma extraordinária, tanto técnica quanto politicamente. Um novo conceito de infância e adolescência vem sendo instalado na consciência social. Os Conselhos de Direitos e Tutelares aprofundaram a democracia e a participação. A mídia vem mudando seu olhar sobre a questão, e o mundo empresarial ampliou enormemente seu envolvimento com a causa dos direitos das novas gerações.

redeGIFE – Passados 12 anos, existem pontos a serem aperfeiçoados?
Costa – É claro que sim. Esses pontos existem. Precisamos normatizar melhor a execução das medidas sócio-educativas e regulamentar com mais clareza os regimes de atendimento.

redeGIFE – O senhor concorda com as propostas de alteração do ECA, como a permissão para que juízes aumentem em até um ano a permanência do jovem no estabelecimento de internação, mesmo depois de ele completar 21 anos, e a permissão para publicar os nomes e mostrar o rosto de adolescentes envolvidos no tráfico de entorpecentes, terrorismo e crimes hediondos?
Costa – Discordo dessas mudanças pontuais e fragmentárias. Penso que é necessário nos debruçarmos de maneira realista sobre o verdadeiro desafio, que é estruturar um sistema de responsabilização penal do adolescente, capaz de assegurar segurança cidadã e respeito aos direitos fundamentais do jovem em conflito com a lei.

redeGIFE – Algumas pessoas atribuem ao ECA o aumento da criminalidade entre crianças e adolescentes, já que eles podem sentir-se impunes graças a algumas normas previstas no Estatuto. Qual sua opinião sobre isso?
Costa – Sobre economia – inflação, por exemplo – existe informação quantitativa confiável. Em nossa área isso ainda não acontece. O resultado é que as pessoas abordam essa questão de forma subjetiva e impressionista. Se a dengue e a febre amarela, erradicadas por Oswaldo Cruz, retornam ao Rio de Janeiro, o que devemos fazer? Melhorar o saneamento básico ou mexer na Lei Orgânica da Saúde? Culpar a legislação pela omissão e pela incompetência das autoridades no seu cumprimento é uma leviandade. É pura má-fé ou autotapeação.

redeGIFE – A Febem é um modelo falido ou é possível adequar sua atuação às indicações do ECA?
Costa – É possível estruturar um sistema de atendimento ao adolescente em conflito com a lei em outras bases. Para isso, é necessário empreender mudanças profundas de conteúdo, método e gestão, que possam representar verdadeiramente um novo começo para essa política. Querer implantar o ECA com a Febem estruturada como está é querer ouvir um CD numa velha radiola 78 rotações.

redeGIFE – O senhor concorda que deve haver tratamento diferenciado entre os internos da Febem? Qual seria a melhor maneira de fazer isso?
Costa – Cumprindo o ECA, ou seja, separando os jovens por compleição física e pela natureza e gravidade dos atos infracionais cometidos.

redeGIFE – Um estudo da organização americana Human Rights Watch, feito em 17 unidades de internação juvenil de cinco estados das regiões Norte e Nordeste, concluiu que os adolescentes detidos nas instituições sofrem uma rotina de agressões. Ao mesmo tempo, são freqüentes os casos de rebeliões nas unidades da Febem. Existe relação entre as agressões sofridas pelos internos e as rebeliões por eles nessas instituições?
Costa – Nosso sistema não priva os adolescentes apenas da liberdade. Ele os priva também do direito ao respeito, à dignidade e à integridade física, psicológica e moral. As rebeliões não são uma distorção desta política. Elas são o seu resultado natural. Tudo está organizado para que seja assim.

redeGIFE – Qual a sua opinião sobre os recentes acontecimentos que envolveram a transferência de adolescentes em conflito com a lei para presídios comuns?
Costa – Uma ilegalidade cometida por autoridades emparedadas pelas dificuldades e impasses que resultam de uma política não planejada e conduzida de forma puramente reativa. O Estado precisa deixar de agir como um cão pavloviano e retomar a pró-atividade nesse campo. Tenho a esperança de que isso esteja começando a acontecer.

redeGIFE – O ECA determina a criação de pelo menos um Conselho Tutelar por município brasileiro. Porque isso não é cumprido?
Costa – Nossa cultura política ainda continua clientelista e fisiológica. Nossa cultura administrativa segue sendo burocrática e corporativa, enquanto nossa cultura técnica persiste na auto-suficiência e no formalismo. Nossa cultura cidadã ainda é predominantemente marcada pela passividade e pelo conformismo. Num ambiente assim, não é estranho que uma nova institucionalidade da democracia participativa tenha dificuldade em afirmar-se. No entanto, é bom lembrar que, hoje, existem muitos exemplos de Conselhos Tutelares que deram certo. Portanto, nosso desafio nesse campo é transformar a exceção em regra.

redeGIFE – O que falta para que os Conselhos de Direitos e Tutelares funcionem de maneira mais efetiva e eficiente?
Costa – O que nos falta é mais compromisso ético, vontade política e competência técnica. Precisamos mais disso do que de dinheiro. Se tivermos isso, o dinheiro vem por acréscimo.

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