Filantropia na era da inteligência em rede

Por: GIFE| Notícias| 27/02/2013

Don Tapscott*

No despertar da era da “inteligência em rede” a filantropia passa por uma mudança profunda, com grandes implicações para os arrecadadores e doadores. No modelo antigo, as ONGs buscavam fundos junto a pessoas e instituições. Os doadores eram cortejados: se fossem seduzidos, eles davam o financiamento e recebiam os agradecimentos. Mas hoje, por vários motivos, principalmente o corte nos custos de transação e de colaboração proporcionados pela Internet, as ONGs podem criar relações profundas com os filantropos.

Um dos resultados é que os doadores podem se envolver mais com as causas. Todas as partes viram membro da rede e, assim, podem ter uma visão diferente delas mesmas. Os doadores se parecem mais com investidores em inovação social, buscando retorno para seu investimento. As ONGs podem se considerar participantes em redes completas, para solucionar problemas com financiamento mais sustentável.

A teoria para esta perspectiva é apresentada em meu livro mais recente Macrowikinomics: New solutions for a connected planet (co-autoria de Anthony D. Williams). No livro nós descrevemos como a era industrial está chegando ao fim e como a sociedade que estamos passando a nossos jovens foi seriamente danificada. A maioria das instituições que funcionaram bem por décadas – até mesmo séculos – parece estar congelada, incapaz de avançar. A economia global, nossa indústria de serviços financeiros, governos, provedores de assistência à saúde, jornais, a mídia e nossas instituições para resolver problemas globais, como a ONU, estão todos na batalha.

Mas, da educação e ciências às novas abordagens para o envolvimento cidadão e a democracia, há novas iniciativas em andamento que abrangem um conjunto de princípios para o século XXI – colaboração, abertura, molecularização, interdependência e integridade. Por isso que eu digo que não se trata de uma era da “informação”. Trata-se de uma era da “inteligência em rede”. Trata-se de pessoas e sua capacidade de pensar juntas, e não de informação, que está se transformando em uma commodity.

Podemos ver como cada um dos cinco princípios se aplica à filantropia.

Colaboração

Organizações filantrópicas, doadores e ONGs precisam abraçar a colaboração. Esta é a antítese do modelo industrial de produção em massa, mídia de massa, educação em massa, onde algo no topo controlava algo (produtos, jornais, shows de TV, palestras) e o transformava em um receptor passivo.

Graças à Internet, as organizações hoje podem convidar os clientes para co-criar com elas, mudando o papel do cliente para o que chamo de “prosumidores” (produtores + consumidores). O prosumo começou na indústria da música, vídeo e software, mas logo se espalhou para a produção de bens físicos e a modelagem de serviços. As empresas que colaboram com seus clientes têm uma grande vantagem sobre os negócios tradicionais de “planejar e empurrar”. Elas podem aumentar as vendas e melhorar o desempenho com menos recursos, passando parte do controle aos clientes e, assim, envolvendo-os e aproveitando seus esforços.

O mesmo princípio se aplica à captação de fundos. O antigo modelo era uma via de mão única. Os arrecadadores vendiam a ideia a doadores passivos que, por sua vez, davam o dinheiro e recebiam agradecimentos. O novo modelo tem a ver com colaboração, onde o doador se envolve e faz parte do processo. Os arrecadadores não devem pensar nos doadores como membros externos de sua organização: eles fazem parte do ecossistema.

Abertura

As organizações filantrópicas precisam abraçar a abertura, já que estamos na era de transparência. Eu acredito que as instituições abertas funcionam melhor. Elas são mais confiáveis e capazes de construir redes melhores. A transparência reduz os custos de transação nas cadeias de fornecimento. Ela aumenta a lealdade com os funcionários e ajuda a criar um bom valor, porque hoje o valor é mais evidente do que jamais foi.

As ONGs devem se tornar radicalmente abertas. Os doadores querem ver todos os detalhes financeiros. Eles querem se envolver profundamente para saber para onde vai o dinheiro deles e como ele será gasto. Ao invés de dar dinheiro para uma grande causa genérica, a doação se tornará muito pessoal e os doadores terão uma relação profunda com a causa e com os indivíduos que estão sendo beneficiados.

Molecularização

Tudo que era “massa” se torna “molecular”. A palavra molecularização é estranha, mas útil. Na física, uma molécula é a menor partícula na qual uma substância pode ser dividida e manter a identidade da substância original. As moléculas podem ser unidas por forças elétricas, ou seja, formar um tipo de rede. A mudança de massa para molecular é útil para entender o novo ambiente filantrópico. Ao invés de grandes presentes, as doações se tornam mais moleculares. O microfinanciamento é um bom exemplo.

Novas plataformas como a Kickstarter estão decolando. A rede de microfinanciamento Kiva quer reduzir a pobreza e criar oportunidades econômicas no mundo em desenvolvimento. Ela poderia tentar reformar as instituições internacionais de desenvolvimento internamente e/ou desenvolver novos modelos de negócios com empresas do setor privado, como bancos e empresas de serviços financeiros. Mas ela preferiu trabalhar fora das instituições.

Hoje as microfinanças criaram um sistema bancário paralelo, que substituiu grande parte das estruturas tradicionais bancárias e de empréstimo no mundo em desenvolvimento. Sim, há desafios, mas os resultados agregados, principalmente 100 milhões de clientes com uma taxa de pagamento na casa dos 90%, mostraram que um sistema em rede e autônomo de empréstimo entre pares não somente funciona, mas também pode representar uma forma sustentável de retirar milhões de pessoas da pobreza. Na realidade, a maior evidência e confirmação do sucesso das pequenas empresas de microfinanças, como a Kiva, é que grandes bancos como o HSBC e o Citigroup agora estão entrando nesta área, oferecendo produtos de microfinanças que concorrem com elas.

Interdependência

As organizações filantrópicas precisam abraçar a interdependência. A fusão financeira de 2008 e a crise do euro que enfrentamos hoje ilustram quanto o nosso mundo se tornou interconectado. As organizações devem saber muito mais sobre o que acontece ao redor delas. É importante conhecer o comportamento dos outros e o potencial impacto das ações de terceiros distantes. Se tem alguma coisa que a Wall Street deveria aprender com a bagunça que criou é que um negócio não pode funcionar bem em um mundo que está desmoronando.

As organizações filantrópicas precisam reconhecer que os interesses de todos estão alinhados, inclusive dos arrecadadores, chefes de programas, doadores e as comunidades onde as ONGs trabalham. Estas são boas novas para a filantropia. Como mostra o livro Philanthrocapitalism,[1] um número cada vez maior de pessoas saudáveis entende que os interesses das pessoas precisam estar alinhados aos interesses do coletivo. Todos devem estar a bordo e se beneficiar.

Hoje há uma miríade de novos modelos colaborativos autônomos que lidam com as realidades do século XXI. Por exemplo, estou na liderança de um grande projeto de pesquisa, em colaboração com o Fórum Econômico Mundial, para investigar novos modelos de redes globais para solução de problemas. Não estamos falando de fazer esforços vãos para expandir o escopo e a escala da participação cidadã nos fóruns internacionais. Ao invés disso, estamos analisando como as pessoas e as organizações da sociedade estão se unindo para criar fóruns inclusivos e participativos, para gerar ideias e implementar soluções para os enormes problemas que enfrentamos hoje em dia. Em última instância, significa abandonar as noções tradicionais de controle e propriedade sobre os problemas, indo além do silo internacional para criar novas redes de pessoas com boa vontade e compromisso. As novas colaborações e redes incluem uma combinação dos quatro “pilares” da sociedade: o Estado, o setor privado, a sociedade civil e os novos indivíduos com maior autonomia.

Integridade

Por fim, as organizações filantrópicas precisam abraçar a integridade. É mais do que simplesmente ser honesto. Em tudo, desde motivar os funcionários a negociarem com os parceiros, até na apresentação das informações financeiras, as organizações devem falar a verdade, considerar os interesses dos outros e assumir a responsabilidade por cumprir com seus compromissos. A transparência e a integridade são a base da confiança. A confiança é a expectativa que a outra parte será honesta, atenciosa, responsável e aberta. E com as redes, a confiança é mais facilmente demonstrável hoje do que jamais foi.

Para fazerem um bom trabalho na era da inteligência em rede, as organizações filantrópicas não devem se restringir a pensar nelas mesmas como produtoras ou criadoras de uma iniciativa, um produto ou um serviço. Pelo contrário, elas devem se transformar em curadoras, alguém que cria um contexto ou uma plataforma que permite que as outras pessoas se organizem e criem coisas que tenham valor, tanto para você quanto para elas e, talvez, até mesmo para o mundo. Se você fizer uma página na web, não se limite a carregá-la com um conteúdo estático. Crie a estrutura e as ferramentas para que os outros acrescentem seus conteúdos e construam comunidades. Envolva os doadores. Crie juntamente com eles. Inove com eles para criar um futuro melhor.
Estes cinco princípios devem ser incorporados ao DNA de todas as organizações que quiserem aproveitar ao máximo as ferramentas digitais de hoje e as redes que elas oferecem.

1 Matthew Bishop e Michael Green (2009) Philanthrocapitalism: How giving can save the world www.philanthrocapitalism.net

Usando as redes para solucionar os problemas do mundo
Há uma urgência cada vez maior para repensar os métodos de solução do problema, a cooperação e a governança para nosso mundo hiper-conectado. O Fórum Econômico Mundial lançou um Grupo de Trabalho sobre Redes Globais de Solução, liderado por Don Tapscott, para explorar novos modelos. Em parceria com o Instituto Martin Prosperity, da Universidade de Toronto, uma equipe global de peritos está identificando e explorando as principais questões, estratégias e abordagens. O programa identificou nove tipos de redes – cada uma muito diferente da outra, mas todas com impacto global.
Siga Don Tapscott no Twitter @dtapscott

* Don Tapscott é professor adjunto na Escola de Administração Rotman, Universidade de Toronto, e autor (com Anthony D. Williams) de Macrowikinomics: New solutions for a connected planet. E-mail [email protected]

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