Fiscalização dos abrigos para crianças deve ser aprimorada

Por: GIFE| Notícias| 30/06/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) está realizando, com apoio do Conanda (Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente), o Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e Adolescentes. O objetivo é conhecer a estrutura de funcionamento e os serviços prestados pelos abrigos em todo o país. Enid Rocha, coordenadora-geral da pesquisa, fala ao redeGIFE sobre o estudo.

redeGIFE – Qual é o papel dos abrigos no desenvolvimento das crianças por eles atendidas?
Enid Rocha – Os abrigos ou, mais especificamente, as pessoas responsáveis pelos programas de abrigo, têm uma responsabilidade enorme em suas vidas. São guardiões de uma parte das crianças e dos adolescentes abandonados e marcados por maus tratos, violência, exclusão e, acima de tudo, separação da família. Por isso os profissionais de abrigo devem manter uma postura pró-ativa, realizando um trabalho consistente que conceda à criança abrigada o direito ao convívio com uma família e com a comunidade. Seu papel é não deixar que essas crianças e esses adolescentes fiquem esquecidos à espera de que o destino lhes traga uma família de volta.

redeGIFE – Essas funções são as ideais?
Enid – Entre as pessoas que trabalham nos abrigos, existe ainda uma cultura de que lá as crianças e os adolescentes estão protegidos dos maus tratos de suas famílias. Eles acreditam mesmo que estão fazendo o melhor, já que querem que o abrigo seja um verdadeiro lar para as crianças sem família. No entanto, a maioria das crianças abrigadas tem uma família, geralmente desestruturada em muitos aspectos. Por isso a função ideal do abrigo é preservar e promover o fortalecimento dos vínculos familiares das crianças que possuem família e, no caso das que não têm, que são a minoria, encaminhá-las para famílias substitutas.

redeGIFE – Quais os princípios que um abrigo deve seguir para proporcionar um atendimento adequado às crianças e aos adolescentes?
Enid – O artigo 92 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) dispõe sobre os princípios que os programas de abrigos devem seguir. Alguns deles são: atendimento personalizado e em pequenos grupos, desenvolvimento de atividades em regime de co-educação, participação na vida da comunidade local, não-separação de grupos de irmãos e preservação dos vínculos familiares. As crianças abrigadas não estão privadas de liberdade, mas sim cumprindo uma medida para sua proteção.

redeGIFE – Qual é a estrutura física ideal que um abrigo deve ter?
Enid – Os abrigos devem ter uma estrutura física similar ao de uma residência familiar. Sua localização deve ser em bairros residenciais, onde existam equipamentos públicos como escolas, praças e postos de saúde. As indicações são que atendam, no máximo, 20 crianças e adolescentes, com quartos que não abriguem mais que quatro pessoas. É importante ainda que a casa disponha de espaço para estudo e realização das tarefas escolares, além da guarda de objetos individuais dos abrigados. Enfim, o espaço deve favorecer a individualidade e evitar o tratamento massificado. Além disso, não pode ser negligenciada a garantiada acessibilidade aos portadores de necessidades especiais.

redeGIFE – Existe um prazo ideal para que uma criança fique num abrigo?
Enid – Não. O abrigo é uma medida de caráter provisório e, como tal, deve ter a duração mais breve possível. Os responsáveis pelo abrigo devem estar preocupados com o restabelecimento dos vínculos familiares das crianças e/ou dos adolescentes abrigados. No caso de ser impossível o retorno para a família de origem, deve-se tentar encaminhar para uma família substituta.

redeGIFE – Que profissional geralmente é responsável pelos abrigos?
Enid – Com o levantamento teremos um perfil dos profissionais desta área. Sabemos, porém, que geralmente são voluntários e realizam esta tarefa com muita dedicação. No dia-a-dia, enfrentam situações difíceis, entre elas, a escassez de recursos financeiros e humanos e a impotência frente à dor da perda vivida pelas crianças e pelos adolescentes abrigados. Portanto, é fundamental que se invista na capacitação destes profissionais, para que possam realizar cada vez melhor seu trabalho.

redeGIFE – De acordo com o ECA, os abrigos devem ser fiscalizados pelos Conselhos Tutelares, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Como esses órgãos têm feito essa fiscalização?
Enid – Coletivamente é função dessas instâncias fiscalizar os serviços de abrigo e zelar pela qualidade do atendimento a crianças e adolescentes. Entretanto, a fiscalização é difícil de ser realizada, pois ainda existem muitos abrigos não-regularizados. Esta atividade deve ser aprimorada e contar cada vez mais com a ajuda da comunidade.

redeGIFE – Como surgiu a idéia da pesquisa?
Enid – No ano passado, a Secretaria de Assistência Social realizou o Colóquio Técnico sobre a Rede Nacional de Abrigos, com o objetivo de iniciar um processo que possibilitasse ampla reforma no atendimento às crianças e aos adolescentes que hoje se encontram na situação de abrigamento, baseando-se nos direitos estabelecidos na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e no ECA.
Como os participantes sentiam falta de um diagnóstico que revelasse a situação dos abrigos para crianças e adolescentes no Brasil, surgiu a idéia de fazermos um censo nacional. Optou-se por iniciar a pesquisa pelas instituições cadastradas no Ministério da Assistência Social e que recebem recursos do governo federal via Rede SAC (Serviço de Ação Continuada). Sobre essas já existiam informações cadastrais mínimas e que permitiam o início imediato do levantamento. Ao mesmo tempo, os conselhos estaduais e municipais, em parceria com a Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores da Infância, devem iniciar um amplo processo de cadastramento das instituições de abrigos, o que viabilizará, posteriormente, a ampliação do universo da pesquisa e a possibilidade de realizarmos o censo nacional.
Além disso, é interesse do governo federal dispor de informações sobre os serviços prestados pelas entidades que apóia. Em todo o Brasil são cerca de 700 entidades. Distrito Federal e Tocantins ficaram de fora já que são os únicos locais que não têm instituições beneficiadas pela Rede SAC.

redeGIFE – Quais são os pontos que se pretende levantar?
Enid – Destacam-se informações sobre modalidade do atendimento, práticas adotadas para promover a reintegração familiar das crianças e jovens abrigados, perfil dos recursos humanos, número e perfil das crianças abrigadas, entre outras que vão ao encontro dos princípios a serem adotados pelas entidades que desenvolvem programas de abrigo, listados no artigo 92 do ECA.

redeGIFE – Qual será a metodologia do trabalho?
Enid – A primeira abordagem, que está sendo concluída, é uma pesquisa por telefone. Entramos em contato com todos os dirigentes das entidades cadastradas para refinar as informações cadastrais, explicar os objetivos e a importância da pesquisa e conhecer a familiaridade dos dirigentes em relação ao ECA. Na segunda, utilizaremos a metodologia de “”questionários auto-aplicáveis””, que serão enviados para todas as instituições, visando a coleta de informações específicas sobre o funcionamento e as características dos serviços de abrigo. Finalmente, na fase qualitativa, aplicaremos um roteiro aberto de questões para um grupo reduzido de entidades, para aprofundar algumas questões que se mostrarem importantes no decorrer das etapas anteriores.

redeGIFE – O que será feito caso se descubra alguma irregularidade em alguma das instituições pesquisadas?
Enid – O objetivo da pesquisa não é a busca de irregularidades, mas sim conhecer as características e as dificuldades das instituições para melhorar os programas e as políticas governamentais e subsidiar o processo de reordenamento dos abrigos de acordo com o ECA. Qualquer cidadão, ao se deparar com uma violação de direitos de uma criança ou um adolescente, deve denunciar o fato às autoridades e às delegacias especializadas, conselhos tutelares ou de direitos, que são as instâncias competentes para tratar dessas questões.

redeGIFE – Como obter mais informações sobre a pesquisa?
Enid –Temos um número gratuito (0800-644-2200) exclusivo da pesquisa. Além disso, quem estiver interessado pode enviar um e-mail para [email protected].

Associe-se!

Participe de um ambiente qualificado de articulação, aprendizado e construção de parcerias.

Apoio institucional