Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais lança recomendações para alavancar o setor
Por: GIFE| Notícias| 19/10/2015A Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais (FTFS) lançou, no dia 14 de outubro, as 15 Recomendações para alavancar mais capital para finanças sociais e negócios de impacto no Brasil. A iniciativa é resultado de um trabalho que envolveu estudos, debates, workshops e consultas com a participação de mais de 500 especialistas e empreendedores.
A proposta de atuação da FTFS – grupo que reúne representantes de diversos setores – é ampliar o capital privado e público para o desenvolvimento de mecanismos e negócios de impacto que contribuam para a solução de problemas sociais brasileiros. A meta é elevar os investimentos de impacto no Brasil de R$ 13 bilhões, em 2014, para R$ 50 bilhões até 2020, em ações e negócios que atrelam impacto social e sustentabilidade financeira, ou seja, que ampliam a oferta de produtos e serviços que resolvem problemas sociais e que têm desempenho financeiro positivo.
As Recomendações foram apresentadas durante o “Seminário Finanças Sociais: Tendências Globais e Recomendações para o Brasil”, em São Paulo, que contou com a presença de Sir Ronald Cohen, principal liderança global em investimento de impacto, e dos membros da Foça Tarefa Brasileira de Finanças Sociais: André Degenszajn – secretário-geral do GIFE, Antônio Ermírio de Moraes Neto, Ary Oswaldo Mattos Filho, Fabio Barbosa, Guilherme Affonso Ferreira, Luiz Lara, Maria Alice Setúbal, Pedro Parente e Vera Cordeiro.
Célia Cruz, do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), que ao lado da SITAWI integra a Diretoria Executiva da FTFS, destacaram o histórico da FTFS, que foi inspirada pela trajetória de outros países, como a Inglaterra, que criou a primeira Força Tarefa no mundo em 2000. O grupo nasceu de um conjunto de organizações que, em 2013, se reuniram em prol do desenvolvimento das finanças sociais no Brasil. Lançada em maio de 2014, a FTFS atua como catalisadora e articuladora para esse campo.
Participam do campo das finanças sociais e negócios de impacto empreendedores que criam organizações para causar transformação social e obter retornos financeiros; investidores que incluíram a dimensão de impacto em sua análise de risco-retorno; ONGs que se sustentam a partir de um modelo de geração de receita pela própria organização; empresas inovadoras que já beneficiaram milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade; governos que buscam fazer contratos que garantam impacto mensurável; e filantropos que buscam a construção da infraestrutura no campo das finanças sociais como contrapartida para suas doações.
Célia Cruz destacou que as 15 Recomendações prioritárias são destinadas aos atores-chave do ecossistema das finanças sociais que devem se envolver diretamente em sua realização. São recomendações que se propõem a mover quatro alavancas consideradas essenciais para o fortalecimento desse ecossistema: (1) A ampliação da oferta de capital; (2) O aumento do número de negócios de impacto qualificados e com alto potencial de crescimento; (3) O fortalecimento das organizações intermediárias; e (4) A promoção de um macroambiente favorável para as finanças sociais.
Há uma recomendação, por exemplo, direcionada especialmente para Fundações e Institutos (empresariais, familiares e independentes), a fim de que realizem doações e investimentos para viabilizar iniciativas piloto e inovadoras do campo. A meta sugerida é que estas organizações direcionem, até 2020, 5% de seus investimentos e doações ao desenvolvimento do campo de finanças sociais e negócios de impacto, preferencialmente no fortalecimento de organizações intermediárias ou de atração de novos investidores. Nas recomendações, são apresentados cases de experiências internacionais e nacionais que podem inspirar e motivar ações similares.
“O lançamento destas recomendações cristaliza o trabalho feito até agora e faz com que todo esse ecossistema possa se comunicar a partir de algumas prioridades elencadas, a fim de não duplicar esforços e fortalecer ações que possam ser realizadas em conjunto. A partir de agora, a Força Tarefa terá a missão de acompanhar a aplicação das recomendações, assim como as novas ações que forem feitas no campo”, disse afirma Leonardo Letelier, da SITAWI, destacando também a que FTFS brasileira terá o propósito de reportar o andamento deste campo no país junto às outras forças tarefas do mundo. Atualmente, o Brasil integra o Global Social Impact Investment Steering Group, com representantes do G8, mais Portugal, Israel e Índia.
Experiência internacional
A abertura do seminário ficou por conta do Sir Ronald Cohen, que é chairman do Global Social Impact Investment Steering Group, em conversa com Antônio Ermírio de Moraes Neto, co-fundador da Vox Capital.
Sir Ronald Cohen compartilhou a sua experiência no campo, principalmente no Reino Unido, quando colaborou com a criação de novos modelos de negócios, a partir de uma “revolução do capital de risco”, a fim de amenizar os diversos problemas sociais enfrentados pelo país. “Eu queria não apenas ter fins lucrativos com os negócios, mas fazer algo significativo para o mundo. Percebi que pessoas que trabalhavam com esse tema eram filantropos e não o governo. Só que apenas a filantropia sozinha não podia resolver os problemas sociais. Era preciso mais”, ressaltou.
Assim, em 2000, nascia a FTFS do país a fim de conectar o mercado de capital e investidores sociais. “Mas, precisávamos de inovação para trazer essas pessoas e o capital de risco era uma resposta às necessidades. Era preciso um novo tipo de financiamento, como fundos de dez anos e que não teria retorno no caminho”.
Sir Cohen contou a experiência de uma iniciativa local que teve como motivação inicial o fato de que 2/3 dos jovens voltavam ao presídio depois de 18 meses de sua libertação. A proposta foi inverter a lógica do que era feito até então: ao invés de dar formação emprego etc, foi investido recursos para que as organizações pudessem fazer do seu jeito, criar novos negócios e medir o resultado. “Quando você altera essa lógica, abre a porta para a inovação empresarial. E isso começou a mudar a mentalidade das pessoas nos Reino Unido”, ressaltou.
Na opinião do especialista, é preciso colocar um “chip de impacto” em todas as novas criações, pois, se no século 19 media-se o retorno financeiro, agora, a sociedade mede risco, retorno e impacto, sendo que o impacto medido é social, ambiental ou de ambos. “Com o chip de impacto pensamos em produtos e serviços a custo mais baixo e entregue para a população que foi até então privada deles, com facilidade de produção. São modelos de negócios que permitem que as companhias cresçam mais que a economia. Ou seja, queremos fazer o bem e fazer bem ao mesmo tempo”.
Em sua opinião, aqueles negócios que dão retorno financeiro, mas com impacto social, são os que irão atrair cada vez mais consumidores, assim como talentos. Mas, para garantir que isso aconteça, é preciso o envolvimento dos governos, que podem criar incentivos regulatórios ou tributários, dar fundo de pensão sobre investimento de impacto etc, a fim de que as iniciativas possam ganhar escala.
“Só que não é todo o governo que compra essa ideia de que o setor privado e as ONGs deveriam se intrometer em ações que lhes cabem. Por isso, devemos provar e mostrar que as ferramentas são boas e têm retorno, inclusive reduzindo despesas com ações que eles teriam de fazer. Assim, nos locais em que e o governo não for aberto e receptivo, teremos que usar imaginação e encontrar saídas. No Brasil, a grande força é o setor corporativo e as fundações corporativas, que podem colaborar muito”, destacou Sir Cohen, lembrando que os negócios de impacto não irão substituir a filantropia, mas agregar.
Antonio Erminio de Moraes Neto lembrou que trata-se de um campo em expansão e com algumas novas iniciativas para o seu fortalecimento, como o lançamento pelo BNDES de uma chamada de fundos de investimento, no qual estão dando, pela primeira vez, prioridade para gestores de fundos que tenham alto impacto social, com foco em educação e saúde.
Outro dado é o apresentado por um programa de impact investing de Harvard que fez um comparativo da performance entre os dois tipos de fundos existentes e o retorno dos fundos de investimento de impacto foram melhores do que os tradicionais. “São iniciativas que geram impacto positivo, trazem uma melhor imagem da empresa e garantem relações melhores. Ou seja, faz total sentido unir estes dois mundos: dá para fazer o bem e dá para ganhar mais com isso também”, disse, enfatizando a importância de unir o idealismo com o pragmatismo para conseguir ter sucesso nas iniciativas.
Organizações intermediárias
Durante o evento, foram realizados também dois painéis. O primeiro teve como tema “Como alavancar o campo: o capital e as organizações intermediárias” e contou com a participação de Ana Lúcia Villela, presidente do Instituto Alana; Fábio Barbosa, ex-presidente da Abril; e Vera Cordeiro, fundadora da Associação Saúde Criança (ASC), sendo que Andre Degenszajn, secretário-geral do GIFE, foi moderador do debate.
Fábio destacou que hoje as empresas precisam se posicionar de uma nova forma, tendo em vista as novas posturas dos consumidores, que estão cada vez mais críticos em relação a como as empresas lidam com o ambiente, com o impacto que causam etc, assim como o próprio mercado e os investidores.
“O que gente precisa é fazer com que as empresas coloquem em seus planos de investimento e nas suas decisões visões como: o que eu faço em relação à energia? Que tipo de fornecedores me relaciono? Como é o contato com meu entorno? Isso tudo faz parte de uma nova visão e irá garantir uma relação de ganha-ganha”, disse, destacando que o tema tem ganhado cada vez mais espaço e força na sociedade.
Ana Lucia apresentou a proposta do Instituto Alana que, segundo ela, se apresenta como “filantropo investidor”. Ou seja, a organização, que começou como um projeto social, hoje aposta e investe também em iniciativas do campo de negócios de impacto, como o Catraquinha e a Maria Farinha Filmes. “A filantropia pode ajudar muito nessa articulação com os empreendedores sociais de fato. Acredito que os projetos sociais podem ser pontes para escalar”, ressaltou.
Outra iniciativa que também tem inovado na sua forma de atuação é a Associação Saúde e Criança, fundada há 25 anos. A organização desenvolve ações em vários hospitais públicos visando criar um plano de ação familiar, com um olhar multidimensional e que atua em diferentes frentes – saúde, educação, geração de renda etc – a fim de prevenir que as crianças fiquem doentes por conta da sua situação de pobreza.
Entre os resultados conquistados está o fato de que cai em 90% a reincidência de internação hospitalar das crianças depois de participarem das ações da organização. Na opinião de Vera, este tipo de iniciativa mostra que o governo precisa apoiar os negócios de impacto, assim como a academia, tanto para financiar ações quanto para ajudar a criar mecanismos para medir o impacto.
O secretário-geral do GIFE lembrou que esse novo campo que se abre traz o desafio a todos a repensar os papéis que desempenham. “É preciso começar a chamar para si a responsabilidade e conscientizar as pessoas que lhes cabe apostar em empresas que têm modelo de negócio transformador”, acredita Fabio.
Para Vera Cordeiro, é preciso ainda que as organizações se profissionalizem cada vez e tenham capacidade de medir os resultados. Para isso, aquelas que são mais articuladas podem, por exemplo, assumir o papel de consultoras e/ou tutoras das menores ajudando-as nesta tarefa.
Outro fator destacado pelos especialistas para alavancar o campo está no poder da comunicação, ou seja, disseminar valores, conceitos e práticas em todas as redes, para que o assunto possa chegar ao maior número de pessoas.
Negócios de impacto
“Como criar um ambiente favorável aos negócios de impacto?” Esse foi o tema que norteou os debates do segundo painel do seminário, que contou com a participação de Graziella Comini, coordenadora do CEATS FEA-USP; Carolina de Andrade, co-fundadora e diretora executiva do Social Good Brasil; Krishna Faria, coordenador da Unidade de Acesso à Inovação e Tecnologia do Sebrae Nacional; e Pedro Parente, ex-chefe da Casa Civil.
Pedro Parente iniciou o debate enfatizando os diversos aspectos positivos dessa agenda e que, essas características, já trazem um ambiente mais favorável, pois mobiliza as pessoas. Além disso, outro ponto importante a ser observado é o fato de que, tendo em vista que negócios de impacto medem os seus resultados e o governo não, poderá gerar uma movimentação interessante no sentido de “forçar” os governos a adotarem novas práticas.
Khrisna ressaltou também a importância do advocacy para a agenda, algo que tem desenvolvido dentro do Sebrae Nacional e que tenta desenvolver também junto aos Sebraes estaduais, para ampliar ainda mais a entrada do tema dentro da organização.
A co-fundadora e diretora executiva do Social Good Brasil destacou ainda que o momento atual é favorável para os negócios de impacto devido a criação cada vez maior de ambientes de inovação a partir da apropriação das pessoas das tecnologias, o que permite um maior empoderamento de todos os empreendedores. “Dentro deste ambiente de inovação há também princípios que precisam ser cuidados: como a criação de espaços mais abertos, democráticos e que permitam que mais pessoas se sintam empoderadas a empreender. Trabalhar com o ser humano, com profunda empatia, junto com tecnologias, requer ousadia de todos nós”, disse.
Os especialistas reforçaram mais uma vez a importância da comunicação para esclarecer o funcionamento do ecossistema de finanças sociais e negócios de impacto, assim como disseminar boas práticas. “A comunicação é fundamental nessa agenda, pois ela dá acesso a informações que podem fazer muita diferença para os agentes envolvidos”, disse Carolina.