Formas e cores da filantropia em mercados emergentes

Por: GIFE| Notícias| 01/03/2013

Maria Chertok*

Este artigo se baseia nas indicações para o Prêmio Memorial Olga Alexeeva que não entraram para a lista curta pelos motivos explicados no encarte especial desta revista. Contudo, muitas delas apresentam pensadores e empreendedores. Este artigo é uma forma de fazer justiça a eles. Todas as citações usadas foram retiradas dos formulários de indicação. Para nós, é de grande valor preservar as palavras deles, apesar de não termos identificado os autores. Somos profundamente gratos aos responsáveis pelas indicações, que levaram tempo e tiveram trabalho para reunir um excelente material de indicação. Também gostaríamos de expressar nossa admiração por todos os indicados, tenham entrado na lista curta ou não.

Parece que ver o que é novo pela lente das categorias existentes é parte da natureza humana. Assim podemos manter nosso mundo em ordem. Embora isso funcione bem para situações estabelecidas, se analisarmos as instituições e s processos da filantropia em mercados emergentes, devemos abrir nossa mente para conceitos totalmente novos e estar preparados para ver as misturas mais inusitadas de formas e cores. Foi isso que me impressionou quando naveguei pelas 41 indicações ao prêmio, vindas de todas as partes do mundo.

A ideia comum de filantropia sempre diz respeito à distribuição voluntária da riqueza privada para o bem do público ou – em um sentido mais trivial – dar assistência aos menos abonados do que os próprios filantropos. Neste paradigma, o desenvolvimento da filantropia evolui incentivando mais pessoas ricas a doarem e darem o dinheiro de forma generosa (e mais ponderada, se formos ambiciosos o bastante). Iniciativas como a campanha Giving Pledge ou o trabalho diário de desenvolvimento da filantropia e do setor de assessoria – de organizações sem fins lucrativos especializadas a bancos privados – formam este segmento no mercado filantrópico estabelecido, e o impacto do trabalho deles é impressionante.

A abordagem é muito relevante também para os países de mercado emergente, porque a criação e o acúmulo de riqueza é uma consequência importante da “emergência de mercados”. Mas nestes mercados as várias estratégias de construção de filantropia – aumentar o perfil de doação na sociedade, desenvolver a capacidade profissional das pessoas e instituições, experimentar modelos culturalmente adequados, promover melhores práticas e trabalhar com filantropos para gerar inspiração e confiança – acontecem em ambientes que não são particularmente favoráveis. É por isso que é difícil superestimar os esforços e a liderança das pessoas, como um dos nossos indicados da América Latina: “que pode ser considerado um fundador da filantropia moderna na região, ajudando a sociedade civil a recuperar seu papel depois da queda dos regimes militares em vários países… um empresário social visionário que trouxe inovação para lidar com a filantropia comercial, filantropia familiar e filantropia comunitária; definir modelos e processos de assistência para ajudar aos doadores no processo de tomada de decisão; formar jovens profissionais para apoiar a filantropia; criar organizações de referência para um processo contínuo de crescimento e desenvolvimento da filantropia brasileira e latino-americana”.

Ao tentar captar o poder de convencer as pessoas sobre o valor de doar, uma amiga minha uma vez chamou Olga Alexeeva de “uma evangelista da filantropia”. Pessoas como Olga e muitos de nossos indicados aparecem não por causa de uma demanda por seus serviços, mas sim para criar o campo desde seu esboço, como outro indicado da África do Sul: “que está atualmente envolvido com o desenvolvimento de uma estratégia em longo prazo para promover a filantropia na África do Sul, alinhada à missão de construir uma cultura duradora de “doação”, que resulte em uma sociedade e uma democracia fortes e estáveis na África do Sul”.

A inspiração que esses modelos oferecem aos ricos é bastante inspirada no estabelecimento das culturas de doação. Uma boa evidência que o exemplo pessoal funciona em todos os lugares é dada por uma filantropa da Índia, uma Diretora Executiva aposentada de uma empresa de TI e presidente de uma ONG indiana: “sua habilidade de articular suas paixões, e a alegria e paz interior que ela demonstra em seu comportamento e na forma como fala, é a melhor propaganda possível do prazer de doar. Eu conheço muitas pessoas que se inspiraram no exemplo dela para abraçar a filantropia em suas vidas”.

Porém, há vários exemplos que não envolvem riqueza e que, contudo, podem ser descritos como desenvolvimento da filantropia. Uma das maiores revelações das indicações que eu vi, foi que a filantropia costuma vir de além do mundo de grandes somas e é fascinante observar o que a guia. Às vezes, trata-se de uma história pessoal, como a história de: “um jovem do Quênia [que começou] em 2006, quando aos 18 anos ele mobilizou 10 de seus amigos para uma caminhada para ajudar sua família a levantar dinheiro para ajudar sua mãe doente… a fazer um transplante de rim. Cada um percorreu 120 km – juntado todos, percorreram 1.200 km – que foi a distância que ele estimou que sua mãe teria andado fazendo suas tarefas domésticas diárias nos três anos que ela ficou doente. Como resultado desta caminhada inicial, muitos outros quenianos de boa vontade se uniram a ele para criar uma fundação com a visão de uma sociedade saudável, consciente sobre saúde… Ele literalmente transformou o que era uma tragédia familiar em um remédio nacional, através de sua fundação”.

Ou, talvez, o que é essencialmente um projeto de desenvolvimento comunitário possa reforçar sua missão principal ao construir a confiança e o respeito dos doadores pelos beneficiários, criando um diálogo que nunca existiu antes e dando maior significado para o ato de doar. A mudança real que esta abordagem traz para a comunidade afeta o comportamento do doador e inspira a comunidade a trabalhar junta para um propósito comum. A história de uma assistente social indiana de Rajasthan é um grande exemplo.

“Quando ela me levou para dar uma volta pelos desertos de Rajasthan, a única coisa que eu pude ver com certeza é que os doadores não sabem o que é o melhor. Quem sabe melhor são os moradores de Rajasthan, que vivem com menos de £1 por dia. A mulher que administra seu lar com essa renda é uma economista excelente. Ela sabe exatamente se deve gastar algumas rúpias para mandar seus filhos para a escola, ou se deve comprar lentilhas, ou se deve garantir o pasto para sua vaca… Foi isso que ela me ensinou. E, quer saber? Ela sequer percebeu que estava ensinando alguma coisa, porque o que ela faz é do fundo do coração. Iniciativa irrestrita e inspiração sem igual – dar voz ao povo, mostrar o que está disponível e ver o povo mudar a vida deles””.

Em muitos países de mercado emergente as grandes oportunidades econômicas convivem com grandes desigualdades. É por isso que para muitos de nossos indicados a filantropia não se resume a doar, mas também diz respeito a promover a mudança social. Um bom exemplo disto é uma indicada do México: “que entendeu que para que a mudança social ocorra, não basta fortalecer as organizações da sociedade civil… é necessário também que o investimento social se torne mais estratégico e voltado à mudança social. Mais do que qualquer outra pessoa no México, ela não só entendeu a complexidade destes desafios interligados, mas trabalhou incessantemente para lidar com eles”.

Outra indicada, que lida com o desenvolvimento da filantropia comunitária na Europa Central e Oriental, leva a ideia de mudança social para o nível comunitário: “com seu trabalho, ela contribuiu com profissionalismo, energia e compromisso para avançar a filantropia organizada na Romênia e na região. Este trabalho oferece uma infraestrutura para as comunidades locais e pessoas para que se envolvam na mudança social e assumam a responsabilidade pelo seu ambiente. Esta é uma mudança importante nas atitudes sociais na Romênia”.

A filantropia comunitária é a área mais comum entre nossos indicados, que se dedicam a ela cuidadosamente entrelaçando-a ao tecido da cultura e da tradição locais, concentrando-se em doar outras coisas além de dinheiro e construindo o comportamento filantrópico em condições muito difíceis. É exatamente o que faz nossa indicada palestina, em um lugar onde: “há uma caridade religiosa e há relações públicas corporativas, mas a ideia de investimento comunitário e mobilização dos recursos palestinos (locais, corporativos e de diáspora) é algo que esta organização está promovendo pioneiramente, com ela à frente… Ela é inteligente e intuitivamente ciente do que vai “decolar” na cultura local e quais passos devem ser adotados antes que as iniciativas filantrópicas ganhem credibilidade… Ela sabe com o que cada pessoa pode contribuir melhor e usa seu poder carismático de persuasão para incentivar as pessoas a doarem… Seu foco na doação e não no dinheiro expande a definição do que significa doar (ideias, voluntariado, bens materiais, etc.) e revela um mundo onde os doadores e beneficiários não têm uma relação hierárquica, mas onde todos são doadores e beneficiários, e os dois são dignos””.

É impressionante a variedade de formas e cores que o desenvolvimento da filantropia assume, construindo instituições, criando confiança pública, desenvolvendo um ambiente favorável, incentivando as pessoas, revigorando as comunidades, promovendo a melhor prática, ensinando os doadores e formando líderes. Mas ao final dia, sem líderes apaixonados – evangelistas como Olga Alexeeva e as pessoas indicadas para o Prêmio Memorial Olga Alexeeva – todas essas ideias não seriam mais do que palavras vazias. No entanto, diante das coisas diferentes que essas pessoas fazem e o que vivem, eu sinto que estamos testemunhando o surgimento de uma nova coorte de pessoas de todos os continentes, que andam na mesma direção.

* Maria Chertok é diretora executiva da CAF Rússia e editora convidada para esta edição especial da Alliance. E-mail: [email protected]

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