Fortalecimento das comunidades tradicionais se mostra caminho importante para preservação socioambiental

Por: GIFE| Notícias| 05/08/2024

A agricultora Sueli de Oliveira no Quilombo Dona Bilina durante colheita dos insumos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

“Nosso maior desafio diz respeito à titulação de nossos territórios”. As palavras proferidas por Selma Dealdina, articuladora política da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), denunciam uma realidade comum a muitas comunidades tradicionais no Brasil. Povos indígenas e quilombolas convivem no Brasil com uma dinâmica em que seus territórios são explorados de maneira predatória, colocando em risco o ecossistema ambiental. 

“O poder quilombola sobre as terras é um poder baseado na palavra, na atitude, na relação – e não na escrita”. A frase é do quilombola piauiense Nêgo Bispo (1959-2023), que será um dos homenageados no Mês da Filantropia Negra – 2024, e traz à tona a dimensão dos empecilhos que os ditames colonizadores jogam sobre esses povos. A morosidade no processo de demarcação e titulação das terras, além de mecanismos como o Marco Temporal, expõem a vulnerabilidade dos territórios tradicionais e indígenas.

“O Estado brasileiro tem sido um dificultador representativo para a nossa luta, em especial porque as ameaças, os assassinatos permanecem acontecendo com as lideranças quilombolas”, destaca Selma Dealdina. Exemplo disso foi exposto num levantamento feito pela Conaq, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), que apontou que 98,2% dos territórios quilombolas estão em risco no Brasil.

O cenário de ameaça também se estende aos territórios indígenas no país. De acordo com o Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2023 do Conselho Indigenista Missionário (Cimi),  publicado em julho deste ano, ocorreram 150 casos de conflitos relacionados a direitos territoriais, em 124 terras e territórios indígenas espalhados em 24 estados do país. 

Impactos ambientais

A não preservação desses territórios afeta, não apenas os grupos que pertencem a esses espaços, mas toda a sociedade, de acordo com observação de Juliana Strobel, diretora de Ação Climática da Fundação Avina, que considera essa uma questão de bem público. “Quando se protege esses ambientes tradicionais há o benefício voltado para os povos pertencentes àquele lugar, mas enquanto comunidade global, a manutenção e conservação do território significa um equilíbrio dos ecossistemas e da regulação climática mundial”, explica. 

Percepção também observada no artigo “Biocultural approaches to pollinator conservation”, que mostrou que a relação de indígenas e povos tradicionais com a terra trazem benefícios, como a proteção de polinizadores, que possuem papel fundamental na natureza contribuindo com o processo de produção de sementes das plantas, favorecendo o equilíbrio da fauna e da flora. 

O ISP construindo caminhos possíveis

Para Juliana Strobel e Selma Dealdina, o investimento social privado ocupa um espaço importante na luta pelos territórios indígenas e tradicionais, a partir do apoio de iniciativas que pressionem a conquista desses direitos. No entanto, os direcionamentos devem ser protagonizados por quem lidera a luta. “Os recursos precisam chegar e isso precisa ser dialogado conosco, não dá para ter atravessador nessa história. Durante muito tempo nós fomos vítimas de atravessador. Essa precisa ser uma discussão feita direto com a gente, para que possamos dizer o que queremos e como queremos”, frisa Selma Dealdina.

Convicção reforçada pelos números que entregam a falta de engajamento do ISP com o tema. Dados do Censo GIFE 22-23 mostram que no quesito atuação direta, comunidades remanescentes de quilombo e terras indígenas tiveram investimento de apenas 10% e 7% das organizações, respectivamente.

“Toda vez que o investimento social privado investe em ações de fortalecimento das populações tradicionais, ele está também contribuindo para a preservação cultural e para a transmissão desses conhecimentos tradicionais”, conclui Juliana Strobel.


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