Generalização prejudica efetividade de projetos contra a criminalidade

Por: GIFE| Notícias| 28/02/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

No final de janeiro, o Projeto CoavCoav (sigla em inglês para “”Crianças e Jovens em Violência Armada Organizada””) lançou o estudo Serviço Jovem – Uma política de prevenção e alternativas ao envolvimento de jovens na violência urbana no Brasil. Realizado em parceria com as ONGs Viva Rio e Innovations in Civic Participation, o documento tem duas versões, uma direcionada para governos locais e outra para o governo federal.

O objetivo foi identificar por que, apesar da grande quantidade de programas de prevenção da violência criados nos últimos anos por ONGs, governo e prefeitura, os índices de criminalidade e a sensação de insegurança no Rio de Janeiro continuam um dos mais altos da América Latina.

As principais reivindicações do documento são incentivo à liderança e protagonismo juvenil; prestação de serviço comunitário; aumento de capacidades e habilidades voltadas para o mercado de trabalho; promoção da cidadania ativa e elevação do nível educacional. O próximo passo é chegar a um projeto-piloto que resultaria mais tarde num programa de grande escala. O objetivo final é a criação de uma Política Nacional de Serviço Jovem.

Em entrevista ao redeGIFE, a cientista política Marianna Olinger, responsável pelo estudo, fala sobre o diferencial entre programas para jovens e aqueles que tratam da violência entre este público, além das ações necessárias para diminuir e evitar a violência armada entre crianças e adolescentes.

redeGIFE – Podemos dizer que faltam projetos que tratam da questão da violência entre os jovens?
Marianna Olinger – A questão da violência está muito presente nas vidas dos jovens e pode ser encarada de diversas formas. Existem vários tipos de projetos que alegam trabalhar com essa questão. No entanto, quando observamos o público-alvo, os projetos acabam generalizando “”jovens de comunidades de baixa renda”” como os principais beneficiários, enquanto sabemos que apenas uma parcela muito reduzida do todo (mesmo dentro de comunidades de baixa renda) se envolve ativamente com a violência ligada a criminalidade. Acredito que essa generalização acaba prejudicando o alcance e a efetividade dos projetos em relação aos jovens já envolvidos ou muito próximos da criminalidade, sendo que essa minoria tem um impacto qualitativo muito grande na sociedade.

redeGIFE – Quais são os diferenciais entre programas para jovens envolvidos com violência armada e outros, dirigidos à juventude como um todo?
Marianna – Programas para jovens em violência armada organizada e tráfico de drogas têm primeiramente que ter estratégias específicas de atração, pois esses jovens dificilmente têm acesso a esses programas. Em segundo lugar, é necessário que sejam flexíveis levando em consideração as necessidades do público-alvo. Algumas das características comuns a jovens envolvidos em violência armada são a baixa escolaridade (a maioria não chega a completar o ensino fundamental) e a necessidade de auto-sustentabilidade ou de sustentar a família. Essas duas características pressupõem que esses jovens precisam de uma fonte de renda, mas ao mesmo tempo, têm muita dificuldade de inserção profissional (devido à baixa escolaridade). Também nota-se que as facções do tráfico muitas vezes proporcionam uma sensação de “”pertencimento””, que precisa ser substituída por meio do desenvolvimento de atividades alternativas como arte, esporte, ou outro foco de interesse.

redeGIFE – Que tipo de ações são mais necessárias para diminuir e evitar a violência armada entre crianças e adolescentes?
Marianna – Existem basicamente duas formas de intervenção, a preventiva e a de recuperação/reintegração. Para que o envolvimento de crianças e adolescentes na violência armada e no tráfico de drogas seja evitado ou diminuído, é necessário que essas duas formas sejam adotadas em conjunto, do contrário você “”ganha”” de um lado e “”perde”” do outro. No âmbito da prevenção é necessário que se invista principalmente em educação de qualidade, formação de consciência cidadã, no acesso à formação profissional e ao mercado de trabalho, lazer, cultura e mecanismos de suporte as famílias. Em relação à reintegração, é necessário primeiramente que se desenvolvam estratégias locais para alcançar e dialogar com esse público. Em um segundo momento é preciso que se crie estruturas de suporte que possibilitem essa transição que ocorre entre o momento em que o jovem se afasta do crime até o momento em que ele possa garantir a sua sobrevivência.

redeGIFE – Como fazer o monitoramento dos resultados destes programas? Quais índices podem avaliar esse tipo de ação de maneira qualificada e eficaz?
Marianna – O monitoramento de programas nessa área deve, primeiramente, levar em conta os impactos no indivíduo (beneficiário direto), na família e na sociedade em geral. Os impactos no indivíduo são mais fáceis de serem medidos. Indicadores como mudança de comportamento, aumento de escolaridade e situação profissional são bons exemplos. Porém, é importante que o monitoramento e a avaliação sejam participativos, que envolvam beneficiários, familiares e os profissionais envolvidos. Já os impactos na comunidade e na sociedade em geral são um pouco mais difíceis de se medir e, dependendo da escala, são melhor mensuráveis a médio e longo prazo.

redeGIFE – Para ajudar na formulação de políticas públicas e programas sociais mais eficientes, o estudo propõe como alternativa a criação de uma Política de Serviço Jovem. No que consistiria esta política?
Marianna – Propomos uma política que oriente e dê suporte a programas e projetos onde jovens aprendam e se desenvolvam por meio da participação ativa em serviços planejados e organizados, utilizando as habilidades adquiridas para gerar resultados visíveis para eles e para a comunidade. A idéia principal é que se crie oportunidades de elevação de auto-estima e a mudança da imagem que o jovem previamente envolvido com a criminalidade ou estigmatizado pela proximidade com o crime tem perante a sociedade. O que faz um programa de serviço jovem diferente de um programa exclusivamente focado em capacitação ou educação é que nesse tipo de programa o próprio jovem é incentivado a fazer algo para melhorar a sua condição de vida e as condições da comunidade. Dentre outras coisas, recomenda-se que a violência seja tratada com a abordagem de saúde pública, e que se discuta os impactos da mesma nas vidas dos jovens, incentivando o entendimento do problema e formas alternativas, não-violentas, de resolução de conflitos.

redeGIFE – No trabalho, vocês indicam que os “”grupos de risco”” são heterogêneos. Até que ponto isso dificulta o trabalho de criação de políticas voltadas para estes públicos? Como trabalhar essa heterogeneidade?
Marianna – Bom, quando se fala de políticas públicas, a idéia é que se tenha diretrizes básicas que atendam a maioria. O que sugerimos não é que se tenha programas exclusivos para cada grupo, mas sim que se tenha estratégias diferenciadas de atração e até de trabalho em alguns momentos. Se você tem conhecimento das necessidades e potenciais do seu público-alvo, e se tem flexibilidade para lidar com essas diferenças, pode trabalhar a universalidade respeitando a diversidade. Quando isso é levado em conta na criação de políticas, a relação custo-benefício é positiva, já que as chances de sucesso são muito maiores.

redeGIFE – Durante sete meses, vocês realizaram entrevistas com especialistas, analisaram projetos em andamento e formaram grupos de discussão com jovens do Complexo da Maré. Quais os principais resultados de cada uma destas etapas?
Marianna – Na primeira parte, onde entrevistamos profissionais e trabalhamos com o grupo de discussão, aprendemos muito sobre as reais necessidades desse público. A principal reclamação dos jovens era a de que é comum surgirem “”projetos novos””, governamentais ou não, muito pouco flexíveis, além de não levarem em conta as reais necessidades deles. Tais projetos acabam por não ter grande impacto em suas vidas e na comunidade, já que acabam por atingir um grupo bem limitado. Os jovens também foram muito importantes no sentido de sugerir ou confirmar quais estratégias poderiam ter êxito ou não. Quanto à análise de projetos, a principal conclusão foi a falta de práticas participativas, tanto nas fases de planejamento, quanto no monitoramento e na avaliação, nestes dois últimos casos, quando existentes.

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