Gerando um movimento em favor da ética a partir da projeção ao caos

Por: GIFE| Notícias| 13/06/2005

ISMAEL ROCHA
Mercadólogo, chefe do Departamento de Marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e diretor da Pulsar Assessoria Integrada de Marketing e Comunicação

LIANA RANGEL
Jornalista e consultora na área de marketing e comunicação

Dois filmes de apurada visão crítica da sociedade de consumo dos nossos dias fazem parte da filmografia obrigatória de todos os que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos com o tema: “”Quanto Vale ou É por Quilo””, de Sergio Bianchi, e “”A Corporação””, de Mark Achbar e Jennifer Abbott.

Seguindo a mesma trilha de “”Tiros em Columbine”” do jornalista e documentarista Michael Moore, os filmes refletem uma das idéias mais propagadas por este quando vaticina a autodestruição das grandes companhias e, por conseqüência, da sociedade: “”Como um mercador que, de tão ganancioso, vende a corda com a qual ele próprio vai se enforcado””.

Lançando mão de distintos recursos cinematográficos, Bianchi, Achbar e Abbott parecem ter um objetivo único: o de descortinar os bastidores de corporações (com ou sem fins lucrativos), mostrando que a busca desenfreada pelo lucro a qualquer preço é um fim em si mesmo, e que tal prática não suscita qualquer culpa aos seus interlocutores.

Os diretores deixam claro que as organizações são seres sociais que constroem uma relação mimética na qual influenciam e são influenciadas sem, muitas vezes, deixar evidente tal processo. Assim, a responsabilidade pelos resultados, sejam eles danos políticos, sociais, ambientais ou culturais, não são imputados a ninguém, é conseqüência de uma sociedade onde todos participam, onde todos são os responsáveis e, “”como todos é ninguém””, viva James Dean, ou o personagem Jett Rink: “”Assim caminha a humanidade””!

Administradas com o objetivo único do acúmulo de capital, segundo os diretores de “”A Corporação””, as empresas transcendem a vontade individual de seus dirigentes e colaboradores, criam estruturas de produção viciadas e propícias à desumanização, ao alastramento da corrupção e de políticas totalitárias. É mister destacar que esse movimento é apontado como decorrente de uma realidade histórica, onde as corporações assumem o papel de seres autônomos, independes, focados num objetivo único que é o lucro. No seu depoimento em um trecho do filme, Milton Friedman, economista, pai do monetarismo, liberal e vencedor do Prêmio Nobel, dispara: “”Pedir a uma corporação que seja socialmente responsável faz tanto sentido quanto pedir a um edifício que o seja.””

Em paralelo, em “”Quanto Vale ou é por Quilo””, vemos um Brasil obscuro, atrasado moralmente, onde as ONGs aparecem como o álibi de empresas corruptas, que têm por trás de si a miséria alheia como negócio rentável. Bianchi constrói analogias entre o passado e o presente, aponta para situações clichês, porém emblemáticas, que sensibilizam a sociedade contemporânea pelas feridas abertas no passado e até hoje não cicatrizadas, como o cruel período escravocrata. Construído sob a égide da dialética, o bem e o mal caminham lado a lado. “”Fazer o bem sem olhar a quem”” pode funcionar, mas “”fazer o bem”” a um alto preço é maléfico, escraviza, constrói relações lenitivas que mitigam realidades muitas vezes sórdidas.

Em nenhum dos dois filmes é apresentada alguma solução para os problemas. Não há respostas prontas!

Por outro lado, as denúncias suscitam a necessidade de se discutir e repensar a importância das corporações na sociedade, pois evidenciam seu poder de erguer ou destruir, de corromper ou educar as comunidades onde estão inseridas e a quem influenciam enormemente.

O tom acusatório e não excludente dos filmes reergue o debate sobre a vital responsabilidade que as empresas têm em prezar pela transparência, tornando público seu ativo social e confirmando, através de atitudes e decisões, seus valores e sua consciência ética.

As organizações são seres que fazem parte da sociedade, alimentam-se e se sustentam pelas relações que estabelecem entre si e com o meio onde estão inseridas. São seres vivos, mas não autônomos!

Os diretores dos filmes deixam claro essa interdependência, essa vinculação entre uma realidade social caótica e a responsabilidade que as organizações, sejam elas com ou sem fim lucrativos, possuem. A pretensão dos filmes se encerra no tom fúnebre da denúncia – e nisso são eficientes.

Valendo-se do conceito de que a sociedade não é impotente, incapaz e inerte a tais fatos, e possui capacidade em reverter o crítico quadro, em destruir o monstro que criou, Sergio Bianchi, Mark Achbar e Jennifer Abbott têm também o papel de alertar a todos nessa direção.

A projeção ao caos deve gerar um movimento contrário, um contraponto em favor da ética, da transparência, do profissionalismo, dos verdadeiros indicadores de desempenho, do trabalho em rede, do levantar um hino a uma nova sociedade. Se os filmes gerarem alguma mobilização nessa direção, voltamos a encontrar o sentido da pizza pós-cinema. Com direito a Guaraná.

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