GIFE e FGV lançam pesquisa sobre alinhamento entre o investimento social privado e o negócio
Por: GIFE| Notícias| 28/11/2016A tensão entre o público e o privado nunca esteve tão presente na sociedade brasileira e, como não poderia deixar de ser, traz reflexos diretos para o investimento social privado (ISP), afinal, estamos falando do uso voluntário de recursos privados para ações cuja finalidade é de interesse público.
É neste contexto que o debate em torno do alinhamento entre o ISP e o negócio – presente nos últimos anos no setor – vem ganhando cada vez mais força. Junto com ele, surgem muitas dúvidas e inquietações: Há apenas uma forma de se promover essa aproximação? Quais os limites para esse alinhamento? Para onde está indo esse campo? Quais os desafios que estamos a enfrentar no futuro próximo?
Para fortalecer ainda mais o debate e apontar algumas direções, o GIFE, em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVces) e o Instituto C&A, acabam de lançar a pesquisa: “Entre o público e o privado: caminhos dos alinhamento entre o investimento social privado e o negócio” (clique aqui para baixar).
A partir de uma consistente revisão bibliográfica e a observação do campo, baseada em dezenas de entrevistas com atores relevantes do setor, o estudo busca trazer um panorama e recomendações sobre como os institutos e fundações e seus mantenedores empresariais, em diferentes graus de alinhamento, podem refletir sobre os mecanismos capazes de preservar o sentido público das ações de investimento social.
“Mais do que um tema, estamos falando de algo que diz muito da essência do próprio ISP. Por isso, essa discussão tem se tornado mais candente nos últimos anos e, como tal, se tornou uma das oito agendas estratégicas do GIFE para os próximos anos. Essa reflexão mostra que não há um caminho único a percorrermos e que as mudanças de contexto vão trazendo novos elementos para pensar nesse processo”, destacou Andre Degenszajn, secretário-geral do GIFE durante o evento de lançamento da publicação, promovido no dia 23 de novembro, em São Paulo.
Giuliana Ortega, diretora executiva do Instituto C&A, ressaltou também que a proposta do estudo é trazer ainda mais luz a esse debate tão essencial no setor, a fim de que os institutos e fundações possam compreender melhor o fenômeno do alinhamento e consigam preservar o sentido público do investimento social privado em suas práticas.
Para investigar tal fenômeno, a pesquisa partiu de duas perspectivas. A primeira parte dos macros movimentos que orientam o papel e o espaço que as empresas passaram a ocupar principalmente a partir da metade do século XX. A segunda, aborda o processo de transformação do campo do ISP ao longo do tempo até o momento em que o alinhamento passa a se manifestar.
De acordo com Aron Belinky, pesquisador do GVces, a proposta foi fazer um cruzamento e explorar o fato de que esse macro contexto induz novas reconfigurações e passa a configurar o alinhamento entre o ISP e o negócio. “Ou seja, não olhar apenas a partir do próprio campo, mas entender que esse fenômeno de certa maneira é expressão de um movimento maior do planeta. Um reflexo de uma transformação da sociedade”, ressaltou, lembrando que a referência de partida sempre foi a definição do próprio GIFE do que se considera hoje ‘investimento social privado’.
Tipos de alinhamentos
A pesquisa identificou que há duas vertentes nesta discussão: a primeira, de um grupo favorável ao alinhamento e que destaca os vários benefícios, como conquistar mais recursos ao ISP, agregar valor à ação do investimento social e que trata-se da tendência do futuro. Ao mesmo tempo, há outro discurso que é desfavorável ao alinhamento, enfatizando que seria uma estratégia apenas de marketing, que traz uma distorção da proposta original do ISP, entre outros aspectos.
“Começamos a perceber que temos, na verdade, uma tensão entre três grandes elementos e que o alinhamento tende a se estruturar em situações em que ocorre coincidência dessas três perspectivas que orientam os atores envolvidos no campo. A primeira é o sentido de atender à missão, ou seja, o instituto ou a fundação foi constituído para atingir a missão de interesse público e essa é a grande prioridade; outro paradigma tem a ver com o acesso a recursos, sendo que a proposta é a mobilização de maior quantidade de recursos para garantir a sua sustentabilidade; e, o terceiro, seria o valor gerado pelo ISP à empresa, ou seja, se não existir uma motivação adequada para a empresa realizar o investimento social, ele pode se tornar irrelevante em médio prazo”, ponderou Aron.
A partir dessa constatação, foi possível identificar, portanto, cinco tipos de alinhamentos que, muitas vezes, se conectam também. O primeiro é o território, ou seja, o espaço geográfico diretamente impactado pela atividade da empresa é um elemento central na configuração do alinhamento. O segundo tipo seria em função dos stakeholders, no sentido de que a aproximação entre ISP e negócio se estrutura a partir da relação com consumidores, fornecedores, clientes etc. Há também o alinhamento temático, no qual se dá a partir de um tema relevante tanto para a empresa quanto para o instituto ou a fundação.
Os outros dois últimos seriam o alinhamento por modelo de gestão, ou seja, na adoção de processos, objetivos e métricas inspirados nos modelos de gestão empresarial de suas mantenedoras e, por fim, o alinhamento institucional, no qual se dá de “fora para dentro”, ou seja, o alinhamento não surge da percepção dos atores diretamente envolvidos, mas sim responde a orientações externas, como dos controladores da empresa mantenedora.
“Algo levantado na pesquisa é se existiria um alinhamento total e absoluto, então. Porém, o que percebemos é que, se isso ocorresse, não estaríamos mais falando de institutos e fundações, mas de uma empresa que gera valor ou um negócio social de impacto. Além disso, é justamente pelas diversas percepções trazidas pelas empresas e seus institutos e fundações, que são de naturezas múltiplas, que faz com que o processo seja tão rico. Assim, o alinhamento absoluto não seria desejável porque eliminaria a diversidade que tem feito o campo crescer”, ponderou o pesquisador.
Riscos e oportunidades
A pesquisa buscou identificar também quais seriam os possíveis riscos e oportunidades decorrentes do alinhamento entre o ISP e o negócio em três dimensões: governança, recursos e gestão. Na dimensão de governança, por exemplo, destaca-se a percepção de que o alinhamento traz um espaço de fortalecimento do papel do instituto/fundação na tomada de decisão empresarial, levando à perenidade das atividades de ISP e também gerando relações mais saudáveis entre as áreas internas.
Já na dimensão dos “recursos”, destacam-se benefícios como a maior probabilidade de sustentabilidade financeira do instituto/fundação, assim como a possibilidade de parcerias entre investidores sociais com a atuação em mesmos territórios e temáticas, otimizando recursos. Do ponto de vista de gestão, aparecem benefícios como a atribuição de inteligência social e sentido estratégico à atuação social da empresa e a profissionalização e qualificação da atuação social empresarial.
Em relação aos riscos, também analisando as três dimensões, destacam-se questões como assimetrias de poder e conflito de interesse entre institutos/fundações e empresas mantenedoras, assim como de subordinação de prioridades, além de redução de recursos destinados a causas difusas e o efeito sobre o potencial inovador das atividades de ISP e nas políticas públicas, tendo em vista que o ISP é percebido como ‘laboratório de inovações’.
A partir destas percepções, o estudo elaborou alguns princípios a serem observados de forma a prevenir riscos. Em governança, por exemplo, a orientação é o fortalecimento das estruturas, como conselhos e comitês, além da importância do envolvimento de membros externos nessas instâncias. Já em relação aos recursos, indica-se o cuidado maior de transparência na prestação de contas e diferenciação das fontes de recurso. Por fim, em gestão, destacam-se princípios como diferenciação das ações de ISP e de investimento social não voluntário, assim como processos contínuos de consulta a beneficiários e à sociedade.
Alinhamento e a empresa
Mas, afinal, qual tem sido o sentido do alinhamento do ponto de vista da empresa? A pesquisa buscou identificar como as empresas também têm sido impactadas pelo alinhamento, e não apenas seus institutos e fundações. O alinhamento seria uma “resposta” às diversas demandas pelas quais as empresas têm sido chamadas a responder frente ao novo contexto social e que não conseguem lidar.
Sendo assim, os institutos e fundações teriam habilidades e capacidades específicas para responder a muitos destes desafios colocados atualmente às empresas. Hoje, ao contrário do que há 20 anos, por exemplo, há pressão da sociedade sobre o tipo e como se dá a atuação de uma empresa em determinado território vulnerável, assim como a exigência de assimilação em temas emergentes, a gestão integrada de impacto e a cooperação intra/inter institucional. A empresa está sendo chamada, cada vez mais, a se articular com outros atores e a estabelecer conexões que nunca teve de lidar anteriormente.
“Agora, por meio desse alinhamento, as empresas estão trazendo inclusive a equipe dos seus institutos e fundações para opinar em questões estratégicas ou para executar atividades, a fim de trazer habilidades, inteligências e expertises para dentro”, comentou Aron.
Impactos e reflexos na sociedade
Durante o lançamento do estudo, Ana Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), trouxe para a mesa de discussão o cuidado que é preciso se ter nos processos de alinhamento, pois os impactos desse movimento se dão não apenas nos institutos e fundações, mas também nas organizações da sociedade civil e os governos que são parceiros das ações realizadas pelos investidores sociais.
“Imagina uma situação em que uma Fundação, por exemplo, nesse realinhamento com a empresa, muda o seu foco e deixa de atuar em determinado território para alcançar regiões mais vulneráveis? Isso traz um reflexo direto naquele entorno. O mesmo vale para determinadas agendas. Precisamos nos perguntar: qual o papel do ISP frente ao atual contexto em que nos vivemos? Só para se ter ideia, do ponto de vista da educação, hoje temos PEC, Medida Provisória etc. Como o ISP se alinha ou não se alinha, debate e se posiciona nesse campo tão polarizado e complicado?”, questionou.
Esses questionamentos e desafios do alinhamento, inclusive, estão sendo vivenciados pelo Instituto C&A e Giuliana Ortega compartilhou com os presentes como tem sido a experiência da equipe nesse sentido, ao sair da agenda de educação depois de 25 anos de atuação no campo.
Tendo como ponto de partida um alinhamento estratégico global do investimento social do grupo C&A, o Instituto passa agora a direcionar suas ações à promoção de uma indústria da moda mais justa e sustentável. Nessa nova etapa, a organização se integrou à C&A Foundation e, no Brasil, dará apoio a iniciativas que ajudem a melhorar as condições sociais e ambientais de toda a cadeia produtiva.
“A decisão do enfoque global foi tomada após ampla reflexão sobre os desafios socioambientais que existem atualmente na indústria da moda e que precisavam ser enfrentados com urgência e de maneira coordenada em todo o mundo. Os acionistas da empresa C&A sempre acreditaram na força de uma marca a serviço de uma causa e, por isso, resolveram direcionar os investimentos sociais na promoção de uma indústria de moda mais justa e sustentável, beneficiando os trabalhadores do segmento, suas famílias e o meio ambiente”, explicou a diretora.
Para esse processo de realinhamento e saída do tema da “educação”, que contava com quase 80 organizações parceiras, foi estabelecido um processo de três anos, com a proposta de fortalecimento dessas organizações e minimização do impacto.
Segundo Giuliana, o mais importante nestes processos de mudanças, é garantir a manutenção da identidade da organização. “É preciso que ela se pergunte: a quem serve? Ter clareza disso ajuda muito. E é isso que estamos fazendo: Quem é o nosso público? Qual a melhor decisão que precisamos tomar?”, ressaltou.
Tensões e soluções
Segundo os especialistas presentes no debate, é fato que existem muitas teorias e também fantasias se determinadas ações, posturas e processos são de interesse público ou privado. Na opinião de Ana Helena, essa tensão presente não é ruim e é preciso que os investidores sociais assumam esse debate com transparência, o que legitima ainda mais o campo.
“Cada vez mais as empresas estão olhando para os institutos e fundações e desenhando as ações de forma articulada e, muitas vezes, com a perspectiva de impacto social. O que precisamos fazer é lembrar que os processos de alinhamento geram consequências positivas e negativas. E o que vale é trabalhar para minimizar as negativas e potencializar as positivas”, ressaltou o secretário-geral do GIFE.
Giuliana Ortega acredita que, para potencializar e trazer perspectivas positivas ao alinhamento, é importante que institutos, fundações e empresas mantenedoras definam, de forma clara, quais são seus papéis, responsabilidades e finalidades.
“Não queremos fazer o papel pela empresa de minimizar impactos. Se ela tem cadeia de fornecedores não ajustadas, por exemplo, não temos responsabilidade sobre isso. Mas, sim, o nosso olhar de contribuição tem que ser no sentido do que podemos fazer para mudar um contexto, um setor, e olhar para algo que vá ter resultados de interesse público. A lógica das pessoas tem que ser a prioridade de uma fundação ou instituto”, completou a diretora do Instituto C&A.
Na avaliação de Andre, o debate sobre o alinhamento traz para o cerne da discussão o momento atual, que deve ser de construção de legitimidade, algo que é um desafio não só para organizações mantidas por empresas, mas de todas as entidades. “O que precisamos fazer é valorizar o investimento social atento às questões públicas, aberto a ouvir a sociedade e que se pauta por práticas de transparência. Esse é o tipo de desafio que temos para fortalecer a contribuição pública de uma organização privada”.
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Para saber mais sobre o tema, aproveite também para conhecer a publicação GIFE lançada durante o 9º Congresso GIFE deste ano: Temas do Investimento Social: Alinhamento entre o investimento social privado e o negócio, aqui.