Global Philanthropy Leadership Initiative: Observações de um estranho no ninho…
Por: GIFE| Notícias| 26/11/2010Ana Lúcia Lima*
A pedido do Fernando Rossetti, secretário-geral do GIFE, tenho o desafio de compartilhar com os associados do GIFE uma experiência muito interessante, gerada pela oportunidade de participar de uma reunião cujo conteúdo e resultados foram certamente surpreendentes para quem, como nós do Instituto Paulo Montenegro, atua como investidor social sob a perspectiva brasileira…
O encontro, ocorrido em Bruxelas entre 10 e 12 de Novembro, reuniu gestores das associações dos equivalentes “GIFEs” dos Estados Unidos (o Council of Foundations) e da Europa (o European Foundation Center), de algumas das principais fundações a eles associadas e a WINGS (Worldwide Initiative for Grantmaker Support), representada pelo Fernando Rossetti, presidente do Conselho e Helena Monteiro, principal executiva da entidade. Presentes ainda alguns institutos e fundações do chamado, em linguagem politicamente correta, de “Global South” ou, no jargão económico, de “Emerging Markets”, o que já reflete um certo up-grade já que até só uns aninhos atrás éramos simplesmente chamados de ROW – “rest of the world”!
E dentre estes representantes, lá estava eu, responsável por uma instituição de porte infinitamente menor do que as demais e a única instituição com perfil corporativo presente ao encontro, um claro reflexo de uma das principais diferenças entre o investimento social privado no Brasil e no mundo: lá fora (pelo menos nos Estados Unidos e na Europa) a presença das organizações empresariais no campo da atuação social e filantrópica é, como sabemos, pouco significativa.
E qual era o mote do encontro? Confesso que demorou um pouco para que os participantes conseguissem perceber quais eram os objetivos desta reunião… Em princípio, o objetivo declarado era o de aprofundar discussões anteriores sobre os desafios, para doadores e associações que os representam, de atuar num cenário globalizado, com foco específico em três questões:
– assegurar um ambiente propício para a atuação filantrópica, sem constrições legais, fiscais ou políticas que restrinjam ou tutelem as organizações quanto a temas, objetivos e formas de ação;
– desenvolver e fortalecer modelos de colaboração e parcerias entre as próprias organizações já atuantes, com outros atores locais e com a sociedade civil em diferentes contextos;
– estabelecer formas de trabalho com os governos e com as organizações multilaterais.
Cá entre nós, nada muito diferente, à primeira vista, do que têm sido as conclusões de encontros de associados GIFE, visando fortalecer nossa atuação aqui na terrinha! Mas a coisa fica um pouco mais complicada quando ampliada enormemente a diversidade de contextos…
Uma exposição abordou o primeiro aspecto, destacando os problemas que já vêm sendo encontrados em diferentes países (muitos dos quais altamente prioritários na geopolítica da filantropia globalizada como os da Ásia Central e da África) para a implementação de ações de apoio a causas mais polêmicas ou até mesmo em conflito com os interesses dos governantes ou dos grupos no poder (questões ambientais, de direitos humanos, de igualdade de gênero ou religiosa e por aí vai…). Soa familiar?
O segundo aspecto realmente me lembrou muito das conversas no GIFE: quão importante é fazer parcerias para fortalecer a atuação de cada ator e quão difícil é transformar a teoria em prática! Também naquele contexto todos concordam que o impacto dos programas poderia ser multiplicado se conseguissem somar forças, seja entre os investidores sociais seja com outros atores da sociedade civil e – surprise, surprise! – quanto seria importante conhecer melhor o que cada um faz para poder encontrar o parceiro adequado para atuar em conjunto! Juro que tive que me segurar para não acabar oferecendo fazer uma pesquisa para ajudá-los neste mapeamento!
Quanto ao terceiro ponto, a conversa acabou se centrando na necessidade de construir uma imagem mais bem definida da filantropia internacional junto ao poder público (executivo e legislativo) e à sociedade civil nos diferentes países considerados prioritários, reconhecendo que esta imagem nem sempre é positiva, ora por desconhecimento e ora por um histórico de atuações não tão claras ou eticamente adequadas realizadas no passado. Outra semelhança com o que vemos aqui, mas agravada pela escala planetária e pelas diferenças culturais e conflitos de interesses entre os países tradicionalmente doadores e aqueles que costumam receber recursos.
Se até aí – a fase do diagnóstico – minhas surpresas foram mais pelas semelhanças do que pelas diferenças entre nosso contexto e o cenário global, a coisa foi ficando mais interessante à medida em que a reunião foi avançando na definição das ações a serem feitas para promover os objetivos esperados! Neste caso, o consenso entre os presentes era muito menor e houve bastante difculdade para definir as ações a serem implementadas e o papel de cada ator em sua execução. Em síntese, os seguintes aspectos chamaram a minha atenção:
– A América Latina não é claramente prioridade para receber recursos (e disso já sabemos, pois estamos vendo aqui uma forte redução das atividades das fundações internacionais!) mas alguns países, principalmente o Brasil e em segundo lugar o México, começam a ser considerados como atores relevantes, juntamente com a China (esta está em todas!), a India e alguns países mais “periféricos” da Europa, como a Rússia (de superpotência a periferia em 30 anos, que loucura!) , no grupo de doadores com potencial de atuação transnacional ou mesmo global;
– Se abrem expectativas e oportunidades muito interessantes nestes países – e, particularmente, no Brasil – com relação ao papel que os líderes do ISP e, por consequência, as associações que os reúnem, possam ter para garantir os avanços considerados necessários para potencializar a atuação num cenário global: inovação, flexibilidade e um melhor “trânsito” entre diferentes contextos são reconhecidos como fortalezas para este grupo de novos atores da filantropia sem fronteiras: uma clara demonstração desta visão foi a decisão do grupo de fortalecer a WINGS como a entidade promotora das iniciativas planejadas para atingir os objetivos que o grupo definiu como prioritários.
A perspectiva de ter as fundações, institutos e empresas brasileiras adquirindo o status de ator global no campo do investimento social privado me fez pensar se estamos ou não preparados (ou, até mesmo motivados) para este papel… E foi aí que percebi que eu não era o único “estranho no ninho”! Que este seria um desafio para a grande maioria das instituições que hoje atuam no Brasil!
Antes de mais nada, sabemos que ainda há muito que fazer pela melhoria das condições de vida dos próprios brasileiros, pela redução das enormes iniquidades de nosso país e pelo fortalecimento das instituições da sociedade civil que atuam neste campo. Em segundo lugar, acredito que falte uma base de conhecimento, uma rede de relacionamentos e uma cultura que sustente a atuação das instituições brasileiras fora do país. Corremos o risco de cometer equívocos, desperdiçar recursos ou mesmo ferir princípios fundamentais de independência e respeito das questões e características locais, por simples inexperiência ou ingenuidade.
Acredito que este seja um debate oportuno e pertinente para nosso setor e que o GIFE seja o fórum natural para promovê-lo. Espero, com este relato, ter gerado o interesse dos associados em contribuir com esta discussão.
*Ana Lúcia Lima é secretária-geral do Instituto Paulo Montenegro.