Governo argentino ainda rejeita diálogo com organizações sociais

Por: GIFE| Notícias| 25/02/2002

No meio da crise argentina, uma notícia no final de 2001 mostrou que o terceiro setor vem ganhando força no país vizinho.

Em dezembro, o Grupo de Fundaciones (GDF), constituiu-se em uma associação civil e concluiu uma importante etapa em seu processo de formalização. Surgido em 1995, a partir da reunião de seis fundações doadoras de recursos, o GDF é uma organização similar ao GIFE.

Confira a entrevista do diretor executivo da instituição, Fernando Esnaola, ao redeGIFE.

redeGIFE – Como o senhor avalia este momento de transição pelo qual a Argentina está passando?
Fernando Esnaola – É difícil avaliar a crise estando no meio dela. Pessoalmente, não sinto que estamos em um período de transição. Estamos em uma etapa inicial, com dois componentes igualmente críticos. Por um lado temos o agravamento dos nossos maiores problemas: pobreza, desigualdade, desemprego, carência de uma rede adequada de contenção social e sofrimento da infância e da terceira idade – que carece da atenção merecida e necessária. Por outro, o desânimo da população frente à falta de um sistema jurídico que a ampare e erradique a corrupção das instituições, a perda de representatividade das principais forças políticas e a insistência dos governantes em suas próprias fraquezas, imoralidades e ineficiências dos últimos tempos. Estamos vivendo mais que um momento de transição. É a dura agonia de um sistema cuja substituição não está clara a todos. Mas há sinais alentadores, como a reação popular – espontânea e independente – e um compromisso democrático que espanta as receitas autoritárias.

redeGIFE – Qual a importância que o terceiro setor pode ter neste período de crise no país?
Esnaola – O terceiro setor tem grande importância no atendimento às necessidades sociais. Acredito, sem dúvida alguma, que é hora de surgirem militantes que assumam a questão pública, líderes com valores como os do terceiro setor: com vocação de serviço, austeridade e lealdade para com sua missão. As organizações sociais estão cheias de pessoas que hoje são necessárias no atendimento das maiores necessidades do país. Precisamos substituir uma forma desgastada de fazer política por outra que nos torne responsáveis pelo nosso destino como nação.

redeGIFE – O governo tem procurado as organizações da sociedade civil para que soluções possam ser articuladas e colocadas em prática?
Esnaola – Tivemos algumas conversações que não chegaram a se tornar em ações concretas.

redeGIFE – Por que o senhor acha que ainda não há um diálogo mais freqüente entre o governo argentino e o terceiro setor? Para o senhor, como este debate poderia ser estimulado?
Esnaola – Ao convocar um diálogo, o governo pode fazê-lo por convicção ou por conveniência – já que cai bem chamar as ONGs. Porém acredito que não há muita convicção por parte do governo – nem deste, nem dos anteriores. Para que exista uma verdadeira ponte entre governo e terceiro setor, quem convoca o debate deve ter uma atitude aberta para escutar e receber propostas que possam modificar suas posições iniciais. Normalmente as organizações da sociedade civil são convocadas para que elas escutem o que o Estado desejar realizar. Se elas não podem contribuir para as políticas sociais – e nem nos critérios para uma adequada aplicação – o risco é que as ONGs sirvam apenas para legitimar as ações nas quais não crêem ou que não podem assegurar sua transparência ou eficácia. Para que o diálogo efetivo seja estimulado, precisamos cobrar do Estado autoridades sociais qualificadas, que tenham permanência em sua função e que dêem valor ao aporte de conhecimentos e de gestão que podem ser oferecidos pelas organizações sociais. Pelo lado das ONGs, é importante que tenhamos uma atitude firme na formação da opinião pública para que este debate seja demandado por toda a sociedade.

redeGIFE – Como tem sido a atuação das fundações e institutos de origem empresarial diante dos problemas que a Argentina está enfrentando?
Esnaola – Muito além das ações e respostas que as organizações vem gerando diante das demandas sociais, a crise iniciou uma análise profunda sobre o papel que elas devem cumprir. Será que é atender as emergências e seguir apostando na geração de oportunidades? Não é fácil responder diante da amplitude dos problemas e da capacidade de atendimento das fundações e institutos. O GDF está organizando algumas reuniões para permitir um debate em torno deste dilema.

redeGIFE – A criação de blocos econômicos, como Nafta, Mercosul e União Européia, tem marcado cada vez mais a economia mundial. O senhor acha possível uma articulação similar entre organizações sociais de Brasil, Argentina e outros países da América do Sul para o combate às desigualdades sociais?
Esnaola – O primeiro passo é identificar problemas comuns a todos os países. Frente a isso, podemos estabelecer um intercâmbio de experiências bem-sucedidas em resposta a estas dificuldades. Para isso, a existência de redes como as do GDF e do GIFE podem facilitar enormemente as coisas.

redeGIFE – Há relação entre a constituição do GDF em uma associação civil e a crise pela qual passa a Argentina?
Esnaola – Sinceramente não há uma relação direta. A decisão de nos tornarmos uma associação civil foi feita no início de 2001, quando a crise não passava de um horizonte provável.

redeGIFE – Quais são os principais objetivos do GDF?
Esnaola – Em termos gerais, o GDF busca promover a solidariedade como manifestação concreta da responsabilidade social daqueles que estão em condições de cooperar com o esforço das organizações e comunidades que trabalham pelo desenvolvimento social. Na Argentina, as fundações que doam recursos ainda são poucas em relação ao movimento econômico do país – e também em relação às necessidades que devem ser atendidas. Esse cenário representa o campo de ação do GDF: buscar uma mudança na visão e na forma de gestão destas fundações. Nesta tarefa de profissionalização, o papel do Grupo é difundir idéias que renovem e enriqueçam o trabalho das organizações, transferindo experiências e mostrando exemplos efetivos de cooperação.

redeGIFE – Foram quantos anos desde a criação do GDF e sua constituição como associação civil? Quais os principais desafios que o GDF enfrentou neste período?
Esnaola – O GDF começou com seis fundações no final de 1995. Após um primeiro encontro, ficou definida a realização de reuniões periódicas nas quais os participantes passariam a trocar experiências. O propósito era compartilhar conhecimento e analisar, de forma conjunta, diversos aspectos do trabalho filantrópico. Até meados de 1998, o Grupo funcionou como um espaço informal de encontro e intercâmbio só para estas seis fundações. A partir do ano seguinte, o GDF iniciou um processo de ampliação de sua base associativa e de seu nível de atividade. Os maiores desafios estavam em ganhar força em meio a uma cultura que tendia ao individualismo; conseguir formular uma missão, perfil e valores próprios; superar as resistências de alguns para formalização legal; e manter uma estratégia de crescimento gradual e sustentável, adequado às expectativas e ao nível de compromisso e participação de seus associados.

redeGIFE – Qual a importância do GDF ter se tornado uma associação civil?
Esnaola – Isso permitiu que pudéssemos superar algumas dificuldades de ordem administrativa que começaram a aparecer com o desenvolvimento de atividades mais complexas. Outro aspecto importante é o fato de podermos contar com um nível de representatividade mais formal. A formalização significa a consolidação da existência do Grupo e um compromisso maior de seus integrantes.

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