Grupo de Discussão debate fundos patrimoniais

Por: GIFE| Notícias| 25/10/2017

No último dia 03 de outubro aconteceu o terceiro encontro do Grupo de Discussão do Projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil. O tema dessa vez foi fundos patrimoniais, ou endowments.

Em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, os fundos patrimoniais despontam como um dos mecanismos para garantir recursos perenes para as organizações da sociedade civil (OSCs). No Brasil não existe regulamentação sobre esse tema, mas a movimentação legislativa em torno de projetos de lei versando sobre os fundos patrimoniais foi bastante agitada nos últimos meses – saiba mais aqui.

O encontro reuniu investidores sociais, pesquisadores, OSCs e especialistas, e contou com a participação dos debatedores Michael Mapstone, da Charities Aids Foundation, de Londres; Paula Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS); Priscila Pasqualin, especialista em Direito para o Terceiro Setor; e Vitor Oliveira, diretor de conteúdo e análise da Pulso Público.

José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE, aproveitou o início do evento para retomar as motivações do GIFE para criar a iniciativa, que visa fortalecer a capacidade institucional da sociedade civil por meio da produção de conhecimento e alterações normativas e regulatórias que ampliem as condições para a sua sustentabilidade política e econômica.

Como linha condutora do encontro, os debatedores fizeram um apanhado sobre o contexto geral dos fundos patrimoniais no Brasil e de sua aplicação no mundo, sobretudo em Londres, apresentando um resumo das proposições em tramitação no Congresso e Senado Nacional, bem como o histórico de atuação das organizações nessa temática.

“Primeiramente, precisamos entender que fundos patrimoniais são sobre o compromisso com a causa. A ideia é garantir a sustentação da organização em longo prazo. Hoje o Brasil ocupa a 17ª colocação da Ultra high-net-worth individuals (UHNWI), mas não vemos esse dinheiro sendo destinado a causas filantrópicas por meio de fundos perenes. São poucas organizações que se beneficiam desta estrutura”, analisa Paula Fabiani.

A crise de desconfiança, associada a falta de previsão legal e ausência de um regime tributário específico para doações filantrópicas, criam barreiras para a estruturação dos fundos patrimoniais no país. Entre os dados trazidos pelos debatedores está o fato de o Reino Unido, por exemplo, os fundos patrimoniais terem figuras jurídicas próprias. Já a França teve a criação de 200 fundos em um ano, após aprovação da legislação regulando o tema em 2008. Além disso, nos EUA, existe isenção para doações destinadas a organizações sociais, sendo taxadas somente as grandes heranças.

O cenário está dado: por um lado, quem tem dinheiro para investir, quer uma legislação que o proteja e garanta o investimento em determinada causa a longo prazo; por outro, as organizações buscam sustentabilidade financeira para seu desenvolvimento institucional. Segundo os especialistas presentes no debate, os fundos patrimoniais podem resolver parte desta equação. A questão recorrente: é regular ou manter a autorregulação? E se regular, como fazer e quais são os pontos de atenção para garantir que todas as organizações se beneficiem do instrumento.

 

Para quem são os fundos patrimoniais?

“A pergunta sempre retorna: uma legislação específica para os fundos patrimoniais ajuda ou atrapalha? Se pensarmos pela perspectiva do doador, é benéfico termos um projeto de lei que confira um contorno mínimo ao que vem sendo feito. Da parte das OSCs, o que precisamos garantir é que os projetos de lei em tramitação no Congresso e no Senado, inicialmente focados somente em universidades públicas, beneficiem as organizações como um todo e prevejam incentivos fiscais para doações de pessoas físicas. E para isso, precisamos fornecer subsídios técnicos para os PLs”, analisa Priscila Pasqualin.

Originalmente, um dos principais projetos em tramitação – o PL 4.643/2012– , de autoria da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), tinha alcance restrito: autorizava a criação de fundos patrimoniais exclusivamente para instituições federais de ensino superior. Um grupo formado por entidades da sociedade civil sugeriu a ampliação do projeto para que ele contemplasse associações e fundações de qualquer tipo ou área de atuação, mas o texto substitutivo aprovado ainda restringe a aplicação às instituições não governamentais de ensino superior com experiência mínima de 30 anos de atuação.

O pesquisador da Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas, Eduardo Pannunzio, explica que esta restrição inicial se deve ao fato de que o nascedouro do PL 4.643/2012 se encontra nas demandas das Instituições de Ciências e Tecnologias (ICTs) públicas. “Estamos pegando carona e fazendo um puxadinho no projeto de lei, de modo que ele abranja todos os tipos de OSCs. Não é o PL ideal, mas talvez seja uma oportunidade importante para termos avanços nesse processo. Dessa forma, é fundamental fazer uma articulação com esses grupos de ciência e tecnologia, trazê-los para o debate, para trabalharmos juntos nessa mobilização”.

Outro PL, o 8.694/2017, em tramitação na Câmara Federal, de autoria da Senadora Ana Amélia (PP/RS), dispõe sobre a criação e o funcionamento de fundos patrimoniais, vinculados ao financiamento de instituições públicas de ensino superior. A redação original previa que os recursos provenientes das doações seriam administrados diretamente pelas entidades. Esse modelo foi alterado por substitutivo aprovado na CAE, e prevê a celebração de contrato entre as instituições de ensino e fundações privadas. De acordo com o PL, tais fundações serão as captadoras e gestoras das doações – isto é, dos fundos patrimoniais – e não deverão repassar recursos financeiros à instituição apoiada, mas providenciar a execução de projetos por ela indicados.

Priscila Pasqualin aponta que os principais problemas do PL 8.694/2017 se encontram justamente na obrigatoriedade de os fundos patrimoniais serem constituídos e geridos por fundações; na limitação de apoio para até 4 organizações por fundo; e na falta de abrangência do PL, que está focado nas instituições de ensino e não se aplica inteiramente para os fundos geridos por organizações da sociedade civil, independente do tipo ou área de atuação.

Para Priscila diferentemente das universidades ou instituições de pesquisa – para as quais faz sentido a ideia de ter uma fundação para gerir o fundo e desvincular os orçamentos -, para as OSCs tal proposta poderia ser um entrave.

“Um dos problemas da obrigatoriedade da criação da fundação para gerir o fundo patrimonial está no dia a dia da organização. Ter mais um conselho, com várias instâncias de governança, não me parece tão razoável. Na prática, se isso acontecer, a organização dependerá da fundação para realizar a sua própria atividade fim”, analisa Ivan Marques, diretor executivo do Instituto Sou da Paz.

Como aponta Paula Fabiani, captar uma quantia inicial que faça sentido para a própria constituição de um fundo é difícil, pois o valor deve ser alto. Limitar o apoio de um fundo a somente quatro organizações por criar uma pulverização desnecessária que enfraquece e desestimula a criação do mecanismo no país.  

Para Paula Storto, advogada especializada em terceiro setor e assessora jurídica da Abong, um dos pontos cruciais que deve ser defendido pelos representantes da sociedade civil presentes no grupo de discussão é garantir que os projetos de lei beneficiem o setor como um todo. “Colocamos a Abong à disposição para levar adiante essa agenda de fontes de financiamentos de OSCs numa ideia mais plural. Precisamos assegurar que as regulamentações dos fundos não se transformem num processo para poucos, mas que possam chegar nas OSCs que mais precisam”.

Aspectos fundamentais para a criação de fundos patrimoniais no Brasil

Diante de tais desafios, surgiu uma proposta no grupo de discussão para definir os pontos mínimos de consenso que apontem caminhos possíveis para a redação de projetos de leis, a partir das demandas da sociedade civil. Parte desses aspectos fundamentais foram debatidos na ocasião, como, por exemplo:

  • Autorização para que todas as OSCs possam constituir fundos patrimoniais, independente de certificação ou área específica de atuação;
  • Possibilidade de a gestão do fundo ser feita diretamente pelas OSCs, sem necessidade de vinculação a fundação específica – ou a qualquer outra figura jurídica complexa – para gestão do fundo patrimonial;
  • Definição de parâmetros de governança e transparência que assegurem a autonomia das OSCs na gestão do fundo;
  • Revisão do atual regime tributário sobre doações filantrópicas, de modo a estabelecer um regime distinto da herança, reconhecendo imunidade e isenção das OSCs;
  • Estabelecimento de benefícios fiscais, se possível, para doações de pessoas físicas e jurídicas direcionadas aos fundos patrimoniais.

Durante a reunião do grupo de discussão, foi apresentada ainda a sugestão de elaboração de carta das organizações da sociedade civil sobre a regulação dos fundos patrimoniais e a possibilidade de se promover um evento no Congresso Nacional para dialogar sobre o tema.

Pannunzio finalizou o debate com um questionamento: “Devemos nos perguntar o que ganhamos com a regulação dos fundos patrimoniais. Por um lado, garantimos que a intenção do doador seja respeitada, a partir da segregação patrimonial (impossibilitando a cobertura de passivos por parte das OSCs). Por outro, asseguramos a implantação de incentivos fiscais, sobretudo para pessoas físicas. Porém eu analiso que os PLs que estão em tramitação hoje não trazem nem uma coisa nem outra. A dualidade está posta: podemos nos amarrar numa lei restritiva, que, porém, pode ser o caminho para estimular a criação de novos fundos, como se deu na França”.

O projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil é realizado pelo GIFE e pela Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da FGV Direito São Paulo, em parceria com o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) e com apoio da União Europeia, Instituto C&A, Instituto Arapyaú e Fundação Lemann.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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