Ibero-américa carece de legislação que fortaleça desenvolvimento do 3º setor

Por: GIFE| Notícias| 01/12/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Em novembro, aconteceu no Chile a segunda Reunião Regional sobre o Setor Filantrópico na América Latina e Caribe, realizada pelo Wings (Worldwide Initiatives for Grantmaker Support). O encontro reuniu diretores executivos de associações e redes de fundações doadoras de recursos de países da região.

Um dos objetivos do evento, que em 2002 foi realizado em São Paulo com o apoio do GIFE, é ser um espaço para a troca de experiências e informações sobre o terceiro setor nesses países. Assim como eles são diferentes em aspectos políticos, econômicos e culturais, seu setor sem fins lucrativos também é bastante diversificado. A falta de informações sistematizadas e, inclusive, de apoio a pesquisas para que se crie um panorama de cada um deles, é uma reivindicação comum.

Durante o encontro do Wings, os participantes apresentam alguns dados sobre o terceiro setor em seus países, o que permite ter um exemplo do estágio de evolução em que se encontram. É possível perceber, entre outras coisas, que a maior parte dos países latino-americanos tem leis que regulam o setor filantrópico, mas o marco legal não é favorável ao investimento social privado em nenhum deles.

No México, a atual regulação para as organizações da sociedade civil, segundo o relatório apresentado no encontro, é dispersa e arbitrária. “”Não somente não promove a ação dos cidadãos, mas também exclui de seu reconhecimento jurídico mais da metade das instituições, como as que trabalham com desenvolvimento comunitário, ecologia e direitos humanos.”” Além disso, o atual marco regulatório do país não permite a criação de fundações em sentido estrito, ou seja, instituições que têm um patrimônio com cujos rendimentos se operam programas ou se fazem doações a instituições operativas.

Ainda assim, nas últimas décadas, é cada vez maior o número de organizações da sociedade civil e de empresas que fazem investimento social no México. Saúde, educação e bem-estar são as principais áreas apoiadas. O país passa por um período de consolidação do terceiro setor, na qual três grandes aspectos devem ser trabalhados: geração de dispositivos legais e fiscais, aumento de uma cultura de doação e do número de instituições doadoras e criação de redes.

Na Argentina, pró-atividade, profissionalismo, transparência e alianças são os quatro principais desafios para o terceiro setor, conforme discursou a presidente da Fundação Arcor, Lilia Pagani, na reunião anual do Grupo de Fundaciones (GDF), em abril do ano passado. De acordo com o relatório apresentado pelo GDF ao Wings, há aproximadamente 80 fundações não-governamentais doadoras na Argentina. Dados do ano de 2000, produzidos pela Johns Hopkins University, apontam 80 mil organizações sociais no país, sendo que 4,5% dos trabalhadores empregados estão nessas instituições. Os maiores investimentos sociais no país são para educação (41%), cultura (15,1%) e saúde (13%).

Articulação – Iniciativa latino-americana, a Rede América – Rede Interamericana de Fundações Corporativas e Ações para o Desenvolvimento de Base reúne países como Brasil, México e Argentina e é incentivada pela Fundação Interamericana (IAF). Seu trabalho acontece nas seguintes frentes: divulgando a importância do desenvolvimento de base, buscando aumentar a eficácia e a eficiência das organizações que atuam nessa área, mobilizando apoios corporativos e financiamento para iniciativas sustentáveis nas Américas e colaborando para definir melhores formas de apoio ao desenvolvimento de base.

Entre as atividades realizadas estão a articulação de parcerias, a realização de reuniões e conferências nos países participantes e programas de intercâmbio. Esse último surgiu a partir de um levantamento sobre o que as instituições possuíam de tecnologia a transferir e o que elas gostariam de aprender. Além dos encontros para conhecer as experiências das outras organizações da rede, acontecem alguns com consultores especialistas em terceiro setor.

“”A troca de experiências entre instituições é sempre interessante e, no caso da Rede América, torna-se ainda maior, pois as instituições têm uma missão em comum. Não acredito que as diferenças entre os países dificulte o processo. Apesar das distintas culturas e condições geopolíticas, estamos falando de nações cujos problemas econômicos e desafios sociais são bastante parecidos. Portanto, existe uma pré-disposição em contribuirmos uns com os outros e nos fortalecermos enquanto grupo””, afirma Marta Castro, representante da Fundação Odebrecht na Rede América. Além da Odebrecht, três outros associados GIFE participam da rede: o Instituto Holcim e as fundações Otacílio Coser e Acesita.

Para Soledad Teixidó, diretora executiva da Fundação PROhumana (Chile), pela diversidade e heterogeneidade do terceiro setor, a melhor maneira de articulá-lo é detectando grandes eixos temáticos, que permitam identificar e implementar uma plataforma de ação. “”O intercâmbio de experiências entre as organizações do terceiro setor serve para compartilhar o comum e o diferente entre nossos países e analisar como isso afeta as dinâmicas, a gestão e a sustentabilidade de nossas ações.””

Chile, Colômbia e Peru são mais três dos países que fazem parte da Rede América. De acordo com Soledad, o atual cenário político chileno abriu caminho para gerar novas ações relacionadas ao investimento social privado. Nos últimos anos, tem aumentado o número de fundações doadoras de origem empresarial no país. “”Para o crescimento do terceiro setor chileno, é necessário aumentar o conhecimento e a pesquisa sobre ele, fazer mais articulação entre as organizações e analisar o desenvolvimento do tema nos países vizinhos e naqueles que atualmente compõem a agenda econômica do Chile, como EUA e países da União Européia.””

A personalidade jurídica de associações e fundações chilenas depende da autorização do presidente da República, através de um “”decreto supremo””. No entanto, alguns tipos de organizações sem fins lucrativos são regidas por uma legislação mais moderna, que oferece um sistema de registro público. A constituição chilena não reconhece imunidades tributárias a nenhum tipo de pessoa ou instituição. Mas já existem exceções para as organizações sem fins lucrativos. Para elas, o principal obstáculo a ser vencido é a necessidade de aprovação do governo para fazer legível os projetos de doação.

No Peru, outro país integrante da rede, de acordo com o relato feito por seus representantes no encontro do Wings em 2002, o terceiro setor é pouco desenvolvido, e há o costume de realizar coletas públicas para atender situações de emergência local ou nacional. “”O investimento social das empresas era maior antes de 1968, quando se instalou o governo das forças armadas e boa parte das empresas foram estatizadas””, aponta o relatório.

As principais atividades desenvolvidas hoje estão na área de apoio a entidades de assistência social, educação e pesquisa. Em agosto de 2002, foi aprovada uma nova lei de imposto de renda, que permite mais deduções para doações a entidades sem fins lucrativos. Os três principais desafios a serem superados pelo terceiro setor peruano, de acordo com o relatório, são a hostilidade do marco legal, a ausência de uma cultura de investimento social privado e a falta de transparência e difusão das ONGs.

A Colômbia tem um dos sistemas democráticos mais antigos da América, mas com um dos maiores históricos de violência e metade da população (22 milhões de pessoas) vivendo em condição de pobreza. Em contrapartida, o terceiro setor no país é maior que a média da América Latina, segundo o estudo da Johns Hopkins University, que identificou cerca 287 mil pessoas trabalhando no setor. Educação (26,1%) e saúde (17,5%) são as áreas mais apoiadas no país.

De acordo com o relatório para o Wings, o conceito de fundações empresariais não encontra regulação normativa expressa no ordenamento jurídico colombiano. “”Seu fundamento legal, tanto no âmbito do direito público como no direito privado, tem razão de ser e encontra validez por sua própria natureza jurídica: trata-se de entidades sem fins lucrativos.””

Região Ibérica – Na Espanha, um dos países da região ibérica, o setor sem fins lucrativos operou, em 1995, cerca de US$ 22,6 bilhões, o equivalente a 4% do produto interno bruto do país. O dado também é da pesquisa da Johns Hopkins University, que identificou que mais pessoas trabalhavam neste setor do que, por exemplo, nas indústrias de transportes ou de comunicações. Eram, na época, 475.179 profissionais (4,5% dos trabalhadores urbanos) atuando em tempo integral. Mesmo assim, esse índice estava abaixo da média dos outros países da Europa Ocidental (7%).

O desenvolvimento do setor sem fins lucrativos na Espanha, segundo a pesquisa, aconteceu principalmente após 1975. Foi a partir desse ano que, com um rápido desenvolvimento econômico no país, começaram a surgir muitas demandas por serviços sociais. Serviço social, a propósito, é a área mais atendida pelas organizações espanholas, envolvendo 31,8% dos investimentos, seguida por educação (25,1%) e saúde (12,2%).

De acordo com o Anuário sobre Responsabilidade Social Corporativa na Espanha 2003, elaborado pela Fundação Ecologia e Desenvolvimento para a Fundação Avina, este tema sofreu uma notável evolução nos últimos anos. Até 1999, a responsabilidade social não era um assunto de interesse dos diretores e conselheiros das grandes empresas espanholas. Agora já existe uma preocupação com a formalização e a transparência, e os fatos indicam que essa tendência será mantida.

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