Identidade organizacional como matriz de relacionamento e integração

Por: GIFE| Notícias| 09/05/2005

ANDRÉ MARTINEZ
Diretor executivo da Brant Associados, do Instituto Diversidade Cultural e vice-presidente dos institutos Pensarte e Vygotskij

Sob o lema “”Cultura é um bom negócio””, o empresariado brasileiro aprendeu que cultura é bom para o negócio. O marketing cultural, peculiaridade das práticas nacionais em relação a outros países, transformou-se nas últimas décadas em uma ferramenta poderosa que permitiu direcionar bilhões de reais para a atividade cultural, estabilizando-a. Também contribuiu para o refinamento das políticas de branding corporativo. Marcas foram construídas com os valores da expressão dos brasileiros.

Mais recentemente, as organizações perceberam que a atitude responsável e o compromisso com a sociedade são imprescindíveis para o empreendimento de negócios com valor efetivo. Que as pessoas jurídicas também podem ser cidadãs. E que os consumidores sabem muito bem perceber isso. E novamente o privado e o público aliaram-se para a geração de benefícios mútuos.

Disseminou-se que projetos culturais podem gerar contrapartida para seus investidores privados. E, ao mesmo tempo, que os negócios podem constituir contrapartida para a sociedade.

O embrião do conceito de Arquitetura Cultural surgiu quando começamos a questionar essa lógica dos “”contras””. A desconfiar que havia um paralelo entre os discursos que sustentavam a maioria dos empreendimentos de marketing cultural, ou de comunicação por atitude, e os de boa parte do investimento social privado. Em nenhum deles as empresas estavam valorizando quem realmente eram. Por que uma empresa precisaria “”comprar”” um valor positivo para associar à sua imagem, afinal? Por que uma organização precisaria investir em projetos sociais para “”compensar”” sua atuação econômica?

Ao tentar responder tais perguntas, constatávamos que existia uma espécie de negação, ou negativação, das verdadeiras identidades institucionais. Como se as organizações vissem em seus negócios impacto inevitavelmente oneroso para a sociedade e precisassem compensar o dano e limpar a imagem. Então, vislumbramos uma lógica inversa – empresas atuando sem culpa, plenamente cientes do valor sócio-econômico de seus negócios e partindo fundamentalmente deles para afirmar seu compromisso com a sociedade – e pensamos que o investimento em cultura poderia alicerçar uma nova metodologia, mais adequada a essa percepção da realidade.

Definimos Arquitetura Cultural, então, como uma metodologia de planejamento e construção de empreendimentos e políticas privadas, que gerem impacto cultural positivo, alicerçados na visão estratégica, no valor sócio-econômico do negócio e no compromisso ético da empresa com a sociedade. O propósito não restrito à regulação dos investimentos culturais dentro de parâmetros de ética empresarial. Mas, partindo desse patamar para projetar a consistência sócio-econômica do core business e estreitar as relações mais humanas da organização com a sociedade.

Para que isso fosse possível, fundamos a Arquitetura Cultural em dez princípios que apontam para a empresa em si como um sistema de relações culturais e permitem o tratamento de questões que vão do negócio à promoção, do investimento social às estratégias institucionais.

Sob este enfoque, o investimento cultural privado é “”enraizado”” na organização, servindo de âncora para a Arquitetura Cultural.

É importante salientar que, apesar da inevitável comparação, a Arquitetura Cultural não surge para contrapor o conceito de marketing cultural. Não há necessariamente uma incompatibilidade. Todas as possibilidades do marketing cultural são incorporadas. A diferença é que a questão promocional deixa de ocupar o foco da gestão e o limite dos benefícios.

O marketing cultural fundamenta-se na idéia de formação de uma imagem da empresa a partir da exposição da marca em promoções culturais. A idéia é que os valores positivos identificados em empreendimentos culturais possam ser associados à imagem do patrocinador. Na Arquitetura Cultural a lógica é invertida. Ser é mais importante que parecer. A idéia é que, a partir dos valores que caracterizam a identidade organizacional, seja possível planejar políticas e empreendimentos culturais que ampliem naturalmente a percepção positiva do negócio. O conceito de Identidade Central (mais profunda que a projetada para a marca) da Arquitetura Cultural vem superar o paradigma de imagem ao qual se limita o marketing cultural.

Para que isso seja possível, o planejamento e a gestão de políticas e empreendimentos precisa evoluir do nível gerencial e do campo da comunicação, para ocupar a esfera estratégica e transversalizar-se em todas as frentes de relacionamento da empresa com a sociedade. A metodologia prevê cinco níveis de incorporação que podem ir sendo conquistados progressivamente: o simbólico, referente à imagem propriamente dita, paradigma atual; o cultural, abarcando a identidade central da empresa, presente no discurso dos gestores e nas relações interpessoais; o estratégico, presumindo o desenho de uma visão sócio-cultural do core business; o tático, que busca cooperação entre ações culturais e as operações e serviços da empresa; e o nível atitudinal, voltado ao alinhamento de condutas e valores éticos. O processo é complexo e requer investimento e paciência. Os resultados e benefícios, porém, são surpreendentes.

As premissas básicas da Arquitetura Cultural são uma visão da empresa como geradora de efeitos econômicos, políticos, sociais e culturais de grande relevância para a sociedade e a idéia de que estes efeitos podem ser administrados de forma convergente. Incorporando essas premissas em sua gestão estratégica as organizações ganham a oportunidade de mostrar quem são, fortalecendo seus valores e vocações, institucionais e humanos, afirmando uma identidade legítima, coerente com sua memória, e amadurecendo sua consciência ética. A visão expandida do conceito de cultura, como matriz de integração entre empresa e sociedade, permite que os investimentos culturais privados adquiram sentido político nas comunidades, que passam a ver a organização como uma aliada. Assim, a relação entre empresa e seus públicos é estreitada pela lógica de parceria e pelo reconhecimento pleno do valor sócio-econômico dos propósitos finais da organização.

Os dez princípios da Arquitetura Cultural

1. SUJEITO CULTURAL – Cada pessoa é um universo cultural formado por memórias e valores herdados de muitas gerações. O conjunto de sujeitos culturais é o maior capital de toda a comunidade, seja ela uma empresa, uma nação ou um grupo de amigos.
2. ORGANIZAÇÃO CULTURAL – Os valores culturais são o que permite que as pessoas se identifiquem como parte de um grupo, portanto a cultura é o alicerce de toda a organização e de todos os mercados.
3. IDENTIDADE CULTURAL – Cada organização é um universo multicultural constituído pela diversidade das formas de pensar dos sujeitos culturais que a integram. Assim, a identidade de uma instituição não é um pilar singular, mas o resultado de uma arquitetura complexa, monística e transcendente, ancorada em uma infinidade de identidades.
4.ATITUDE CULTURAL – As atitudes das pessoas são determinadas pela complexidade cultural de suas visões de mundo e representações. A cultura, portanto, é o empuxo de todas as estratégias. Inserir doutrinariamente valores no discurso das pessoas leva a um comportamento homogêneo, a uma eficiência relativa. Somente o desenvolvimento cultural conduz à autonomia.
5. DINÂMICA CULTURAL – A capacidade criativa e realizadora de uma comunidade é diretamente proporcional à riqueza da dinâmica cultural decorrente da diversidade das visões de mundo e identidades de seus integrantes;
6. SUSTENTABILIDADE CULTURAL – A sustentabilidade dos processos de desenvolvimento depende fundamentalmente da autonomia dos atores culturais e da qualidade das relações que estabelecem entre si.
7. EFETIVIDADE CULTURAL – Valores são intransferíveis. A efetividade dos processos de comunicação, promoção e relações públicas e sociais depende da coerência entre os valores que se deseja semear e os culturalmente existentes na organização e na sociedade. Mais que comunicar atributos é preciso promover um diálogo cultural.
8. VETORES CULTURAIS – O alinhamento da diversidade de valores dos diferentes sujeitos culturais, em oposição à conformação de valores, gera forças convergentes para os empreendimentos de desenvolvimento.
9. ESPIRAL CULTURAL – A articulação das forças convergentes decorrentes dos vetores culturais constitui uma força resultante, onde os propósitos não são colocados no fim de um vetor linear de desenvolvimento, mas no centro de uma espiral de diversos vetores sinergéticos.
10. GOVERNANÇA CULTURAL – A gestão dos processos estratégicos com base em processos culturais, permite configurar um ambiente que “”conspira”” naturalmente e a favor dos propósitos almejados.

Resumo Comparativo

Marketing Cultural
Arquitetura Cultural
Ponto de partida Projeto

Conceito

Visão de cultura e arte Entretenimento – Status

Plataformas para o desenvolvimento humano, para o desenvolvimento social, para a estabilidade política e para a manutenção da paz

Desempenho Visibilidade da marca

Efetividade dos processos (curto prazo), resultados (médio prazo) e efeitos (longo prazo)

Palavra-chave Imagem
Identidade
Valor Marca associada aos valores positivos “”emprestados”” pelos empreendimentos patrocinados
Patrocínio reforça o sentido dos valores originais do negócio e da empresa
Lógica de relacionamento Contrato -> contrapartidas
Desafio -> partidas
Oportunidades para a empresa Associadas à promoção
Associadas à gestão estratégica, táticas de negócio, Responsabilidade Social externa e interna e relacionamento político com a sociedade
Participação Repasse de recursos financeiros
Troca de expertises e competências – Gestão estratégica – Suporte Institucional
Planejamento Em curto e médio prazos – lógica de programação de eventos
Em longo prazo – lógica de desenvolvimento

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