Imprensa bem pautada tem critérios e evita simplificação crítica da área social

Por: GIFE| Notícias| 04/07/2005

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

Para fazer a palestra de encerramento de seu 2º Workshop de Comunicação sobre Investimento Social Privado, o GIFE convidou o diretor nacional do curso de comunicação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e sócio da Pulsar Assessoria Integrada de Marketing e Comunicação, Luiz Fernando Garcia.

Ele falou sobre as estratégias e práticas da comunicação corporativa. Em entrevista concedida ao redeGIFE logo após sua apresentação, Luiz Fernando apontou para questões como a relação entre coerência e consistência da imagem de uma organização social, desafios da comunicação entre as assessorias das empresas e de seus institutos ou fundações, e diferenças entre publicidade e assessoria de imprensa no terceiro setor.

redeGIFE – Sobre a relação coerência x consistência da imagem, você percebe que as assessorias de comunicação, na área social, têm pensado nisso?
Luiz Fernando Garcia – Não. Quase sempre as ações que são destacadas, ou por erro ou por visão limitada de curto prazo, estão numa forma que não consegue sensibilizar a imprensa, e ficam reduzidas ao pontual. Em alguns pontos, inclusive, a sinapse não está clara: por que a organização está promovendo tal coisa? Existem algumas perdas muito fortes no caminho da comunicação. Se você não souber trabalhar isso o tempo todo na relação de pauta e de conteúdo, emite uma informação que sai incompleta no jornal e pode gerar uma associação torta. É preciso ter uma construção de identidade, consistente e coerente, degrau a degrau. Se o degrau é grande ou pequeno, vai depender dos recursos financeiros que se tem. Costumo fazer a metáfora do quebra-cabeça: você vai entregando as peças para as pessoas, tem a imagem por completo na sua cabeça, mas quem recebe não conhece, então não sabe o que fazer com aquilo. Não é meu papel me esforçar para entender onde a peça se encaixa, é seu papel fazer com que eu entenda.

redeGIFE – Na sua apresentação, você falou que atualmente não existe mais muita divisão entre as áreas da comunicação (jornalismo, propaganda, relações públicas), mas na área social parece que ainda existe isso. As organizações às vezes não querem fazer publicidade das suas ações, preferem contratar apenas uma assessoria de imprensa. Isso é um problema?
Garcia – Existem extremos nas organizações. Algumas não têm muito problema de captação de recursos imediato, outras, em especial as ONGs mais tradicionais, quase sempre querem isso, aí procuram as agências para conseguir anúncios gratuitos e tentar fazer, com isso, que a população se sensibilize e doe dinheiro. Isso pode até funcionar no curto prazo, mas geralmente as pessoas depois nem lembram para quem fizeram a doação, porque foi uma resposta emocional. É quase como uma compra ou doação por impulso, e não por construção de relacionamento. Ao mesmo tempo, uma das grandes bobagens que se pode dizer na vida é que uma assessoria de imprensa bem resolvida custa mais barato que a propaganda. Determinados pontos devem ser “”propagandeados”” mesmo, seja para nível de conhecimento, seja para nível de relacionamento. E a assessoria de imprensa precisa entender qual a mídia que chega nas pessoas, qual a sensibilidade de agenda que esta mídia tem para conseguir saber se a informação é pauta ou não, que tamanho de pauta e qual perfil editorial ele vai fazer. Eu posso conseguir uma notinha numa coluna social bacana que às vezes fala apenas de uma pessoa, e às vezes nem fala de que organização ela é. Você criou um evento enorme, cheio de celebridades, para aparecer na coluna social. Aparece o colunável e não aparece quem fez a festa. Então, a questão é entender claramente que, para cada nível de desafio, existem possibilidades de construção, e existem momentos da organização. Uma organização que é desconhecida, se usar assessoria de imprensa, vai ter uma demanda absolutamente diferente de uma organização que está no ar todo dia, que qualquer jornalista conhece. O papel e as divisões são muito sutis, cada vez mais. Pensar as ferramentas de comunicação é pensar o estágio do paciente. E não a caracterização de doença: para gripe tome isso, para tosse tome aquilo. Pense o paciente, não a doença, não o remédio.

redeGIFE – Com estes filmes que estão surgindo, criticando fortemente ONGs e empresas que têm ações sociais, como as assessorias podem trabalhar isso? Podemos identificar como um tipo de gestão de crise?
Garcia – O corpo das organizações sociais está num ambiente que, de vez em quando, tem febre do crescimento, que é uma alteração do seu status. Com esse crescimento, se o ambiente não cobrasse, elas próprias se cobrariam. Mas o ambiente externo está mudando. Fazendo uma comparação com o segundo setor: alguns consumidores hoje são mais maduros na sua relação de consumo, são mais sensíveis a alguns apelos e não a outros, não caem mais no engodo de que a propaganda é sempre verdadeira. A sociedade está começando também – e este não é um movimento integral – a ter uma sensibilidade de que as organizações não necessariamente são para o bem ou para o mal, mas elas podem ser conduzidas como tal, e vai ter cobrança. Passamos pela fase da filantropia, onde tivemos uma cobrança crítica pesada, e hoje é difícil, num nível mais sofisticado, falar que se trabalha numa organização filantrópica. Já se cobra uma coerência de transformação, e não apenas paliativa, apesar da gente saber que às vezes precisa ser paliativo mesmo, para a sobrevivência do hoje – em algum momento, precisa-se dar o peixe, para que a pessoa tenha condições de aprender a pescar. Mas a sociedade tem que olhar bem para cada uma dessas coisas. Quando sai um filme contra ONGs é maravilhoso, porque a ONG séria sai beneficiada disso, desde que saiba reagir positivamente. A coisa mais legal que eu ouvi de algumas ONGs, quando confrontadas pelos veículos de comunicação, foi que os filmes não estavam falando mal delas, porque como em toda área da vida, tem coisa mal feita e coisa bem feita, e a sociedade atenta tem que saber dividir. A pressão da sociedade é também para que isso ocorra, e para que haja credibilidade. E aí a imprensa é fundamental, porque acaba desenvolvendo o papel de levantar critérios. Se ela não for bem pautada, não terá critério e cairá nesta simplificação crítica: todo mundo é do mal. Se for bem pautada e tiver uma educação para mudança de comportamento, com certeza chegará em alguma coisa positiva.

redeGIFE – Você também falou sobre o desafio da comunicação entre assessoria da empresa mantenedora com a assessoria da fundação ou do instituto.
Garcia – Talvez este seja o grande desafio. E a idéia é: senta junto e alinha o discurso. Combina. Quais são os meus e os seus pontos de interesse? Quais são os meus e os seus objetivos e onde queremos chegar? Onde somos convergentes? Quais são os pontos que nos unem? Nesses pontos pode-se encontrar grandes possibilidades. Estrategicamente, esta é uma percepção de identidade que deveria estar alinhada de cima para baixo. Mas, às vezes, as organizações foram criadas em tempos e demandas diferentes, ou a fundação caminhou para um lado e a empresa mantenedora vive uma nova realidade, então os discursos ficam divergentes. Um grande cara de promoção do país, João de Simone, disse que a maior parte dos empresários hoje, num ambiente de crise, está mais preocupado com o fim do mês do que com o fim do mundo. ONG trabalha com a questão do fim do mundo, e as empresas trabalham com o fim do mês. Às vezes o assessor de comunicação da ONG é muito xiita na causa, e não consegue entender que existem outras verdades no mundo. Às vezes, o assessor da empresa é muito xiita para o mercado, e não consegue entender que existem outras causas no mundo, ou quer se apropriar das outras causas em favor do mercado. Então, é preciso ter visão ampla e alinhar o discurso.

redeGIFE – No começo da sua apresentação você falou que todos acham que sabem fazer comunicação. Como identificar quem realmente sabe?
Garcia – É preciso definir claramente o que chamamos de comunicação. Existe um nível de comunicação pessoal e relacional, que obviamente todo mundo deve saber fazer, e que num ambiente organizacional é muito importante. A comunicação relacional faz com que as pessoas tenham uma troca, a fim de estarem juntas e produtivas pela causa e por si. E existe um outro nível de comunicação, formal, que é a exposição permanente da organização aos seus diversos públicos. Quem sabe fazer no pessoal não necessariamente tem a visão de conjunto. Em comunicação, em particular, a formação e a experiência são dois pontos absolutamente pilares. É possível ter alguém com grande experiência sem formação e uma alta taxa de competência. E é possível ter alguém com grande carga de teoria e pouca competência. Os dois correm riscos. O modelo ideal que se pressupõe é alguém que tenha uma formação teórica de embasamento contínuo, crescente – porque o mundo muda – e, ao mesmo tempo, uma visão prática, de experiência, de sensibilidade, que consiga trabalhar o detalhe. Eu costumo dizer que teoria e prática são o mesmo lado da mesma moeda, não são duas faces diferentes.

redeGIFE – Sobre a questão da falta de verba. Quando os recursos financeiros são reduzidos, geralmente a primeira área a ser cortada ainda é a da comunicação. Como pensar uma boa comunicação numa organização do terceiro setor?
Garcia – Eu costumo brincar que normalmente o terceiro setor não tem verba, tem mesada. O que acaba acontecendo, então, e de maneira muito tranqüila, é uma tradução de criatividade. Criatividade é a capacidade de você resolver problemas com os recursos disponíveis. A partir do momento em que se tem recursos exíguos e problemas desafiadores, ou você desiste ou se desafia a buscar soluções inéditas. Temos casos de exposição mundial de marcas, feitas a partir de uma coerência entre as ações da organização com uma força muito grande de projeção de imagem. Talvez o grupo mais forte nisso seja o Greenpeace, que tem como melhor propaganda sua própria atuação, porque são muito fortes na capacidade de chamar a atenção midiática. Este é um exemplo radical da capacidade de transformar uma atuação que pode ser muito limitada em algo consistente, coerente e inovador. Quase sempre as pessoas querem inovação consagrada, o que é a maior contradição que pode existir: querer algo que chame atenção e que comprovadamente dê certo. Normalmente isso vai mediocrizando a ação, o que faz sair um vídeo, um folheto, mas nada realmente novo. Quase sempre as organizações, quando realizam suas ações, se souberem aproveitar a capacidade de exposição da sua causa, conseguem resultados mágicos.

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