Incentivos fiscais para doação de pessoa física podem ajudar a fomentar a cultura de doação

Por: GIFE| Notícias| 12/12/2016

Várias iniciativas têm sido fomentadas e criadas, nos últimos anos no país, para ampliar a cultura de doação, como o Dia de Doar, o Fundo BIS, a plataforma Captamos, além de diversos sites de financiamento coletivos ou aplicativos, que facilitam a aproximação dos cidadãos com as organizações da sociedade civil.

Discutir novos mecanismos e estratégias para ampliar ainda mais a cultura de doação no Brasil é ponto fundamental para pensar na sustentabilidade econômica das organizações e, portanto, no fortalecimento do setor como um todo.

Para ajudar a ampliar a discussão a respeito, o GIFE promoveu em parceria com o Movimento por um Cultura de Doação, no dia 08 de dezembro em São Paulo, uma nova roda de conversa. Seu tema central foi “o papel do incentivo fiscal para pessoas físicas na ampliação da cultura de doação no país”.

A iniciativa faz parte da agenda de trabalho da organização, que realizou uma série de encontros ao longo do ano que impactam na criação de um ambiente regulatório no país mais favorável à sustentabilidade econômica das organizações da sociedade civil.

Mariana Levy, gerente de advocacy do GIFE, abriu o encontro apresentando um panorama sobre o tema. De acordo com o Censo GIFE, por exemplo, 40% dos associados utilizaram algum tipo de incentivo fiscal na composição do seu orçamento, sendo que o total de recursos incentivados foi de R$510 milhões (17% do total do investimento ).

Recentemente, o marco regulatório das organizações da sociedade civil (Lei Federal nº 13.019/14) ampliou incentivos fiscais para doação de empresas a organizações da sociedade civil, independente de certificação. Esse benefício era restrito às OSCIPs e está voltado ao desenvolvimento institucional das organizações.

O debate realizado versou sobre o papel dos incentivos fiscais voltados para as  pessoas físicas e seus reflexos na ampliação da cultura de doação no país.

Funcionamento dos incentivos fiscais para pessoa física

Hoje, no país, há uma série de incentivos fiscais disponíveis para utilização por pessoas físicas. Entre elas, o FIA (Fundo da Infância e Adolescência), Lei Rouanet (Cultura), Lei do Audiovisual, Lei do Esporte, Fundo do Idoso, Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (PRONON) e Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (PRONAS/PCD).

Na opinião dos especialistas presentes no encontro, um fator que impacta diretamente na pouca utilização pelos brasileiros das leis de incentivos fiscais ainda é a falta de conhecimento e o fato da legislação ser burocrática, o que afasta os possíveis interessados em colaborar.

Segundo Eduardo Szazi, sócio de Szazi, Bechara e Storto Advogados, percebe-se que há, hoje, uma subutilização do sistema das leis de incentivo, além da concentração destes possíveis doadores em apenas alguns locais do país, com um perfil restrito: classe média e assalariada.

“A lei é muito complexa e acaba não incentivando quem quer doar. Se não facilitarmos e criarmos um modelo de incentivo mais simples, não vamos conseguir avançar”, destacou Flávia Tenenbaum, diretora de captação de recursos do Médicos Sem Fronteiras.

Na opinião de Joana Mortari, da Associação Acorde e uma das articuladoras do Movimento por uma Cultura de Doação, é preciso refletir sobre o que é necessário criar para se ter uma boa atmosfera para as políticas de incentivos fiscais no país, a fim de se garantir de fato o fortalecimento das organizações da sociedade civil.

Sendo assim, haveria duas formas de se olhar para o papel dos incentivos fiscais neste âmbito. O que está vigente atualmente no país é ainda a ótica da “entrega de serviços”, ou seja, as OSC são vistas pelo governo como um meio para a finalidade de oferecer serviços que entende necessários à população. Nessa perspectiva, os incentivos são determinados por causas (educação, saúde, infância etc.), e somente por projetos, o que ajuda a reforçar e manter a visão política de governo e marginaliza partes da sociedade civil que se dedicam a iniciativas em outras frentes de ação.

Outra forma de olhar o sistema de incentivos fiscais seria não para aumentar os serviços prestados pelo Estado, mas sim como uma forma de reconhecer o papel da sociedade civil no fortalecimento da democracia. Neste caso, se valoriza uma sociedade civil independente e pluralista.

Daí a importância de se pensar em incentivos fiscais voltados ao desenvolvimento institucional das organizações independente de um projeto e/ou tema específico. De qualquer maneira, a ampliação da cultura de doação não depende somente da política de incentivos fiscais, mas também de uma série de fatores culturais, econômicos, sociais e políticos.

Segundo Szazi, a lógica de vincular o destino dos recursos para projetos é uma garantia de controle por parte do governo para saber onde o dinheiro está sendo aplicado. Caso essa lógica seja alterada, será preciso criar mecanismos mais eficientes de controle e transparência dentro das organizações.

Mariana Levy,  lembrou que ferramentas de autorregulação, como o próprio Painel GIFE de Transparência, podem ajudar as organizações nestes processos.

Experiência prática

Na roda de conversa, a diretora de captação de recursos do Médicos Sem Fronteiras compartilhou com os presentes a experiência neste tema. A organização tem 99% de doações captadas junto a pessoas físicas, mesmo sem a utilização de incentivos fiscais específicos. A busca por recursos privados visa a garantir a  independência de atuação da entidade.

A MSF é uma organização humanitária internacional que leva cuidados de saúde a pessoas afetadas por graves crises humanitárias. Também é missão de MSF chamar a atenção para as dificuldades enfrentadas pelos pacientes atendidos em seus projetos.

Para chegar aos doadores, a organização utiliza uma série de mecanismos de captação, como propagandas em rede de televisão, plataforma de doação online, equipe de call center, além de atendimento direto nas ruas. Os resultados têm sido positivos e, atualmente, a organização é uma das entidades no país com a maior base de doadores individuais: são 400 mil doadores ativos, que doam uma média de R$49,00/mês.

Em relação ao perfil, os doadores são pessoas da classe A e B, com idade entre 35 a 55 anos, e a concentração maior no eixo Rio/São Paulo. Desde 2010, o número de doadores tem crescido 40% ao ano e, em 2015, foram captados mais de R$141 milhões junto a esse público.

Segundo Flávia, há uma série de fatores que colaboram para os resultados positivos nesta forma de captação. Um deles é a própria causa da organização, tendo em vista que saúde, criança e a emergência de ações sensibilizam e mobilizam o povo brasileiro. Além disso, a transparência nos processos e prestação de contas e a credibilidade da entidade são fundamentais.

Mudanças

Na opinião dos especialistas presentes na roda de conversa, para se garantir um ambiente mais favorável à cultura de doação no país, é essencial a alterações em outras normas atuais, como o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), que hoje taxa da mesma forma as heranças e as doações para causas de interesse público.

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil já trouxe uma mudança importante, ou seja, as organizações da sociedade civil podem receber doações de empresas até o limite de 2% da receita bruta independente de certificação. Porém, ela fica restrita para pessoa jurídica. A ampliação do benefício para pessoa física, poderia também ajudar no crescimento do número de doadores.

Além de criar um ambiente legislativo e jurídico mais favorável às doações, é preciso também investir no país numa ampla mudança de cultura de doação, que passa, por exemplo, na percepção das empresas e investidores sociais sobre a importância das doações para o desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil. . “Essa lógica de captação via projetos é hegemônica no país e precisamos quebrar isso. A doação de pessoas físicas é uma maneira de mudar essa forma de pensar”, apontou Szazi.

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