Incentivos fiscais para terceiro setor precisam ser menos restritivos

Por: GIFE| Notícias| 10/11/2003

MÔNICA HERCULANO
Repórter do redeGIFE

A pedido do GIFE, o advogado Eduardo Szazi fez uma análise dos dados do relatório consolidado da Declaração de Informações Econômico-Fiscais das Pessoas Jurídicas 2000 (DIPJ) e concluiu que apenas 3,4% do potencial de doação para organizações do terceiro setor foram aproveitados – dos R$ 6,5 bilhões que poderiam ter sido doados pelas empresas para as organizações sociais, foram destinados apenas R$ 225,66 milhões.

Do potencial para dedução fiscal, apenas R$ 7,48 milhões (7,27%) dos R$ 102,83 milhões que poderiam ser direcionados aos Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA) foram efetivamente utilizados. Os incentivos a projetos culturais são os mais utilizados, mas mesmo assim apenas 23,4% são aproveitados – R$ 96,19 milhões foram doados efetivamente para projetos culturais, enquanto o disponível era de R$ 411,34 milhões.

“”Os incentivos para a área cultural existem há pelo menos treze anos e, com o passar do tempo, foram cada vez mais conhecidos e ampliados. Os incentivos para a área social, paradoxalmente, conheceram um processo inverso. Em 1995, eles foram reduzidos e chegou-se ao retrocesso da legislação vedar doações dedutíveis de pessoas físicas para entidades sociais””, conta a advogada Maria Nazaré Lins Barbosa, autora do Manual de ONGs: Guia Prático de Orientação Jurídica, editado pela Fundação Getúlio Vargas.

No Brasil, somente as pessoas jurídicas tributadas pelo regime de lucro real podem utilizar incentivos fiscais para a área social, o que representa um universo pequeno de empresas beneficiadas. De acordo com dados da Receita Federal, elas representavam 6,71% das empresas que declararam imposto de renda em 2000.

Desafios – Na região sudeste do país, de acordo com a pesquisa Ação Social das Empresas, realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2000, dos empresários que não faziam uso de incentivos fiscais para suas ações sociais, 33% consideravam os valores muito pequenos, 24% tinham ações que não estavam previstas nessas leis e 18% não sabiam que a legislação autorizava deduções.

Para o diretor presidente da Fundação Abrinq, o advogado Rubens Naves, a falta de conhecimento e a restrição dos incentivos são as principais causas da sua subutilização. “”As empresas e o país desperdiçam a chance de direcionar recursos públicos, melhorar o controle social sobre sua aplicação e fortalecer laços de parceria entre sociedade civil e governo.””

Segundo Maria Nazaré, a doação em dinheiro às entidades de utilidade pública e Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) é simples, por isso não pode ser considerada um entrave à doação. “”Estamos bem longe da variedade que existe em países como Reino Unido ou Estados Unidos, que desenvolveram formas bem mais criativas de incentivos.””

Para Szazi, autor do livro Terceiro Setor – Regulação no Brasil, publicado pelo GIFE, um dos desafios é aumentar a transparência na prestação de contas das organizações sem fins lucrativos e a qualidade na gestão e nos projetos. Além disso, é importante capacitar as organizações, para que elas conheçam o procedimento de cada incentivo e para que haja maior difusão das leis. “”Quantas organizações têm, em seus sites, informações detalhadas sobre os incentivos fiscais? Não podemos reclamar da falta de conhecimento se cada um de nós não ajuda na divulgação.””

No caso dos Fundos de Direitos, segundo ele, uma das dificuldades é o fato de que os Conselhos não aceitam que os doadores escolham o projeto no qual querem aplicar recursos. “”Isso é uma desinteligência. Ao não aceitar repartir um bolo que pode ser grande, ficam com migalhas. Felizmente, alguns Conselhos estão se dando conta disso. Um bom exemplo está em São Paulo, que autoriza a destinação de 90% do valor doado a um projeto indicado pelo doador, ficando o saldo para projetos escolhidos pelo Conselho.””

Incentivos – A Philips do Brasil não utiliza incentivos fiscais para suas ações sociais. No entanto, a gerente de responsabilidade social na América Latina da empresa, Flávia Moraes, concorda que eles são importantes para a criação de uma cultura de atuação social por parte da iniciativa privada. “”É preciso desenvolver esse conceito de investimento social privado. Em um país tão carente como o nosso, todo investimento é importante e não pode ser desprezado.””

A Fundação Abrinq, por meio do Programa Empresa Amiga da Criança, tem uma publicação que orienta a prática das empresas sobre os incentivos fiscais da Lei Rouanet, Lei do Audiovisual, dos Fundos de Direitos e da doação a Oscips e a entidades de utilidade pública.

Rubens Naves acredita que os incentivos não descaracterizam e fazem parte da atuação social da empresa. “”Trata-se de um direcionamento do imposto que já deveria ser pago. A sua utilização não substitui o investimento social, apenas vem completar essa responsabilidade social da empresa.””

De 2000 a 2002, a Embraer utilizou incentivos fiscais no montante de 6,5% do total aplicado na área social. O restante dos investimentos foram recursos próprios. Luiz Sérgio Cardoso, diretor do Instituto Embraer de Educação e Pesquisa, acredita que se a empresa faz uso apenas dos recursos do governo, terá uma atuação muito limitada. “”A utilização de incentivos para financiar uma parte menor dos projetos pode ser uma alternativa interessante para aplicar recursos governamentais que, muitas vezes, são consumidos pela burocracia.””

O advogado Paulo Haus Martins explica que é preciso ter claro que o recurso gerado pelo incentivo é público. “”O Estado costuma entender isso como sendo de sua disposição. O incentivo fiscal para o terceiro setor representa um convite à participação democrática na distribuição desses recursos. Em resumo, utilizar-se dos incentivos é utilizar-se do sistema democrático. Deixar de utilizá-los é abrir mão disso.””

Não só as empresas, mas também as pessoas físicas, segundo Haus, deveriam fazer uso do seu potencial de incentivos. “”Quando a lei permite a dedução de tributos e até incentiva a doação ou o investimento, está indicando que é possível investir parte dos recursos públicos diretamente em atividades de interesse público, que podem ser controladas por cada cidadão.””

Maria Nazaré afirma que os mecanismos legais estimulam efetivamente a doação, e não a simples economia fiscal da empresa, pois o que o doador recupera no imposto a pagar é sempre inferior ao valor efetivamente doado. “”De qualquer modo, o que o governo perde de arrecadação é muito menos do que aquilo que ganha sob a forma de serviços prestados pelas entidades de fim público, que tendem a empregar os recursos com muito mais eficiência do que o próprio Estado.””

Segundo Luiz Sérgio Cardoso, do Instituto Embraer, os incentivos só se justificam se houver garantias de que o investimento é necessário, bem feito e tem retorno social. Para favorecer o direcionamento dos recursos para áreas onde haja maior retorno social, ele salienta que o governo deve rever sua política de incentivos e as empresas devem ter o mesmo cuidado com que administram seus recursos para negócios, para melhor aproveitar os incentivos já existentes.

“”A negligência com o dinheiro do contribuinte e a exploração marqueteira dos projetos em benefício próprio deveria ser objeto de comprovações feitas por entidades públicas ou da atenção crítica de ONGs dedicadas a fiscalizar a aplicação de recursos na área social””, afirma Cardoso.

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